• Nenhum resultado encontrado

2. ENSINO-APRENDIZAGEM DAS ARTES NO ENSINO MÉDIO

2.2 As Contribuições de Ana Mae Barbosa

Próprio do ser humano, o descontentamento faz parte de um processo que pode — ou não — gerar mudanças ou, ainda, permitir a estagnação. Algumas pessoas vislumbram uma realidade. Outras aceitam os acontecimentos. Outras se permitem e se entregam às mudanças, aos desafios.

Nesse sentido, destacamos aqui as contribuições da professora Ana Mae Barbosa para a arte-educação brasileira: carioca, foi criada em Pernambuco desde menina, graduou-se em Direito e, logo após a formatura, abandonou a carreira.

Pelo seu intenso trabalho de pesquisadora e atuante professora, tornou-se a principal referência no Brasil para o ensino-aprendizagem da Arte em escolas e é referência internacional pela inovação de sua ideias. Foi a primeira brasileira a empenhar-se em um doutorado em Arte-Educação, defendido em 1977, na Universidade de Boston, Estados Unidos

Esteve à frente, como diretora, do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) e foi presidente do International Society of

Education through Art (InSea). É, também, professora visitante da The Ohio State University, nos EUA.

No início da década de 1990, o trabalho que estava sendo desenvolvido no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP), desde 1987, pôde trazer uma série de contribuições para o ensino-aprendizagem da arte.

Ao propor, a partir da Abordagem Triangular, uma empreitada sistematizada no envolvimento, na seriedade e no compromisso de sensibilizar os envolvidos — principalmente professores e alunos — da necessidade de conscientizarem-se para a complexidade acerca da presença da arte na educação, Ana Mae contribui para a visibilidade da arte como um processo pertencente à condição humana de ser, fazer e saber ver.

A Abordagem Triangular compreende uma dupla triangulação, como expressa no livro Tópicos Utópicos: a primeira é oriunda de um caráter epistemológico, pois indica, a partir da criação (o fazer artístico), da leitura da obra de arte e sua efetiva contextualização, possibilidades de um ensino-aprendizagem consistente.

A segunda referência à triangulação origina-se da influência de outras três abordagens estudadas pela autora, a saber: as Escuelas al Aire Libre mexicanas, o

Critical Studies em inglês e o Movimento de Apreciação Estética aliado ao DBAE

(Discipline Based Art Education) que, a partir do trabalho desenvolvido no MAC/USP, originaram-se em uma proposta consistente e que passou a dialogar com a realidade daquele contexto (BARBOSA, 1998).

Evidenciamos a profundidade epistemológica do trabalho de Ana Mae Barbosa visto que as bases de sua organização apontam para as possibilidades de (re) construção metodológica a partir do reconhecimento de imbricações que o ensino- aprendizagem da arte é passível.

Ao ser sistematizada, inicialmente, no MAC/USP entre 1987 e 1993, a partir da leitura de obras originais do acervo do museu, a Abordagem Triangular possibilitou o entendimento advindo da inter-relação da obra em seu contexto de preservação/permanência/visibilidade e o contexto dos alunos, professores e guardas do museu que tiveram a oportunidade de fruição potencializada.

Essa fruição permite o deslocamento metafórico pois, acostumados a ver apenas reproduções das obras, nesta nova possibilidade de fruir a materialidade da obra, percebe-se que existe uma consistência que escapa na reprodução: o suporte, a técnica, os materiais, agora, desafiam nosso modos de ver. Uma escultura, por exemplo, exposta no centro de uma sala, permite, além de se ver a obra em toda sua possibilidade tridimensional, senti-la como provida de marcas, de identidade, de pertencimento — do autor, do espaço que a comporta e, temporariamente, de quem a frui.

Na dimensão da humanidade da Abordagem Triangular, existem consideráveis acertos que nos apontam para a possibilidade — concreta — da democratização da obra de arte. Essa democratização, por sua vez, transcende a mera questão de ter acesso á obra, mas supõe a emergência de consolidar informações acerca dos variados contextos dessas produções, favorecendo, e muito, outra etapa importante para uma nova realidade no pensar arte na educação: o fazer.

Assim, ver, contextualizar e fazer desdobram-se no lócus em questão — a escola — e arquiteta outra triangulação onde os sujeitos-autores (alunos), os professores e o

ambiente escolar (material e simbólico) engendram atitudes como saber ver, saber fazer e saber conhecer arte.

Tida como uma nova frente para a Arte-Educação, esta proposta foi adotada, a título de experimentação — de 1989 a 1992 — em escolas da rede municipal de São Paulo, naquele caso, a partir da análise de reproduções ou, ainda, de visitas feitas aos museus.

Consideramos que a riqueza da Abordagem Triangular perpassa pelas possibilidades de construção de uma metodologia por parte dos professores que passaram a considerá-la, mostrando-se, a nosso ver, adequada ao ensino-aprendizagem das Artes Visuais nessa contemporaneidade — decididamente marcada pelas inovações tecnológicas. Isto porque se faz necessário valer-se de vários conceitos para compreender a produção, veiculação, fruição e novas possibilidades como fazer e como saber fazer, por exemplo, nesse contexto.

Assim, a dimensão e implicações que a arte engendra a partir da contextualização colocam em xeque o seu caráter disciplinar apontando, logo, para uma dimensão calcada em novos valores que transcendam aspectos históricos, sociais, culturais, filosóficos, técnicos ou tecnológicos e que corroboram para a percepção de como as produções imagéticas estão presentes na (re) construção de novos repertórios dos alunos do Ensino Médio.

