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A Perspectiva Histórica em Granville Stanley Hall

3. OS SIGNIFICADOS DA ADOLESCÊNCIA:APORTES TEÓRICOS

3.2 A Perspectiva Histórica em Granville Stanley Hall

Granville Stanley Hall (1844-1924) foi um psicólogo americano que promoveu a inserção da psicanálise nos Estados Unidos e, pela sua intensa atuação, fundou, em 1887, o American Journal of Psychology, uma importante publicação para a valorização e reconhecimento dos trabalhos no campo da psicologia nos Estados Unidos.

Hall é considerado o criador da psicologia da criança nos Estados Unidos, onde foi pioneiro em adentrar em estudos psicológicos nos territórios da adolescência. E, também, foi o primeiro americano a ter o grau de doutor (PhD) em psicologia em seu país. Suas empreitadas o tornaram pioneiro nesse campo de investigação. Colocado em xeque por muitos especialistas, no entanto, atrevemo-nos a elegê-lo como propulsor teórico de extrema importância para os estudos da adolescência.

Sua formação e atuação são consideradas intensas: estagiou com o famoso psicólogo Wilhelm Wundt17, em Leipzig Alemanha. Em 1883, ao retornar aos Estados Unidos, foi professor na Universidade Johns Hopkins, onde, inspirado por Wundt, organizou o laboratório de psicologia com vistas ao trabalho experimental em 1889, foi o primeiro presidente da Clark University, fundada em Worcester, Massachusetts.

Na década seguinte, em 1892, encabeçou a fundação da American Psychological

Association, tornando-se, rapidamente notório ao debruçar-se nos estudos que tinham

como foco o desenvolvimento da criança. A partir dessa incursão, passou a focar a inter- relação entre a psicologia e a educação, tornando-se um dos pioneiros da psicologia educacional infantil nos Estados Unidos.

Jon Savage, autor de A criação da juventude: como o conceito de teenage

revolucionou o século XX, formula sua teoria em torno da visibilidade da juventude

(evidenciando, aqui, a nomenclatura que vai determinar um recorte de mudanças de várias ordens em um período importante para o ser humano) que desponta no cenário americano após a Segunda Guerra e defende a contribuição de Hall para a ampliação do pensamento sociológico e psicológico em torno da adolescência.

O autor analisa que Hall constrói a visão de adolescência “como uma fase distinta

da vida sujeita a enormes quantidades de estresse e tensão — e que, portanto, devia ser tratada com especial cuidado e atenção” (SAVAGE, 2009. P. 13)

Uma das grandes vitórias de Hall foi a introdução da doutrina de Sigmund Freud nos Estados Unidos a partir de insistentes convites durante o ano de 1908. O convite foi atendido por Freud em 1909, que levou seus dois principais colaboradores, Jung e Firenczi. As palestras realizadas por Freud na Universidade Clark foram consistentes e provocaram entusiasmo na sociedade científica, abrindo possibilidades para novos trabalhos na área de investigação da psicologia clínica.

Sua obra principal, Adolescence: Its Psychology and Its Relation to Physiology,

Anthropology, Sociology, Sex, Crime, Religion, and Education ("Adolescência: sua

17

Wilhelm Maximilian Wundt (1832 - 1920) foi um médico alemão, psicólogo, fisiologista, e professor, hoje conhecido como um dos valores fundadores da moderna psicologia. A psicologia moderna o reconheceu como o pai da Psicologia Experimental. Em 1879, na Universidade de Leipzig, criou um dos primeiros laboratórios de pesquisa em psicologia. Ao criar este laboratório, buscou procedimentos para explorar a natureza das crenças religiosas, tratando, assim, identificar os transtornos mentais e de comportamento anormal, e mapear áreas danificadas do cérebro humano. Ao fazer isso foi capaz de estabelecer uma psicologia como ciência separando-a de outros tópicos. Ele também lançou a primeira revista de pesquisa psicológica, em 1881.

psicologia e relação com a fisiologia, antropologia, sociologia, sexo, crime, religião e educação"), foi publicada em 1904, em dois volumes.

Historicamente, Hall é considerado o primeiro psicólogo a buscar distinções específicas para a adolescência reconhecendo sua complexidade. Entretanto, a complexidade adolescente em Hall não está baseada na dimensão de ruptura ou tradição de seu posicionamento, mas, na maneira como descreve alguns aspectos fisiológico- biológicos (desenvolvimento sexual, crescimento ou doenças, por exemplo) e outros de cunho social (transgressão, imoralidade ou educação).

No campo psicológico, apresentou alguns arranjos inovadores para época e, ao mesmo tempo, conservadores. Influenciado pelas ideias de Darwin, estudou exaustivamente aspectos relacionados ao crescimento acelerado e às mudanças nos caracteres sexuais.

