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Profissão impossível, dizia Freud a respeito da educação; certo, mas ensinar é também a mais bela profissão do mundo: todos aqueles e aquelas que a exerceram o pode confirmar. (TARDIF; LESSARD, 2013, p. 151).

A epígrafe identifica a profissão docente como uma missão impossível e, ao mesmo tempo, faz alusão a uma trajetória de beleza, realização e possibilidades para aqueles que exercem a atividade educacional com compromisso e responsabilidade. A visão a respeito da impossibilidade da profissão docente pode estar relacionada, como aponta Azevedo (2007, p. 31), à complexidade da formação, que envolve

[...] uma ação contínua e duas dimensões: interna e externa. A dimensão interna corresponde ao processo individual de desenvolvimento das experiências e conhecimentos pessoais, e a dimensão externa ao processo sócio cultural de assimilação de conhecimentos, por meio de aprendizagem teórica e prática no cotidiano e na socialização.

Conforme a visão de Azevedo (2007), o conceito de “formação” é suscetível de múltiplas perspectivas. Envolve um conjunto de aprendizagens que vêm da prática, do desenvolvimento teórico, dos estudos sobre o ensino e a educação, do conhecimento sobre o aluno e, também, da interação com os pares que acontece em várias dimensões, algumas mais próximas do que outras, mas sempre envolvidas em uma grande rede de sociabilidade. Além disso, a dimensão interna, contida na citação da autora, funciona como estímulo à formação e vai ao encontro do que Ferry (1991), mencionado por Garcia (1999, p. 19), compreende sobre a formação; para o autor, a formação está associada ao conceito de “desenvolvimento pessoal”: “formar-se nada mais é senão um trabalho sobre si mesmo, livremente imaginado, desejado e procurado, realizado através de meios que são oferecidos ou que o próprio procura”.

No entanto, Garcia (1999, p. 19) acredita que o componente pessoal, na formação, não ocorre unicamente de forma autônoma. Tal reflexão o leva a mencionar Debesse (1982) para versar sobre os três tipos de formação: a autoformação, a heteroformação e a interformação. Portanto, o indivíduo que participa de uma formação de forma independente, na qual tem o controle sobre os seus objetivos, processos, instrumentos e resultados, se encontra em um

processo de autoformação. Por outro lado, quando a formação “se organiza e desenvolve ‘a partir de fora’, por especialistas, sem que seja comprometida a personalidade do sujeito que participa”, ocorre a heteroformação (GARCIA, 1999, p. 19). Por fim, a interformação se refere à formação que ocorre entre os futuros professores ou entre os próprios professores que se encontram em uma ação educativa de atualização de conhecimentos. Como destaca Garcia (1999, p. 20), esta última formação está relacionada ao conceito de Bildung, que “significa tanto formação como configuração da educação de um sujeito autoconsciente”. Esta não visa à construção técnica, é encontrada na reflexão do educador e transcende a ideia de cultivar talentos, ou seja, é uma formação que defende o princípio de que sujeitos adultos, possuidores de competências e qualidades, devem contribuir para o processo da sua própria formação.

Tal ideia possibilita apresentar o conceito de “formação” difundido por Lhotelier, citado por Garcia (1999, p. 20): “a capacidade de transformar em experiência significativa os acontecimentos que geralmente ocorrem no quotidiano, tendo como horizonte um projecto pessoal e colectivo”. De acordo com esse pensamento, toda ação de formação visa mudanças, que podem ser efetivadas “através de uma intervenção na qual há participação consciente do formando e uma vontade clara do formando e do formador de atingir os objetivos explícitos” (p. 21). Nesse sentido, a boa relação entre formando e formador promove contextos de aprendizagem que desenvolvem tanto os indivíduos que formam, quanto os que se formam. Na perspectiva de Garcia (1999, p. 22), portanto,

[...] é o indivíduo, a pessoa, o responsável último pela activação e desenvolvimento de processos formativos. Isto não quer dizer, [...] que a formação seja necessariamente autónoma. É através da interformação que os sujeitos – neste caso os professores – podem encontrar contextos de aprendizagem que favoreçam a procura de metas de aperfeiçoamento pessoal e profissional.

Percebe-se, nas palavras do autor, que as competências que os adultos/professores carregam consigo contribuem para o processo da sua própria formação, e acrescentam-se a isso a capacidade e a vontade de formação. Formar-se como professor envolve, portanto, um corpus de competências que abrangem o desenvolvimento de um estilo próprio e consciente de ensino, um contexto específico de aprendizagem e de trabalho, a colaboração com outros professores, a socialização entre os pares e o desenvolvimento contínuo de habilidades que visem à aprendizagem dos alunos.

As diversas formas de se adquirir experiências, conhecimento e competência profissional na docência conduzem à definição de “formação de professores” defendida por Garcia (1999, p. 26):

[...] a área de conhecimentos, investigação e de propostas teóricas e práticas que [...] estuda os processos através dos quais os professores - em formação ou em exercício - se implicam individualmente ou em equipa [sic], em experiências de aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com o objetivo [sic] de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem.