No caso específico das Artes Visuais é importante destacarmos a potencialidade de sentidos que a imagem representa e, dentro de atitudes e procedimentos que valorizem o ensino-aprendizagem que resgate a sensibilidade, a Abordagem Triangular revela-se como essencial para a compreensão dos porquês de o homem — desde os tempos mais remotos — (re) criar imagens.

É necessário, evidenciar, ainda, que não basta, simplesmente, apreciar as imagens criadas e consagradas nos diversos períodos históricos ou cronológicos. Mais que isso: é necessário compreendê-las em seus contextos, fazer analogias, instigar a contradição e trazê-las para nossa contemporaneidade como testemunho da capacidade de o homem, sempre, valer-se da criatividade, da imaginação, da sensibilidade e da habilidade, transformando ideias, sonhos, decepções, medos e crenças em registros que, muitas vezes, escapam à mera interpretação ou julgamento.

A partir da Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa, podemos refletir acerca do professor e seu envolvimento e identificação com o meio. Assim, o “pensar artístico” poderá configurar-se como um campo amplo onde os vários aspectos (culturais, sociais, históricos e filosóficos, por exemplo) ora se encontram, ora se distanciam. Ainda, ao

considerarmos a experiência com os materiais, as técnicas, as linguagens e a apreciação estética, podemos repensar o espaço da arte como terreno fértil para novas atitudes de valorização da própria Educação, que participa de uma dinâmica permanente.

Tal valorização terá ganhos consideráveis se pensarmos a Abordagem Triangular em toda sua dimensão, porque é “...construtivista, interacionista, dialogal, multiculturalista

e é pós-moderna por tudo isso e por articular arte com expressão e como cultura na sala de aula ...” (BARBOSA, 1998, p. 41).

Desse modo, evidencia-se a importância da atualização do arte-educador no sentido de fazer valer a dimensão não apenas da interdisciplinaridade, mas do diálogo.

Há que perceber, ainda, que contextualização não é apenas referência à cronologia histórica, mas à potencial consideração de outras dimensões, inclusive as que envolvam a diversidade e o multiculturalismo, por exemplo (BARBOSA, 1998, pp. 79- 125).

Rapidamente, ao analisarmos a presença da Arte na Educação brasileira, temos a impressão de que arte, Atividade Artística ou mesmo Expressão Artística sempre estiveram fora de nossa realidade.

Nos primórdios da Colonização, as formas artísticas estavam relacionadas às ações de catequese unindo teatro e música em formas de construir um modelo de representação voltada para o entendimento dos símbolos cristãos a serem assimilados pelos índios.

Há uma riqueza no período de definição do modelo colonial com a vinda de artífices, ourives, carpinteiros e alguns artistas que passaram a ensinar ofícios que dialogaria com a construção de uma identidade nacional. O ápice desse processo é o Barroco que reinventa o modelo europeu e insere nuanças da brasilidade: ao longo das cidades costeiras e adentrando o interior, o Barroco Brasileiro tem fusão de elementos religiosos e pagãos e um tempero que o dista do modelo europeu.

Com a chegada da Família Real, no inicio do século XIX, a modelagem em torno dos processos acadêmicos evidenciam o caráter de distinção da arte para alguns e por algusn. Ainda, nos próprios modelos de implantação de seu ensino, como no caso do modelo neoclássico vindo com a Missão Francesa, percebemos o privilégio de alguns grupos, no caso, as elites.

No entanto, Arte e Educação se completam pelo fato de mediarem conhecimento e cultura. Não como justa ou sobreposição, mas com a concomitância necessária à construção de um repertório.

Isso pode ajudar-nos a entender o porquê de a sensibilidade ser tão exigida dos homens e mulheres envolvidos com a Arte-Educação. Não é apenas o reproduzir, o cortar, o colar, o contornar ou o rabiscar. Há de saber analisar as transformações ocorridas em um determinado contexto frente ao uso de novos materiais, técnicas ou tecnologias.

Em A Redenção do Robô: meu encontro com a educação através da arte, Hebert Read analisa as relações entre Arte e Educação, fundamentando, filosoficamente, o percurso da Arte na Educação Ocidental. Em dado momento, aponta que:

a arte não deve ser tratada como uma coisa exterior a ser inserida no esquema geral da educação. Por outro lado, esta também não pode ser considerada incompleta sem a arte. Há um certo modo de vida que consideramos bom, e a atividade criativa a que chamamos arte é essencial nele. A educação nada mais é que uma iniciação a esse modo de vida, e acreditamos que essa educação é mais bem-sucedida através da prática artística que de qualquer outra forma. (READ, 1986, p. 21)

A atividade criativa — exercício/processo necessário — tal qual Read cita é um campo ideal para compreendermos as possibilidades que podem ser geradas com a Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa, permitindo-nos abordá-la como transtextual, dialógica e apropriada para facilitar o entendimento das correlações entre cultura visual e os novos meio de produzir e visualizar imagens em nossa contemporaneidade.

O refinamento das proposições da Professora Ana Mae Barbosa articula pressupostos que são norteadores para multidimensionalidade metodológica que urge para o entendimento do ensino-aprendizagem das Artes Visuais nesse início de século XXI. Novamente, faz-se necessário referenciar as contribuições de Artes Visuais: da

exposição à sala de aula, de 2006, pois as articulações propostas em parceria com as

professoras Rejane Galvão Coutinho e Heloisa Margarido Sales apontam para a fragilidade que entremeia aos olhares dispensados à produção de nossos alunos.