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Um estudo sobre o próprio local [de trabalho] é característico da pesquisa do doutorado profissional [...]. O conhecimento profissional se sobrepõe, mas é diferente do conhecimento científico [...] espera-se que o valor seja mais para uma prática profissional específica do que para a ciência. Os cientistas tentam descobrir o que é verdade de modo geral. Os profissionais tentam descobrir o que é verdade sobre [...] salas de aulas [...] (STAKE, 2011, p. 180, 23, 181, 27).

Stake (2011), na epígrafe, valoriza a prática profissional como fonte de produção de um conhecimento que nasce da realidade de um profissional que pretende compreender a própria realidade. O doutorado profissional, assim como o mestrado profissional, possibilita refletir sobre inquietações, problemas e resultados das ações dos profissionais da educação.

Apesar de a maioria dos autores atribuir a origem do termo pesquisa-ação aos estudos realizados por Kurt Lewin (IMBERNÓN, 2011), Imbernón (2011) e Tripp (2005) ressaltam que, para alguns investigadores educacionais, o conceito de pesquisa-ação se aproxima do conceito de “reflexão” utilizado, anteriormente, por Dewey (ROGERS apud TRIPP, 2005).

Aparentemente, essa aproximação se relaciona com o movimento contínuo e em espiral do pensamento reflexivo, o que é uma característica da investigação educacional e de outras modalidades de pesquisa. Portanto, como discute Tripp (2005), precisar a origem e as

características da pesquisa-ação não é uma tarefa simples, pois envolve identificar procedimentos e práticas que, muitas vezes, são compartilhadas por outros métodos de pesquisa.

Quanto à definição de “pesquisa-ação”, Tripp (2005, p. 445) afirma ser tarefa difícil, por se tratar, aparentemente, de um processo tão natural, mas que se apresenta, sob muitos aspectos, distinto. Além disso, o pesquisador destaca que a literatura reconhece diversos tipos de investigação-ação desenvolvidos em diferentes campos de aplicação, motivo pelo qual passou a ser descrita como “uma família de atividades” (GRUNDY; KEMMIS, 1982, apud TRIPP, 2005). Para Tripp (2005, p.445-446) investigação-ação é um termo genérico usado para qualquer processo cíclico para aprimorar a prática que oscile, sistematicamente, entre o agir no campo da prática e o investigar a respeito dela. A pesquisa-ação, na sua visão, é um dos tipos de investigação-ação. Assim, esse autor arrisca uma definição mais restrita: “pesquisa-ação é uma forma de investigação-ação que utiliza técnicas de pesquisa consagradas para informar a ação que se decide tomar para melhorar a prática” (p. 447). De maneira semelhante, Stake (2011) considera a pesquisa-ação um método especial, pois se trata de um estudo de uma ação que se deseja aprimorar, desenvolvido pelos responsáveis pela ação. Partindo das definições dos autores, portanto, é possível reconhecer que, quando o campo de aplicação da pesquisa-ação é a educação, ela pode operar como estratégia para o desenvolvimento de professores e pesquisadores, aos quais é facultado usar a pesquisa para melhorar sua prática.

Em relação à terminologia, Tripp (2005) se refere à “pesquisa-ação” como “uma versão da investigação-ação que atende claramente aos critérios da pesquisa acadêmica”, na qual se empregam técnicas para “informar o planejamento e a avaliação das melhoras obtidas” (p. 463). Segundo ele, embora a pesquisa-ação problematize situações do cotidiano e se desenvolva com rigor científico, ela apresenta características singulares que a aproximam e a diferenciam da prática reflexiva rotineira e da pesquisa científica tradicional voltada para formulação teórica. Isto quer dizer que a pesquisa-ação envolve a vivência no campo sem prescindir do olhar investigativo da ciência, ou seja, requer ação da prática e da pesquisa. Ao comparar a pesquisa-ação com a prática rotineira e com a pesquisa científica, Tripp (2005, p. 447) à caracteriza como uma prática inovadora, contínua, proativa estrategicamente, participativa, intervencionista, problematizadora, deliberada, documentada, baseada na compreensão e cujos resultados são disseminados entre os pares e no contexto da prática. Segundo a interpretação do autor, a prática rotineira que é habitual se torna inovadora após um trabalho reflexivo contínuo. Ela é participativa porque insere os que estão envolvidos, e é

colaborativa no seu modo de trabalhar. A problematização está relacionada à forma de analisar a situação a ser investigada, o que a torna mais contextualizada do que a pesquisa científica tradicional. A deliberação na pesquisa-ação ocorre a partir de um julgamento profissional, pois as escolhas e os procedimentos de pesquisas nascem da prática. Nesse sentido, produz-se uma nova compreensão da realidade.

A pesquisa-ação, portanto, possibilita um planejamento flexível que, segundo Tripp (2005) e Thiollent (2003, p. 47), desobriga o pesquisador a seguir um plano fixo e predeterminado, ou em suas palavras, “[...] uma série de fases rigidamente ordenadas. Há sempre um vaivém entre várias preocupações a serem adaptadas em função das circunstâncias e da dinâmica [do pesquisador em relação à] situação investigada.” Porém, considera-se a necessidade de um plano de ação em um modelo que sintetize, como orienta Tripp (2005), o processo investigativo em espiral. Esse formato básico está presente em vários tipos de investigação-ação: planejar, agir, descrever e avaliar.

