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6.1 O CURSO EM AÇÃO: A EXPERIÊNCIA DIRETA COM A MÚSICA

6.1.3 Sonoplastia: ferramenta musical transformadora

A temática Sonoplastia, ao mesmo tempo que desperta para um pensar crítico e criativo, convida à inovação didática. Porém, ao versar sobre professores com diversas especificidades que utilizam a música em seu contexto educacional, é necessário traçar um desenho metodológico considerando possibilidades e limites de atuação e os desafios propostos pelo tema.

Diferentemente do trabalho com a temática Voz, que visa aprimorar a voz para melhorar a atuação performática do professor, a sonoplastia proporciona uma abordagem ampla para a atuação pedagógico-musical desse professor. A exploração e classificação dos sons de fontes sonoras diversas, inclusive do som ambiental, e a construção de instrumentos foram ferramentas e recursos indispensáveis para esse trabalho, o qual se utilizou, ainda, das seguintes atividades/recursos: 1) apreciação – de filmes, vídeos e músicas; 2) reflexão teórico- prática; 3) criação.

A apreciação, análise e discussão do filme Vermelho como o Céu39 (BORTONE; MAZZOCCA, 2006) introduziu o tema. Os professores, que assistiram ao filme em casa, como atividade de horas indiretas, foram atingidos emocionalmente. A professora Marcela postou no WhatsApp a seguinte mensagem:

[...] belo filme italiano. Arrepiei na apresentação final! Chorei... Ai gente! Como o ser humano é lindo e capaz em toda a sua singularidade e diversidade! Que bom que existe a arte. (MARCELA).

A mensagem da professora Marcela estimulou os demais professores a apreciarem o filme. As demais atividades com a temática também atingiram alguns professores profissionalmente, como destaca a professora Kaká:

Esse curso me despertou pra tanta coisa. Pra tantos outros projetos que nunca tinha pensado em realizar. Por exemplo a Sonoplastia. Pesquisarei mais durante as férias

39 Trata-se de uma história verídica sobre um produtor de filmes italianos que, quando criança, sofre um acidente e perde a visão: o seu mundo passa a ser o mundo sonoro; assim, desperta sua musicalidade por meio da exploração dos sons.

pois vou montar uma turminha na APAE pra trabalhar os sons diversos dentro do teatro, da contação de histórias, dentro de desenhos, filmes, novelas, dentro da própria música.

Ainda como parte dessa temática, um saco de objetos sonoros foi formado para o reconhecimento dos sons produzidos, e atividades de percepção e escuta atenta foram desenvolvidas. Uma apostila confeccionada por mim, com fotos, instruções, e referência ao link “Violão Tambor” (VASCONCELOS, 2014), sobre construção de instrumentos, foi encaminhada ao grupo – foram construídos idiofones, membranofones e aerofones, como mostra o apêndice I.

A reflexão teórica sobre sonoplastia se baseou na proposta pedagógica de R. Murray Schafer (1991), educador musical canadense que introduziu à área as terminologias “limpeza dos ouvidos” e “paisagem sonora”. Estas ajudaram a contextualizar e a construir ideias para a realização de um trabalho transformador com o tema proposto.

Na segunda etapa do projeto, iniciou-se o manuseio dos objetos e instrumentos confeccionados pelos educadores, tanto em execuções musicais quanto em sonorizações de histórias. Novos vídeos foram apreciados, uns em aula, outros em casa (PATUBATÊ, 2009; STOMP, 2007; UAKTI, 2011; PASCOAL, 2006). Da apreciação passamos para a “limpeza dos ouvidos”40, temática associada aos “Jogos para a estimulação da inteligência musical” (ANTUNES, 2013). O texto “Sonorizando histórias e discutindo a educação musical na formação e nas práticas de pedagogas” (WERLE, 2011) foi proposto para reflexão. Novas apreciações (CUADROS SONOROS, 2011; BEDRAN, 2014; MURK, 2013; FOLEY, 2013) possibilitaram introduzir as paisagens sonoras.

Segundo Akoschky (1988) e Schafer (2001), a produção musical do século XX e as diferentes correntes de exploração sonora ampliaram a riqueza e a diversidade dos recursos musicais e seus valores estéticos. Essa nova estética, na visão de Akoschky (1988), obrigou o educador musical a “olhar para trás” e rever suas estratégias pedagógicas e seus recursos didáticos para incorporar a “nova música” em sua prática docente. Nesse sentido, o trabalho com exploração e percepção de acontecimentos do cotidiano – como, passos, uma porta que se fecha, um grito – deveria receber mais ênfase pelos educadores musicais, pois eles ampliam os canais de percepção humana. Esse caminho metodológico repleto de novas possibilidades para a produção musical abre, na concepção de Schafer (2001), um espaço relevante para o trabalho com a sonoplastia.

