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A Plenária Nacional de Saúde Últimos movimentos

No documento Construção do SUS (páginas 174-179)

O período FHC, na perspectiva do movimento pelo SUS e de sua instituciona- lização, poderia se caracterizar como um processo de avanços na institucionali- zação e na pressão e nova organização da participação, integrando-se instituído (conselhos) e instituinte (plenárias), onde se colocam, de forma plural, tanto os representantes do Estado como os da sociedade. As plenárias não se situam a partir da sociedade em relação a demandas ao Estado, mas como espaço de lutas e de propostas, de pressão e de encaminhamentos, de dúvidas e esclareci- mentos, onde o confl ito pode se expressar.

A Carta da Plenária Nacional de Saúde, realizada em Brasília, em 13 de se- tembro de 1995, salienta que “o direito à saúde consagrado na Constituição Fe-

deral de 1988, dentro do capítulo da Seguridade Social, bem como a sua forma institucional corporifi cada no Sistema Único de Saúde, estão sendo ameaçados de diferentes maneiras pelo governo”, considerando a falta de recursos e dete-

Esta situação decorre do não cumprimento, por parte dos governos ante- riores e atual de cláusulas legais relativas ao fi nanciamento da saúde; da ausência de critério claros de partilha dos recursos entre as áreas da se- guridade social; da especialização da fonte “Contribuição Social de Em- pregadores e Trabalhadores” para a previdência social; do não repasse dos recursos da Cofi ns quando judicialmente liberados, da questionável autorização para parcelamento dos débitos relativos a essa contribuição em 80 meses; do indevido uso de recursos da seguridade para paga- mento de Encargos Previdenciários da União e, fi nalmente, da criação do Fundo Social de Emergência que retira recursos do Orçamento da Seguridade Social e os aplica em outras áreas (Plenária Nacional de Saú- de, 1995:1).

O documento denuncia que o governo FHC, “para livrar-se do ônus político

de impor à população mais um imposto que viabilize o pagamento da dívida pú- blica e dos salários dos servidores, usa a saúde para justifi car o aumento da carga tributária” (Plenária Nacional de Saúde, 1995:1), considerando que o governo se

opõe à vinculação de recursos para a área.

Denuncia, também, que há propostas legislativas que restringem o direito à saúde, como a PEC nº 32/95, que torna infraconstitucional, ou seja, “nos

termos da lei”, esse direito. A PEC nº 33/95 também muda a Constituição

Federal para, igualmente, tornar infraconstitucional a transferência de re- cursos à saúde “em termos de lei federal”, no bojo de reformas do Estado propostas por FHC, na perspectiva do chamado “Estado mínimo”. A PEC nº 33/95 transfere para os próprios servidores o ônus do Estado na garantia da previdência e assistência social, quando estabelece que “os estados, o DF

e os municípios poderão instituir contribuição cobrada de seus servidores para o custeio, em benefício destes, de sistemas de assistência à saúde”, em

substituição à atual determinação, que permite contribuições para sistemas de previdência e assistência social, o que contraria os princípios do SUS. Se- gundo a Carta citada:

[...] as propostas de emendas constitucionais que são conhecidas como “reforma da previdência”, na sua essência, institucionalizam a extinção da Seguridade Social e de seu instrumento principal, o Orçamento da Se- guridade Social. Restaurando o antigo modelo de seguro social, elimina o piso de um salário mínimo para os mesmos, deixando seus valores e os reajustes vulneráveis às disponibilidades conjunturais descaracterizan- do como direitos sociais os benefícios assistenciais (Plenária Nacional de Saúde, 1995:3).

A Carta denuncia, como ameaça ao SUS, que

a proposta de reforma administrativa preconiza que as organizações complexas prestadoras de serviço – de atenção, produção, ensino e pesquisa – deverão ser transformadas em “organizações públicas não estatais”. Isso signifi ca que teriam autonomia de gestão, seriam man- tidas com recursos públicos repassados através de contratos de gestão, que seus funcionários sairiam do Regime Jurídico Único e perderiam a estabilidade, podendo ainda prestar serviços de caráter privado e sendo geridos por um Conselho (Plenária Nacional de Saúde, 1995:3).

O documento assinala, ainda, que as propostas de Reforma Tributária visam à reconcentração dos recursos fi nanceiros na União, com perdas para estados e municípios, rompendo-se o pacto federativo descentralizado e democrático ins- tituído em 1988 e constituindo uma ameaça ao fi nanciamento do SUS. E registra que não será possível avançar na descentralização da saúde enquanto o modelo tributário caminha para a concentração de recursos.

