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Interesse difuso, coletivo e individual homogêneo reconhecimento jurídico da

4.1 DIREITO AMBIENTAL, DANO E TUTELA JURISDICIONAL

4.1.1 Interesse difuso, coletivo e individual homogêneo reconhecimento jurídico da

115 É no código de Defesa do Consumidor que encontramos a definição legal de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos vejamos:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

A leitura do artigo nos permite inferir que os interesses difusos são aqueles compartilhados por titulares indeterminados, ainda que se possa precisar seu quantitativo, o que os aproxima é uma situação de fato e não uma relação de direito.

Neste sentido, Bello Filho (2009, p.106) explica que:

Por interesses difusos, entende-se aqueles interesses que não podem ser atribuídos ao indivíduo e nem a um grupo coletivamente determinado. São interesses que não se confundem, com os individuais – ainda que homogêneos – porque não podem ser referenciados à individualidade. Também não se confundem com os interesses e os direitos coletivos porque eles não possuem uma relação jurídica em sua base que possa elevá-los a essa categoria. Os direitos fundamentais de terceira geração são difusos porque não é possível, a priori, determinar quem é o titular do direito. Trata-se de uma categoria de direitos determináveis, na medida em que é possível o titular apenas no momento da concretização desse direito, e não quando da observação da sua existência no mundo jurídico.

O dano ao meio ambiente insere-se neste contexto, justamente porque, não é possível referenciá-lo à individualidade como foi o caso do desastre e Minamata, mencionado no primeiro capítulo desta dissertação, de modo que todos aqueles cidadãos japoneses expostos aos efeitos do excesso de mercúrio contido nos peixes têm o mesmo direito, mesmo não havendo entre eles nenhuma relação jurídica. Assim, vê-se que os direitos difusos são pertencentes a todos, mas em ninguém em particular.

Lecionando sobre o tema Alvin (2016) menciona que “as pessoas, titulares desses direitos, estarão ligadas por circunstâncias de fato, o que não quer dizer que estejam submetidas às mesmas circunstâncias, senão que hão de estar sujeitas a circunstâncias equivalentes”.

116 Os direitos coletivos, diferentemente dos difusos, têm como titulares grupos, categorias ou classes de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica, seria, por exemplo, o direito de pesca afeto a uma comunidade de pescadores.

Sobre o tema, nos diz Zavaski (2005, p. 22):

Foi o legislador brasileiro, na verdade que protagonizou, de modo mais profundo e mais rico do que os demais países do civil law a “revolução mencionada por Cappelletti e Garth, em prol da criação de instrumentos de tutela coletiva. Já na década de 70, a Lei .6513, de 20/12/77, introduziu significativa modificação no art. 1º § 1ª da Lei da Ação Popular, a fim de considerar como patrimônio público “ os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico e turístico”. Com isso, viabilizou-se a possibilidade de tutela dos referidos bens e direitos, de natureza difusa, por via da ação popular.

Assim, a Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, conhecida como Lei da Ação Popular, foi o start para a sistematização da tutela jurídica de diversos interesses coletivos, com destaque, à tutela do patrimônio público. Como bem destacam Zanetti Jr e Garcia (2012, p.11), esta lei trouxe sensíveis alterações na seara processual ambiental:

As ações coletivas iniciaram sua história moderna no sistema processual brasileiro com a promulgação da Lei da Ação Popular (Lei 4717/1965), que se tornou o primeiro instrumento sistemático voltado à tutela de alguns interesses coletivos em juízo, em especial o patrimônio público. Nesse momento, duas foram as grandes alterações ocorridas em âmbito processual: a legitimação ativa e a coisa julgada. Isso porque, o artigo l9 legitimou o cidadão a defender, em nome próprio, os direitos pertencentes de toda a população, através da técnica chamada substituição processual. Já o artigo 18, ampliou a qualidade da coisa julgada, dando-lhe efeito erga omnes. Se, porém, a ação fosse julgada improcedente por deficiência (ou insuficiência) de provas, qualquer cidadão teria a faculdade de propor novamente a ação, desde que fundada em nova prova. Esta técnica foi reconhecida posteriormente com o nome de coisa julgada secundum eventum probationis.

