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4.1 DIREITO AMBIENTAL, DANO E TUTELA JURISDICIONAL

4.1.2 Direitos de terceira dimensão e o dano ambiental

Como bem lembra Martins (2007, p.14), o surgimento da história ambiental era sinal de que, por um lado, os processos e os problemas socioambientais tinham se tornado uma preocupação incontornável mundo afora e, de outro lado, para além das velhas fronteiras disciplinares, todos os cientistas começaram a dedicar maior esforço na produção de um renovado “saber ambiental”. A questão do meio ambiente deixava de ser monopólio de ecólogos e geógrafos, para se transformar num tema de pesquisa interdisciplinar.

Nas palavras de Vasco Pereira da Silva (2008, p.21):

A consideração do direito ao meio ambiente como direito do Homem resulta da necessidade de repensar a posição do indivíduo na comunidade perante os novos desafios colocados pelas modernas sociedades. E se a “dignidade da pessoa humana” constitui fundamento dos direitos humanos, a sua realização, em cada momento, exige um esforço de adaptação e de aprofundamento que é determinado pelas concretas circunstâncias históricas.

No contexto pátrio, observamos que o Brasil ganha destaque por possuir uma das legislações ambientais mais completas do mundo, elevando este tema à categoria de normas constitucionais, as quais são, inclusive, tratadas em capítulo específico, vejamos:

CAPÍTULO VI DO MEIO AMBIENTE

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

120 I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; (Regulamento)

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; (Regulamento) (Regulamento)

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (Regulamento)

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (Regulamento)

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (Regulamento)

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (Regulamento)

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

Para o Min. Celso de Mello o direito a integridade do meio ambiente — típico direito de terceira geração — constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. (BRASIL, STF, 1995).

Para Freitas (2001, p. 21. 73) o dano corresponde a qualquer diminuição do patrimônio. Todavia, inclina-se a doutrina mais moderna a dar ao termo dano um significado

121 mais amplo, de forma que venha a abranger qualquer diminuição ou subtração de um bem jurídico.

É em função do dano ambiental, este compreendido como qualquer lesão ao meio ambiente causada por ação de pessoa, física ou jurídica que resulte em degradação da qualidade ambiental, isto é, que tenha como resultado a alteração adversa das características do meio ambiente, que o direito ambiental atua em duas vertentes: a preventiva e a reparadora.

A atuação preventiva dá-se com o estímulo negativo à prática de determinada ação que se mostre concreta ou potencialmente nociva ao meio ambiente, busca evitar a ocorrência do dano, já a ação reparadora dá-se após a ocorrência do dano e visa mitigar seus efeitos.

Trata-se de direito de terceira dimensão, muito bem destacado em importante decisão de 01/09/2005, do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3540 MC e relatoria do Ministro Celso de Mello, vejamos:

E M E N T A: MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA

COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS

TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) - ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) - COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) - A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO

AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À

ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) - DECISÃO NÃO REFERENDADA - CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO

AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO

FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS.

A referida decisão reitera o art. 225 da CF, e expõe que se trata de incumbência estatal e coletiva a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras

122 gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual. De tal forma que o cumprimento dessa obrigação não pode ser renunciado, ao passo que representa garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral.

Sobre o tema, Sarlet (2009, p. 48) expõe que:

Os direitos fundamentais de terceira dimensão, também denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (famílias, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. Para outros, os direitos da terceira dimensão têm por destinatário precípuo o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.

A preocupação com a qualidade e salubridade ambientais transcende a geração presente, pois se trata da manutenção da própria existência humana. Assim é que a eventual responsabilização por danos desta natureza deve revestir-se de características capazes de assegurar o efetivo resguardo destes bens tão imprescindíveis.