A Plenária Nacional de Saúde propõe uma discussão ampla dessas reformas, vendo-as como “destruição das conquistas sociais alcançadas na Constituição

Federal de 1988”, posicionando-se contra as mesmas, contra a fragmentação

do sistema de saúde e a ruptura com o princípio da integralidade, contidas na proposta de transformação das unidades complexas em “organizações públicas

não-estatais”. Posiciona-se:

[...] a favor de uma solução de caráter permanente para o fi nanciamento da saúde, com a defi nição de critérios claros de partilha dos recursos das fontes já existentes da Seguridade Social e a preservação do princípio de diversifi cação das fontes de fi nanciamento, bem como da Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº 169/93, que estabelece a destinação à saúde de 30% das receitas das contribuições sociais da Seguridade Social e de pelo menos 10% das receitas fi scais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e por uma política de melhoria da gestão do sistema, que resulte em melhor qualidade das ações e serviços de saúde, com melhores condições de trabalho e exigindo compromisso de todos os trabalhadores com a qualidade e a resolutividade da atenção à saúde (Plenária Nacional de Saúde, 1995:5).

Essas reformas foram rejeitadas em debate complexo e tumultuado no Con- gresso Nacional. Em 15 janeiro de 1997, a coordenação da plenária, em carta às entidades participantes do movimento focalizando o projeto de organizações sociais, informa que:

No dia 11 de dezembro de 1996 aconteceu uma audiência pública na Câmara dos Deputados em Brasília, que contou com expressiva partici- pação de representantes de entidades, de conselhos de saúde e de secre- tários de saúde, para debater o tema: Organizações Sociais Autônomas para o Setor Saúde, parte integrante da proposta de Reforma do Estado do governo federal. Esse projeto pretende transformar as instituições pú- blicas estatais em organizações autônomas com gestão privada, transfe- rindo o patrimônio e assegurando a sua operação mediante contratos de gestão. A Secretária de Reforma do Estado – Mare – Drª Angela Maria S. Carvalho informou, na audiência, que o Governo Federal enviará ao Congresso um Projeto de Lei que regulamentará o processo de trans- formação de instituições públicas em organizações sociais. A exceção seria o Hospital Presidente Vargas de Porto Alegre/RS, que seria ime- diatamente transformado em Organização Social (Plenária Nacional de Saúde, 1997:1).

Naquela ocasião, em reunião de avaliação do evento, decidiu-se marcar uma Plenária de Entidades e um Ato Nacional em Defesa da Saúde e pela implemen- tação do SUS, na cidade do Rio de Janeiro/RJ, em 24 de janeiro de 1997, cujo tema foi: “Rumos do movimento em defesa do Sistema Único de Saúde”. E também um ato público pela implementação do SUS. Em informe de 27/1/1997 da coordenação das plenárias assinala-se que, na audiência de 11 dezembro:

O ministro colocou que suas principais linhas de ação deverão se pautar pela consonância com a macro política, pelo acatamento de sugestões da periferia para o centro, da descentralização como prioridade, da ava- liação de resultados das ações em curso no ministério e pretende esti- mular o controle social, inclusive com vinhetas na televisão. Se declara favorável à PEC nº 169 (vinculação de 30% dos recursos do Orçamento da Seguridade Social para a Saúde e 10% dos recursos Fiscais da União, estados e municípios para a Saúde) e ao Sistema Único de Saúde – SUS (Plenária Nacional de Saúde, 1997b).

O informe de janeiro destaca, também, as questões do orçamento de 1997, a NOB 96, publicada no DOU, em 6 de novembro de 1996, o Projeto Reforsus e moções aprovadas na 10ª Conferência Nacional de Saúde.

A Coordenação da Plenária, no mesmo informe de 27/1/1997, considera que a “partir da realização da 10ª Conferência Nacional de Saúde observa-se

o revigoramento da mobilização e o fortalecimento do Movimento em Defesa da Saúde e pela Implementação do SUS”, destacando os debates promovidos

por entidades da área da saúde e parlamentares em Belo Horizonte/MG e São Paulo/SP, no segundo semestre de 1996, e o Encontro Nacional de Conselheiros

de Saúde, em novembro de 1996, em Brasília/DF, com a participação de mais de duas centenas de conselheiros de saúde de todo o país. Mas sustenta: “fi ca

evidente a necessidade de maior organização e ampliação do Movimento, de forma que unifi que todos os setores que se declaram pela Reforma Sanitária, em defesa da Saúde e do SUS”. Defi ne-se como “eixo do movimento”, em

1997, o fi nanciamento permanente para o SUS, com a luta pela aprovação da PEC nº 169/93, de autoria dos deputados Eduardo Jorge e Waldir Pires, com as seguintes palavras de ordem: “Mais Dinheiro, Mais Controle Social e Qualidade

do Atendimento em Saúde” (Plenária Nacional de Saúde, 1997b:3).