Importante colacionar que, conforme mencionado por Zavaski (2005, p. 22), “foi a Lei nº 7.347, de 24/07/85, que assentou o marco principal do intenso e significativo movimento em busca de instrumentos processuais para a tutela dos chamados direitos e interesses difusos e coletivos”:

Essa Lei, conhecida como lei da ação civil pública, veio preencher uma importante lacuna do sistema do processo civil, que, ressalvado o âmbito da ação popular, só dispunha, até então, de meios para tutelar direitos subjetivos individuais. Mais que disciplinar um novo procedimento qualquer, a nova Lei veio inaugurar um autêntico sub-sistema de processo, voltado para a tutela de uma também original espécie de direito material: a dos direitos transindividuais, caracterizados por se situarem em domínio jurídico, não de uma pessoa ou de pessoas determinadas, mas sim de uma coletividade (ZAVASKI, 2005, p. 23).

117 Os interesses individuais homogêneos, por sua vez, conforme descrição legal colacionada em linhas anteriores, são aqueles interesses que possuem a mesma origem, a mesma causa, ou seja, decorrem de situação idêntica, muito embora sejam individuais. Alvim (2016) assim nos esclarece:

Assim, os direitos individuais homogêneos têm caráter predominantemente individualizado, são perfeitamente divisíveis entre os titulares, há ordenamento da relação de titularidade com o bem da vida violado ou disputado, e este também, por sua vez, é perfeitamente distribuído e individualizado entre os titulares que, no entanto, podem postular a proteção jurisdicional coletivamente, em face da origem comum do direito afirmado11. Ou, por outras palavras, conquanto se tratem de direitos individuais, e, pois, fruíveis individualmente, podem ser tratados de forma coletiva, porque a lei ¾ Código de Defesa do Consumidor ¾ assim o permite. Ao estudar sobre o tema Gerent (2016) expõe que o dano ambiental classificado como individual homogêneo “trata-se do dano ambiental particular ou dano por intermédio do meio ambiente ou dano em ricochete, enquadrando-se naquela classificação por razões processuais, aplicando-se as regras do CDC e da LACP. Assim, diz a autora, o “ dano ambiental individual ou “por intermédio do meio ambiente” pode subordinar-se às regras clássicas do direito civil e administrativo ou às regras do microssistema legal ambiental, dependendo da possibilidade ou não de identificação prévia das vítimas ou, ainda, da viabilidade ou não de formarem litisconsórcio facultativo”. Ao fazer uso das lições de Mirra, Gerent (2016) escreve que “O dano por intermédio do meio ambiente é o prejuízo causado às pessoas e aos seus bens que tem em alguns dos componentes da natureza (a água, o ar, o solo) o elemento condutor”:

Afirma-se que o dano por intermédio do meio ambiente é um “dano reflexo” ou “dano em ricochete” exatamente porque decorre da agressão ao meio ambiente natural e não de um resultado danoso a outro sujeito de direito. Neste sentido, a relação jurídica forma-se entre aquele que causou o dano por intermédio do meio ambiente e a vítima, particular ou pública. Tem-se decisão do Tribunal do Paraná impondo ao causador do dano ambiental individual “singular” a obrigação de repará-lo com base no direito de vizinhança, numa clarividência de que o meio ambiente natural imaterial, indiretamente, também é tutelado. “Direito de vizinhança – Uso nocivo da propriedade – Danos causados por poluição industrial – Ação de indenização cumulada com preceito cominatório – Admissibilidade – Pedidos que, em razão da natureza jurídica diversa, não se confundem – Inteligência do art.275, II, d e j. À luz do art.554 do CC, o proprietário ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam. Assim, comprovada a relação de causa e efeito entre a ação poluidora da funilaria e os estragos na pintura da casa, faz jus o vizinho ao ressarcimento das despesas efetuadas na pintura e, ainda, à fixação de um preceito cominatório, periodicamente incindível, caso a empresa não adote medidas capazes de paralisar a emissão dos poluentes. Um e outro pedido, em razão da natureza jurídica diversa, não se confundem”. Tratando-se de dano por intermédio do meio ambiente há que estar presentes três requisitos: dano, resultado e nexo causal. A vítima é o particular, pessoa física ou jurídica, que utiliza os recursos naturais para benefício pessoal, ou é proprietária, possuidora ou detentora de bens patrimoniais atingidos e, ainda, no caso de pessoas físicas quando são atingidas em sua integridade física e/ou moral por agressões ao meio ambiente. Enfim, “o dano