Conforme a interpretação do autor, a formação de professores procura investigar os processos pelos quais os professores aprendem e desenvolvem a sua competência profissional. Garcia (1999) acrescenta, ainda, duas situações que merecem destaque na formação de professores: ter como meta, na formação, o trabalho colaborativo; e avaliar a qualidade de formação na qual os professores se implicam por meio da qualidade de ensino que os seus alunos recebem.

A abrangência que envolve o processo de formação de professores é destacada por Sharoon Feiman (1983), citado por Garcia (1999, p. 25-26). O referido autor entende que o professor percorre algumas fases durante a sua formação: 1) fase de pré-treino, na qual prevalece a experiência adquirida como aluno – é a fase em que se pode desenvolver, nos futuros professores, crenças e teorias implícitas; 2) fase de formação inicial, cuja preparação ocorre em uma instituição especializada em formar professores; 3) fase de iniciação, que equivale aos primeiros anos de exercício profissional; 4) fase de formação permanente, na qual a formação continuada vem possibilitar o desenvolvimento profissional e o aperfeiçoamento do ensino.

Nessa perspectiva, o conceito de “formação de professores” aqui abordado fundamenta-se em sete princípios, conforme a compreensão de Garcia (1999, p. 27-30). O primeiro – formação contínua – compreende a formação inicial como a primeira fase de um longo processo de desenvolvimento profissional, o que implica forte interligação entre essa fase e a formação permanente.

O segundo princípio “consiste na necessidade de integrar a formação de professores em processos de mudança, inovação e desenvolvimento curricular” (p. 27). Nesse caso, a formação continuada, entendida pelo autor como estratégia para facilitar a melhoria do ensino, deve estar aliada a mudanças e novas aprendizagens na prática.

A relação com a escola é o terceiro princípio e remete à necessidade de “ligar os processos de formação de professores com o desenvolvimento organizacional da escola” (p. 28). Nessa perspectiva, Garcia (1999) reconhece os centros formativos como espaços que propiciam tanto a aprendizagem dos professores quanto a transformação da escola.

No quarto princípio, parte-se do pressuposto de que o conhecimento didático do conteúdo estrutura o pensamento pedagógico do professor, o que equivale a dizer que esse princípio visa à integração entre a formação de professores em relação aos conteúdos propriamente acadêmicos, disciplinares e a formação pedagógica dos professores.

A integração entre teoria e prática se refere ao quinto princípio, o qual reconhece o conhecimento teórico como fruto das experiências e vivências pessoais de cada professor. No entanto, o autor destaca que, para que a prática se estabeleça como fonte de conhecimento, deve-se acrescentar a ela “análise e reflexão na e sobre a própria acção” (p. 29).

O sexto princípio se refere ao isomorfismo, ou seja, valoriza a concordância entre a formação que o professor recebeu e o tipo de educação que será por ele desenvolvida posteriormente. Nesse sentido, dá-se importância ao “método através do qual o conteúdo é transmitido aos futuros ou actuais professores”, valorizando na formação “a congruência entre o conhecimento didático do conteúdo e o conhecimento pedagógico transmitido, e a forma como esse conhecimento se transmite” (p. 29).

Por último, o autor destaca, no sétimo princípio, a importância da individualização na formação. Nele, considera-se que o processo de aprender a ensinar não deve ser considerado homogêneo para todos os sujeitos, em razão de o desenvolvimento das capacidades estar vinculado a características pessoais, cognitivas e relacionais de cada professor. Diante disso, é fundamental que a formação responda às necessidades, interesses e expectativas individuais dos professores e se adapte ao contexto de trabalho, instigando-os a refletir e a participar.

Os princípios registrados “procuram integrar o professor com o contexto em que está inserido e não se restringem à reprodução de conhecimentos” (RODRIGUES, 2009, p. 54). Dessa maneira, a formação de professores envolve, “além da formação institucional, processos de aprendizagem e desenvolvimento de competências profissionais de acordo com interesses e necessidades dos professores, possibilitando aos próprios professores a gestão de sua formação” (RODRIGUES, 2009, p. 54).

Tais considerações possibilitam reconhecer o professor como um profissional do ensino cuja formação deve ocorrer de forma contínua. Essa ideia de continuidade e busca permanente por formação e desenvolvimento profissional implica a aprendizagem ao longo da vida, já discutida por Freire (2014), ao apresentar o conceito de “inacabamento do ser”: o homem, como ser inconcluso, necessita continuar aprendendo; isso gera um processo social de busca para tornar-se autônomo. Sendo assim, os professores em formação contínua, na dimensão pessoal e profissional, se reconhecem como seres inacabados em quem a

curiosidade “se torna fundante da produção do conhecimento” (FREIRE, 2014, p. 54). Nesse sentido, (re)formar-se continuamente qualifica tanto a educação quanto o docente.

3.2 A FORMAÇÃO CONTINUADA COMO ETAPA DO DESENVOLVIMENTO