O informe destaca, ainda, o ato público, realizado no Rio de Janeiro/RJ, no dia 24 de janeiro de 1997, que contou com expressiva participação de represen- tantes de entidades sindicais, populares, conselheiros de saúde, secretários de saúde, parlamentares, deputados estaduais, prefeitos e vereadores18.

Em março de 1997, houve um comunicado da coordenação da Plenária Na- cional de Saúde chamado de “SOS SUS”, com o objetivo de informar os partici- pantes do movimento sobre as atividades realizadas após a reunião plenária de 4/2/1997, pois haviam ocorrido duas reuniões da coordenação: uma em Brasília/ DF, no dia 5/3/1997, e outra no Rio de Janeiro/RJ, em 7/3/1997, para avaliação política do movimento e análise das estratégias de encaminhamento. O informe assinala que em fevereiro daquele ano foram realizadas algumas visitas: ao pre- sidente da CUT, ao Secretário Estadual de Saúde de São Paulo, às editorias dos jornais Folha de São Paulo, O Globo e Jornal do Brasil, à emissora de televisão Manchete, e reuniões com o presidente da OAB e com a vice-governadora do Distrito Federal para defi nir as condições de infra-estrutura para um ato-show, que contaria com decisivo apoio do governo do Distrito Federal. Ainda em fe- vereiro houve reunião com o jornalista Carlos Chagas, da TV Manchete, e com o Secretário-Geral da CNBB. O comunicado também destaca as atividades de divulgação do movimento:

Encontro de Secretários de Saúde da Região Sul-Sudoeste do Pará, em Marabá – 21/02/1997; Encontro Estadual dos Secretários Municipais de Saúde de Mato Grosso, em Cuiabá – 27/02/1997; Encontro Estadual de Secretários Municipais de Saúde, em Santarém/PA, 13/03/1997; Se- minário sobre o SUS para Prefeitos e Secretários de Saúde, em Porto Alegre/RS, em 18/03/1997; Reunião Nacional da CUT, em São Paulo/SP, 24/02/1997; Seminário da Contag, com a participação de 17 Federa- ções – 04/03/1997; Reunião da Direção Nacional da Aben e Conaben,

com a participação de representantes de 27 estados – 04/03/1997; V Fórum de Gerontologia, em Fortaleza/CE – 04/03/1997; Reunião da Di- retoria da Abrasco, em 11/03/1997; Reunião do Conselho Nacional de Saúde, em 05/03/1997; Encontro de Secretários de Saúde do PT, em Belo Horizonte/MG – 13/03/1997; Ofi cina de Trabalho do Conass, em Curitiba/PR – 13/03/1997, estando previstos para as próximas semanas: Encontro Estadual de Secretários Municipais de Saúde, em São Paulo/SP – 19/03/1997; Encontro de Secretários Municipais de Saúde, em Belém/ PA – 20/03/1997; Reunião com o Presidente da Contag, Francisco Urba- no Pereira Filho, dia 20/03/1997, às 9:30 horas, sendo providenciado o agendamento de reuniões com: ABI, MST, Fenaj, Copab e SBPC (Plenária Nacional de Saúde, 1997c)19.

Essas atividades mostram que o movimento de saúde se manteve articulado e reestruturou um outro patamar de organização durante o governo FHC, mo- bilizando sua reação às propostas neoliberais de infraconstitucionalização do direito à saúde e à privatização do setor, principalmente com a participação das bases do movimento.

O término das atividades da Plenária Nacional de Saúde ocorreu sem que houvesse sido realizada uma avaliação política quanto à suspensão de sua conti- nuidade. No entanto, simultaneamente ao fi m das atividades da plenária nacio- nal, vinha ocorrendo um movimento de criação de uma instância de conselheiros de saúde, a que se denominou posteriormente Plenária Nacional de Conselhos de Saúde. Seus primeiros movimentos ocorrem em 1994 e sua criação foi defi ni- da no Congresso Nacional de Conselhos de Saúde, realizado em 25 de abril de 1995, em Salvador, Bahia.

Apesar da natureza diferenciada das plenárias, uma ampla e plural e a outra congregando os conselhos, ambos os movimentos tinham como agenda política a defesa do SUS e a mesma estratégia, com pauta similar de reivindicações. A primeira Plenária Nacional de Conselhos de Saúde ocorre em 19 de novembro de 1996, em Brasília/DF.

No documento Construção do SUS (páginas 174-179)