118 por intermédio do meio ambiente não é, absolutamente, um dano ecológico, mas pura e simplesmente um prejuízo causado a pessoas físicas e jurídicas, estas de direito privado ou público, nos seus patrimônios individuais, nos bens patrimoniais sujeitos à sua tutela ou, eventualmente, em sua esfera extrapatrimonial pessoal, por atividades poluidoras ou degradadoras da qualidade ambiental”. O dano por intermédio do meio ambiente é reflexo dos incômodos das relações de vizinhança, regulamentadas pelos Arts. 1277 a 1279 do CC. Tem-se dois direitos subjetivos privados em contraposição, o direito ao exercício regular de uma atividade potencialmente poluidora e o direito à saúde, à segurança, à integridade dos bens patrimoniais de um ou mais indivíduos. Nos casos de danos ambientais individuais homogêneos ou individuais “singulares”, a reparabilidade será pontual, uma vez que o interessado ou interessados receberão os valores das indenizações pecuniárias diretamente (GERENT, 2016).

Záquera (2015, p.270) nos informa que em virtude do fato de serem direitos homogêneos, a legislação dá guarida à proteção coletiva, isto é, tudo flui em um único instrumento jurídico, “nesses casos encontramos titulares determináveis, que compartilham prejuízos divisíveis, originários da mesma circunstância de fato”. Menciona a autora que os direitos individuais homogêneos, também chamados "direitos acidentalmente coletivos" se projetam em relação a uma pessoa ou em relação a um grupo de pessoas e sua defesa pode ser exercida pelo Ministério Público, com a ressalva de que em relação aos direitos individuais homogêneos a legitimidade do mencionado órgão é deveras controversa.

A questão ambiental possui feições muito particulares, sobretudo quando se trata de dano10. Vejamos algumas destas características trazidas por Rezende (2015, p.510-511):

a) Os danos são comumente difusos, ou seja, em circunstâncias normais, quando se verifica um dano ambiental hodiernamente toda a coletividade, de forma não identificável é vítima do degradador. Ressalte-se, contudo que podem ocorrer situações onde o dano é suportado por um conjunto de pessoas com liame entre si (dano coletivo) como uma-comunidade de moradores de determinado bairro de uma cidade. Não obstante, ainda é possível, ainda que excepcionalmente, que o dano ambiental tenha vítima certa e individualizada, como em uma situação que determinado cidadão sofreu uma perda no pomar de seu quintal causado por um fertilizante impróprio ao uso, impossibilitando a colheita;

b) O dano ambiental é normalmente indivisível, vale dizer, não se consegue identificar extreme de dúvida, a parcela de prejuízo sofrido por cada pessoa que o suportou;

c) Comumente o dano é irreversível, isto é, a reparação das áreas degradadas, voltando ao estado anterior, nem sempre se faz possível com as tecnologias que dispomos;

d) Possui caráter transfonteiriço na medida em que normalmente não é possível a identificação exata das regiões que sofreram a degradação. Exemplo comum é a poluição atmosférica, que, certamente, não causa danos a uma cidade restrita em razão das características das correntes de ventos;

10 Para Edis Milaré (2004, p.421) o dano ambiental “é a lesão aos recursos ambientais, com consequente degradação - alteração adversa ou in pejus - do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida”.

119 e) Tem efeitos cumulativos, uma vez que os efeitos da degradação não são estanques, pelo contrário, a os danos suportados pelo meio ambiente são somados aos que outrora foram gerados, propiciando um acúmulo de degradação contínuo; f) Dificuldade de se estabelecer um nexo causal. Este, certamente, é uma das maiores dificuldades para se imputar a responsabilidade civil ambiental. O liame causa-efeito, isto é, a necessidade que a vítima do dano tem de demonstrar que o prejuízo sofrido foi decorrente da ação ou omissão do suposto ofensor é imprescindível para a imputação de responsabilidade. Quando falamos de dano ambiental, tal prova muitas vezes é de impossível demonstração. Podemos exemplificar com o caso da poluição atmosférica de determinada cidade industrial onde inúmeras empresas eliminam de suas chaminés gases maléficos. Nessa situação, dificilmente se conseguirá demonstrar com exatidão qual a indústria que causou a poluição geradora de danos à saúde dos citadinos.

As características acima demonstradas evidenciam que o Dano Ambiental merece tratamento diverso, ao passo que o bem a ser protegido, uma vez deteriorado, repercute, direta ou indiretamente, na vida de todos e, em muitos dos casos a sua restituição é deveras difícil, quando não impossível.