Nesse movimento em espiral, o ciclo se inicia com a identificação de um problema, não somente pelo pesquisador, mas pelo grupo ou pelo pesquisador na mediação de um grupo. Planeja-se, então, como solucionar o problema, por meio de uma ação. Implementa-se o planejamento, monitorando-o e avaliando a sua eficácia. Essa dinâmica pode ser representada pelo esquema da figura 1:

Figura 1 – Representação em quatro fases do ciclo básico da investigação-ação

Fonte: Tripp (2005, p. 446).

O movimento das quatro fases do ciclo básico da investigação-ação, apresentadas por Tripp (2005), envolve o ato de refletir sobre a ação para planejar uma nova ação. Esse

movimento conduz a um processo avaliativo que, por sua vez, gera a conscientização – elemento fundamental para uma investigação educacional segundo o método da pesquisa- ação.

Conforme Thiollent (2003), a pesquisa-ação demonstra ser uma eficiente orientação metodológica no contexto educacional, à medida que “[...] assegura aos pesquisadores em educação condições para produzir informações e conhecimentos de uso mais efetivo [e] transformações mais abrangentes” (p. 75). Poderosa ferramenta de formação, a pesquisa-ação é um método que, conforme Imbernón (2011), possibilita refletir sobre o que se faz e, dessa forma, conhecer mais intensamente a própria prática. Na mesma linha de pensamento, Tripp (2005) a considera ferramenta aceleradora do modo habitual de aprender com a experiência; todos nós aprendemos com a experiência, de forma natural, mas a pesquisa-ação é um modo de sistematizar esse fazer no grupo de forma colaborativa e participativa. Nas palavras do autor:

[...] todos nós planejamos nossas ações, mas podemos fazê-lo mais deliberadamente, imaginativamente, e com uma compreensão melhor da situação;

[...] todos nós agimos, mas podemos experimentar mais, confiar menos em hábitos estabelecidos, e agir mais responsavelmente;

[...] todos nós observamos o que acontece, mas podemos obter mais dados e de melhor qualidade, podemos obter mais feedback de outras pessoas diferentes, e podemos fazer isso de maneira mais sistemática;

[...] todos nós pensamos sobre o que aconteceu, mas também podemos melhorar nossa reflexão, questionar nossas ideias sobre o que é importante e ir mais fundo e mais criticamente nas coisas;

[...] todos nós aprendemos com a experiência, mas podemos também registrar o que aprendemos a fim de esclarecê-lo, disseminá-lo entre os colegas e acrescentá-lo ao estoque de conhecimento profissional sobre a docência. (TRIPP, 1996 apud TRIPP, 2005, p. 462).

Conforme afirma Tripp, na prática rotineira, todos nós planejamos nossas ações, agimos, observamos, pensamos e aprendemos com a experiência, no entanto, a pesquisa-ação pode melhorar a experiência aprendida de forma natural por meio da sistematização e procedimentos científicos.

No contexto da pesquisa-ação, é importante, ainda, delimitar o papel do pesquisador e dos sujeitos envolvidos no processo. Em relação à participação dos professores no curso, eu os percebo como cooperadores desta pesquisa. A cooperação ocorre quando “a pessoa que coopera trabalha como parceiro sob muitos aspectos (uma vez que é regularmente consultado), mas num projeto que sempre ‘pertence’ ao pesquisador” (TRIPP, 2005, p. 454). Dessa forma, reconheço-me como uma pesquisadora que se identifica como observadora participante e mediadora da aprendizagem. Além de sujeitos desta pesquisa, os

professores/cursistas cooperam com as suas ações, narrativas, opiniões e reflexões. Estes são elementos fundamentais para avaliar, orientar ou decidir “que rumo tomar” no processo de reflexão sobre o curso VM. Assim, pesquisadora e professores/cursistas são parceiros no processo de compreensão das ações formativas do curso. Esse processo me remete a Thiollent (2003, p. 16), pois, para o autor, o próprio processo de aprendizagem que ocorre na prática estimula a produção de conhecimento e a conscientização sobre as ações realizadas. Nesse sentido, o autor reitera que “[...] o objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo menos, em esclarecer os problemas da situação observada”, fato que denota aumentar o conhecimento ou a conscientização dos envolvidos. A conscientização induz à avaliação.

Avaliar, para Stake (2011), significa buscar qualidade. A avaliação expressa a tomada de consciência para transformar as ações, o que possibilita considerar que não há conscientização sem o ato ação-reflexão. Nesse sentido, Freire (1980, p. 26) alega que, “quanto mais conscientização, mais se ‘desvela’ a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo”. Dessa forma, a pesquisa-ação remete a uma autoavaliação que possibilita, segundo Imbernón (2011), revelar qual é realmente a situação do professor e qual deveria ser. Enfim, “só descobrimos a natureza de algumas coisas quando tentamos mudá-las” (TRIPP, 2005, p. 450), ainda que, como diz Thiollent (2003), essas transformações não sejam as que desejaríamos que fossem.

Essas considerações, atreladas aos objetivos da presente pesquisa, reiteram a pertinência da pesquisa-ação como método de investigação e reflexão sobre minha prática de formação de professores, uma vez que o curso em questão, objeto desta pesquisa, ocorre desde 2011, com propostas e objetivos que se renovam e se reconstroem constantemente, em virtude das contribuições da experiência e da diversidade de seus participantes.