40 Terminologia usada por Schafer (1991, p. 67-118) visando levar seus alunos a notarem sons até então despercebidos por eles.

A última etapa do projeto não foi desenvolvida como planejada, devido à greve de categoria dos professores. A intenção era a de que os professores vivenciassem, em grupo, algumas propostas e realizassem a performance em tempo real. As propostas compreendiam 1) narrar e sonorizar uma história; 2) sonorizar um evento para ser apreciado, desvendado e representado pelos outros grupos; 3) criar e apresentar uma rádio novela; 4) sonorizar um filme mudo; 5) executar três sonorizações para que os ouvintes descobrissem onde se passavam as ações; 6) pesquisar sons tecnológicos e apresentá-los ao restante do grupo em forma de jogo; 7) gravar uma sequência de sons ambientes a fim de criar uma máquina sonora utilizando o corpo.

Ora, foi possível vivenciar apenas duas propostas: narrar e sonorizar uma história, e sonorizar o filme Silly Symphonies – The Skeleton Dance (2015). No entanto, todas as atividades propostas foram inseridas na apostila cuja temática correspondia à sonoplastia.

A repercussão do desenvolvimento da temática sonoplastia envolveu os professores e os despertou para trabalhar com o tema:

[...] fiquei tão tocada que ano que vem quero fazer alguns curta-metragens ou pequenas cenas com sonoplastia feita pelos próprios alunos, explorar os sons e a possibilidade de explorar e produzir estes sons. (ALESSANDRA).

As mídias utilizadas no curso são ferramentas indispensáveis para a aprendizagem devido ao material disponível para consulta, para apreciação e para familiarização com o tema.

O projeto exploratório com sons permitiu, ainda, que os professores conhecessem o universo da música contemporânea de concerto. Os resultados e as reflexões advindas dessa vivência possibilitam constatar mudanças de postura e da concepção do professor em relação à inserção da música nas suas atividades docentes cotidianas. As reflexões advindas das intervenções dos professores agregaram novas experiências e saberes que instigaram refletir sobre o curso e sobre as reformulações para os próximos cursos. O projeto mobilizou conhecimentos de diferentes áreas, abrangendo a compreensão do conceito de “sonoplastia”; filmes, vídeos de grupos instrumentais que utilizam instrumentos produzidos com materiais alternativos; atividades práticas com histórias sonorizadas; pesquisa sonora; confecção de objetos sonoros e instrumentos; gravação por meio de celulares; socialização de novas descobertas por meio do WhatsApp; criação, expressão e reflexão por meio dos produtos musicais elaborados.

Esse tema implicou novas reflexões sobre a riqueza expressiva dos registros alternativos dos sons. Registrar objetos sonoros, sons eletrônicos, sons de máquinas, do meio ambiente, do corpo e do cotidiano prepara para sonorizar, também, quadros de Miró e Kandinsky, integrando a música às artes visuais. Ampliar as formas de registro da música possibilita que o aluno observe a relação entre som e imagem e busque outras soluções para organizar ideias musicais.

O registro gráfico da paisagem sonora complementou o projeto de sonoplastia e trouxe novos recursos pedagógico-musicais para os professores em formação. Por “registro gráfico dos sons”, entendem-se pontos, bolas pequenas e grandes, linhas retas, ascendentes e descendentes, contornos, zigue-zagues. Esse tipo de notação vai ao encontro do pensamento de Schafer (1991, p. 311) sobre a notação musical: “[...] uma tarefa especial dos educadores musicais deveria ser a de inventar uma nova ou mais notações, [...] para que assim a maldição dos exercícios de caligrafia nunca mais volte a tirar o prazer da criação musical viva.”

Compreendo que tanto a temática Sonoplastia quanto o registro sonoro derivado dessa temática contemplam atividades musicais possíveis de serem levadas à Educação Básica pelos professores/cursistas. As suas experiências diretas com essas atividades musicais possibilita que adquiram um conhecimento musical e que pensem como levá-lo aos seus alunos, recriando e adaptando tais atividades.