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Síntese do período: os embates da participação e institucionalização

No documento Construção do SUS (páginas 149-157)

Em primeiro lugar, pode-se observar que, apesar da continuidade das po- líticas neoliberais, em linhas gerais, o governo Itamar é diferente do de Collor quanto ao combate à infl ação e na ênfase dada ao enfrentamento da corrupção e ao impulso a políticas sociais novas como a Lei Orgânica da Assistência Social e a Segurança Alimentar.

No governo Itamar há um clima de interlocução com os movimentos sociais e, na área da saúde, signifi cativos avanços na implementação da participação e da descentralização, principalmente com a NOB 93.

Com Collor, o embate de pressão/negociação do movimento sanitário com o Estado envolveu um conjunto articulado de forças sociais diversifi cadas, mas aglutinadas na Plenária Nacional de Saúde, com um propósito comum e uma es- tratégia defi nida de conquistar a participação. O signifi cado político do resultado

Síntese do período: os embates

da participação e institucionalização

é salientado como uma vitória, uma conquista em que se vence o autoritarismo, o “mandonismo” e os interesses privados na saúde, principalmente com a revo- gação dos vetos à Lei nº 8.080/90 e a promulgação da Lei nº 8.142/90.

Com Itamar, há um novo bloco histórico, com aliados do movimento que ocupam lugares em instâncias decisivas do Estado, confi gurando-se, na área da saúde, uma correlação de forças favoráveis que possibilitam um trânsito do movimento no interior do poder do Estado, mas não eliminam as contradições inerentes ao pacto federativo, que são reguladas pela NOB 93. A crise ética de Collor é enfrentada e a crise fi nanceira apenas atenuada com a proposta da CPMF e aumento das contribuições sociais.

O Conselho Nacional de Saúde se consolida e pode apresentar suas propos- tas institucionalmente, com grande produtividade de decisões que abrangem setores excluídos como o da saúde indígena.

A maioria dos atores entrevistados não se expressa sobre o período do governo Itamar. Talvez esse silêncio signifi que, justamente, essa interlocução pacífi ca entre o movimento social da saúde e o governo, com a aceitação das regras do jogo do SUS, cuja implementação traduz o amadurecimento de um longo período.

No governo Itamar Franco, apesar de sua curta duração, é palpável o avanço da institucionalização da participação e da descentralização, os dois eixos expli- citados na introdução deste livro.

No capítulo seguinte, esses mesmos eixos serão apresentados e discutidos no período referente aos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, que sucedeu Itamar Franco na Presidência da República.

Notas

1 A Guerra Fria simboliza a disputa entre o bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o bloco socialista,

liderado pela União Soviética, no período após a 2ª Guerra Mundial, pela hegemonia política, ideológica e econô- mica de infl uência sobre os demais países. Durante aproximadamente 40 anos, com a ameaça constante de confl ito nuclear entre os dois blocos, a Guerra Fria teve como principais marcas:

- a posição de Harry Truman, sucessor do presidente americano Franklin Delano Roosevelt, de contenção da expan- são comunista (seguindo a doutrina de George Kennan);

- a posição de Winston Churchil e o seu célebre discurso nos EUA, em Fulton – Missouri, a 5 de março de 1946, quando conclama a Grã-Bretanha e os EUA a enfrentarem a expansão do comunismo soviético que estendia uma “Cortina de Ferro” (Iron Curtain) sobre os países do Leste Europeu, sob sua infl uência;

- a criação do muro de Berlim, dividindo a Alemanha derrotada em dois países – a Alemanha Ocidental, capitalista e a Alemanha Oriental, comunista;

- o Plano Marshall de auxílio de US$ 13 bilhões aos países europeus no pós-guerra, para sua reconstrução e con- tenção da expansão comunista;

- o macartismo, doutrina anticomunista do senador republicano Joseph McCarthy, que perseguia os cidadãos ame- ricanos que pudessem ter alguma ligação com o comunismo, na chamada “caça às bruxas”;

- a criação da Otan – Organização do Tratado do Atlântico Norte, dos países do bloco capitalista e do Pacto de Varsóvia, dos países do bloco socialista, ambas organizações estratégicas de defesa mútua;

- a corrida armamentista e a corrida espacial; - a Guerra da Coréia e a Guerra do Vietnã;

- a implantação de ditaduras militares na América Latina, com a ajuda norte-americana, para contenção do comunismo; - a crise dos mísseis em Cuba.