Suas observações, típicas de um biólogo, versavam acerca dos descompassos do crescimento entre adolescentes de zonas rurais e daqueles que nas escolas urbanas, frequentavam aulas de ginástica. O seu trabalho é taxativo ao evidenciar uma ruptura da infância com a adolescência. Hall considerava que:

Com a emergência da fase adolescente, quebra-se aquela antiga unidade e harmonia com a natureza, a criança, agora, é despejada de seu paraíso e deve entrar em uma longa escalada, precisando conquistar o reino superior do homem por si mesma (...) uma pessoa pode ser, em todos os aspectos, melhor ou pior, mas nunca a mesma. O nível anterior (a infância) é abandonado para sempre (HALL, 1904, vol. II, p. 71-72)

Criticados por modernos18, Hall evidenciava, por exemplo, que a masturbação masculina era advinda de impulsos sexuais adormecidos durante a infância e, no despertar da adolescência, adquirem características de algo que viria desequilibrar sua vida sexual, visto que após esse período — a adolescência — o jovem estaria “pronto

para a reprodução “(idem, p. 573).

Tendo a teoria da evolução exercido considerável influência sobre o pensamento de Hall acerca da adolescência, em seus estudos, há uma evidente preocupação com os aspectos físicos. Como um biólogo, Hall, descreveu uma série de experiências que

18 Douvan & Gold, por exemplo, em The Adolescent Experience (1966), inferem que embora Hall

tratasse de identificar aspectos importantes da adolescência como a sexualidade, o crescimento, a experiência do desenvolvimento moral, a performance educativa e a maturidade afetiva, entre outros, ele não conseguiu inserir reflexões acerca da influência da interação desses aspectos na formação geral do adolescente.

evidencia sua preocupação em descrever as transformações do corpo com o início da adolescência.

Em Hall, as dimensões social e moral são determinantes para a construção da identidade. Isso porque, para ele, as transformações advindas com o crescimento — físico e intelectual — permitem ao adolescente pensar e agir como adulto. A condição de identidade é a do pertencimento, a identificação coletiva.

A dimensão social é vista a partir do significado das relações construídas e compartilhadas no grupo. Para ele “Com a adolescência, por volta dos doze anos (ou

pouco mais), surge o reconhecimento da perspectiva ampliadora da vida, vida essa que será compartilhada com os outros e, nessa nova vida, o reconhecimento da necessidade de manter o código social estabelecido para o bem estar comum. (HALL, idem, p. 394)

Ainda, dentro dos aspectos físicos, Hall aborda a sexualidade, em seu afloramento, como o período do despertar da libido que, segundo ele, estava latente durante a infância. Em Hall, a natureza, ao propiciar esse afloramento, anuncia que o adolescente está pronto para a reprodução e sua vida muda completamente.

Essa maturidade sexual é anúncio da inserção no mundo adulto. Essa latência que eclode com a adolescência é chamada de “recapitulação”, princípio evolutivo baseado na redescoberta de um estágio da vida humana (no sentido de características biológicas) anterior ao que o sujeito está vivendo.

A adolescência, em Hall, é um recorte vital no complexo processo evolutivo do homem conquanto permita a passagem de um estado primitivo, a infância, para um civilizado, a fase adulta. O adolescente sairia de um processo de neutralidade e sentir-se- ia capaz de mudar, transformar seu entorno em consequência de sua percepção de individualidade, mediada, sempre, pela sua consciência de sexualidade. A partir desse recorte, Hall infere que:

A crescente individualidade da adolescência se desenvolve no interesse da espécie em função do sexo, em si, originalmente surge e para servir à arte, ciência e religião que nascera junto às instituições que os poderes adquiridos desta idade (a adolescência) em diante criaram. (HALL, 1904, vol. I, p. 44)

Embora a teoria de Hall pressuponha a visibilidade maior de aspectos biológicos e fisiológicos em detrimento aos de ordem cognitiva, por exemplo, ele pôde descrever que a adolescência deve ser compreendida como uma etapa em que se integram diversos aspectos fundantes da construção da personalidade.

Ao mergulhar nos sentidos que emergem da necessidade de entendermos a individualidade como um pressuposto para inserção social, o adolescente, na concepção de Hall, estaria pronto para dar sentidos individuais (pelas escolhas próprias) ao seu destino

Autores contemporâneos, ao categorizarem a teoria Hall como ultrapassada, reconhecem, entretanto, que ao caracterizar a adolescência como um período de complexidade (chamado por Hall de tempestade e tormenta), sua visão corresponde, ainda, à visão de nosso tempo. Isso porque, no decorrer de uma construção histórica irregular, marcada pela oscilação violenta de olhares, a adolescência é concebida como uma espécie de anomalia, um período marcado — exclusivamente — pela rebeldia, rejeição, irritabilidade e desconforto emocional, senão desequilíbrio.