Calcula-se que os custos da Guerra Fria tenha sido de US$ 17 trilhões de dólares. O símbolo do fi nal da Guerra Fria é a queda do Muro de Berlim, em 1989, com a reunifi cação da Alemanha. Disponível em <http://www. suapesquisa.com/guerrafria/>; <http://www.guerras.brasilescola.com/guerra-fria/>; <http://educaterra.terra.com. br/voltaire/mundo/guerra_fria2.htm>. Acesso em 24/7/2006.

2 Folha de São Paulo de 17/3/1990. 3 Folha de São Paulo de 12/12/1991.

4 O Programa de Agentes Comunitários de Saúde – Pacs existe desde o início dos anos 90, porém foi instituído e

regulamentado pela Portaria Federal nº 1.886/97 de 21 de dezembro de 1997. O Pacs contribui para a reorganiza- ção dos serviços municipais de saúde e integra as ações entre os diversos profi ssionais, com vistas à ligação efetiva entre a comunidade e as unidades de saúde. Foi inspirado em experiências de prevenção de doenças por meio de informações e de orientações sobre cuidados de saúde. O desenvolvimento das principais ações é feito pelos Agen- tes Comunitários de Saúde – ACS, que são pessoas escolhidas dentro da própria comunidade para atuarem junto à população. Disponível em <http://dtr2001.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pacs01.pdf>. Acesso em 24/7/2006.

5 Na Mensagem nº 672, de 17 de setembro de 1990, Collor assinala que “entre as razões primordiais que justifi cam

o veto, sobressai a da existência, na proposição, de dispositivos contrários aos princípios de uma assistência social responsável, que se limite a auxílios às camadas mais carentes da população, sem, contudo comprometer-se com a complementação pecuniária de renda, papel este de uma ação voltada à maior disponibilidade de empregos e salários” (grifo nosso).

6 A Resolução nº 258, de 7 de Janeiro de 1991, emitida ainda pelo Inamps, aprovou a Norma Operacional Básica /SUS

nº 01/91, que trata da nova política de fi nanciamento do Sistema Único de Saúde – SUS para 1991. Destacam-se na NOB 91, entre outras medidas: o fi nanciamento da atividade ambulatorial e recursos na forma de AIHs propor- cionais ao tamanho da população; o custeio da administração do Inamps/MS e de Programas Especiais em saúde; a forma convênio fi rmado com estados, DF e municípios; índices de reajuste com base na Unidade de Cobertura Ambulatorial – UCA; pagamento de prestadores diretamente pelo Inamps, por meio de sistema próprio informati-

zado SIS/SUS; a implementação do Sistema de Informações Ambulatoriais SIA/SUS; e os consórcios administrativos intermunicipais.

7 Jornal do Brasil de 9/3/1993. 8 O Globo de 29/9/1991.

9 IPMF – Imposto sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Direitos de Natureza Financeira foi criado

pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/3/1993, com vigência até 31/12/1994, depois substituído pela CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Fi- nanceira, criada pela Emenda Constitucional nº 12, de 15/8/1996, em vigor. Segundo o § 3º do art. 74 “O produto da arrecadação da contribuição de que trata este artigo será destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para fi nanciamento de serviços de saúde”.

10 A URV – Unidade Real de Valor foi um indexador único da economia, criado com o objetivo de estabelecer uma

proporção entre salários e preços, que se transformaria em nova moeda quando todos os preços, em tese, estives- sem estáveis em termos de URV. Essa estabilidade ocorreu a 1° de julho de 1994, quando a URV, equivalendo a 2.700 cruzeiros reais, passou a valer 1 real, representado pelo símbolo R$. A URV foi instituída pela Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994, que dispunha sobre o Programa de Estabilização Econômica e o Sistema Monetário Na- cional e instituía a URV. Disponível em <http://www.bb.com.br/appbb/portal/hs/moeda/MoedaNova.jsp>. Acesso em 18/4/2006.

11 O Comitê de Integração de Entidades Fechadas de Assistência à Saúde – Ciefas foi “fundado e lavrado em ata,

em Brasília, no dia 13 de junho de 1990. O Ciefas foi criado com a missão de promover negociações com presta- dores de serviços, hospitais, classe médica e laboratórios na defesa dos interesses de suas fi liadas. Surgiu, então, a necessidade do Ciefas existir através de uma personalidade jurídica para atuar na defesa legal de suas fi liadas. No fi nal de 1991 foi debatido o estatuto social e, nos dias 25 e 26 de junho de 1992, foi aprovado. A Entidade, através de suas Superintendências Estaduais, se faz presente em cada Estado; possui sede nacional em São Paulo, constituindo-se por cerca de 140 organizações, entre públicas e privadas, que oferecem programa de saúde na mo- dalidade de autogestão”. Disponível em <http://www.unidasrj.com.br/quem_somos.asp>. Acesso em 10/7/2006.

12 Portaria Interministerial MT/MS/MPAS nº 01, de 20 de abril de 1993: Institui Comissão Interministerial de Saúde

do Trabalhador, com o objetivo de compatibilizar e implementar ações sistêmicas de atenção à saúde do trabalhador.

13 Jornal do Brasil de 11/1/1993.

14 O Fundo Social de Emergência foi instituído nos exercícios fi nanceiros de 1994 e 1995, por meio da Emenda

Constitucional de Revisão nº 1, de 1º de março de 1994, “com o objetivo de saneamento fi nanceiro da Fazenda Pública Federal e de estabilização econômica, cujos recursos serão aplicados no custeio das ações dos sistemas de saúde e educação, benefícios previdenciários e auxílios assistenciais de prestação continuada, inclusive liquidação de passivo previdenciário, e outros programas de relevante interesse econômico e social”.

15 Para mais informações consultar: <http://conselho.saude.gov.br/deliberacoes/resolucoes.htm>.

16 O Siops – Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde – tem como objetivo a coleta e a siste-

matização de informações sobre receitas totais e despesas com ações e serviços públicos de saúde das 3 esferas de governo. Sua origem no Conselho Nacional de Saúde, em 1993, foi considerado relevante pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC – quando da instalação dos Inquéritos Civis Públicos nº 001/94 e 002/94 sobre o Funcionamento e Financiamento do SUS. Em 1998 a Procuradoria e o Ministério da Saúde viabilizaram a formalização do Siops, que passou a coletar dados por meio de planilhas eletrônicas, dadas as difi culdades das primeiras tentativas de coleta, por intermédio de ofício e formulários contidos em disquetes, devido à falta de pa- dronização das respostas. Em 30 de abril de 1999, foi assinada a Portaria Interministerial nº 529/99 pelo Ministro da Saúde e pelo procurador-geral da República, para desenvolver a implantação do Siops, que passou a coletar dados, valendo-se de um sistema informatizado desenvolvido pelo Departamento de Informática do SUS – Datasus, possi- bilitando a transmissão dos dados pela Internet. A partir de 1998, os dados transmitidos estão disponibilizados na

Internet, na forma de planilhas e de indicadores, permitindo comparações e agregações de dados das mais diversas formas, por municípios, por UF, por porte populacional ou qualquer outro a ser escolhido pelo usuário, de forma a fortalecer o controle social sobre o fi nanciamento do SUS. Disponível em <http://siops.datasus.gov.br/siops.htm>. Acesso em 22/3/2006.

17 Decreto nº 99.438, de 7 de agosto de 1990, publicado no Diário Ofi cial da União em 8 de agosto de 1990,

dispõe sobre a organização e atribuições do Conselho Nacional de Saúde, e dá outras providências. Disponível em <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em 20/4/2006.

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