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1. A QUESTÃO DA POBREZA EXTREMA

1.4 A pobreza em números

Apesar dos inúmeros estudos empreendidos no sentido de compreender e quantificar a pobreza, tanto a nível nacional e global, muitos são os indicadores utilizados para tanto e diversificadas as formas de mensurar e analisar os dados coletados61.

Dentre os principais enfoques utilizados para auferir a pobreza em determinada região, destaca-se o critério monetário instituído pelo Banco Mundial, com a linha de pobreza extrema de US$ 1,90 por dia e os dois critérios complementares de US$ 3,20 e US$ 5,50 por dia. Além dos indicadores instituídos pelo Banco Mundial, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o coeficiente de Gini, são outros dois critérios amplamente utilizados no estudo da pobreza.

No Brasil, não há um efetivo parâmetro para cálculo da pobreza, podendo ser utilizados os parâmetros atuais internacionais ou ainda tomando por base parâmetros internos, como, por exemplo, o Bolsa Família e a Pesquisa Nacional por Amostra de

60 ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: a evolução de longo prazo. XXV Fórum Nacional. Rio de Janeiro, 2013. 01-31. p. 18. Disponível em <http://www.inae.org.br/wp-content/uploads/2015/04/EP0492.pdf>

61 “Ainda que haja discussões sobre diversas linhas de corte, de acordo com a classificação de renda dos países, o valor de US$ 1,90 diários per capita em Paridade de Poder de Compra - PPC25 é atualmente o limite para a definição de extrema pobreza global, como explicitado no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 1.1 e na missão institucional do Banco Mundial” e ainda “As Nações Unidas e o Banco Mundial iniciaram o acompanhamento da pobreza global com a medida de 1 dólar por dia em 1990. Essa medida foi consagrada pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e se mantém na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Os valores da linha foram revisados para US$1,08 em 1993, US$1,25 em 2005 e chega a US$1,90 em 2015 (baseada no cálculo do dólar PPC da última revisão, quer dizer, de 2011). A medida de US$ 1,90 se justifica por representar uma linha válida para os países mais pobres do globo, balizando o mínimo a ser buscado globalmente, o que não impede que haja pessoas abaixo desse mínimo em países de nível médio e alto de desenvolvimento.” IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais, 2018.

p. 56. Disponível em <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101629.pdf>

Domicílios (PNAD). O IBGE, ao apontar a dificuldade em se adotar uma única linha de corte, elucida que

Como o Brasil não possui uma linha oficial de pobreza, são construídas algumas linhas como forma de mostrar que a proporção de pobres varia de acordo com o critério adotado. Há diversas estratégias para construir linhas, que podem ser absolutas, quer dizer, a partir de um valor específico, ou relativas, que costumam vir como uma proporção, por exemplo, de pessoas cujos rendimentos domiciliares per capita estão abaixo de 50% da mediana.

Medidas relativas são mais utilizadas em países da Europa, onde as condições de vida da população já não mais remetem aos mínimos vitais.62

Para mensurar a pobreza pelos parâmetros do Bolsa Família, são utilizados por referência as faixas de renda familiar para concessão do benefício. O Bolsa Família tem por objetivo prestar auxílio às famílias miseráveis enquadradas em quatro grupos distintos, sendo que cada grupo faz jus a um valor de prestação pecuniária diverso. Sobre os valores do bolsa família, conforme consulta no sitio do Ministério do Desenvolvimento Social

O valor que a família recebe por mês é a soma de vários tipos de benefícios previstos no Programa Bolsa Família. Os tipos e as quantidades de benefícios que cada família recebe dependem da composição (número de pessoas, idades, presença de gestantes etc.) e da renda da família beneficiária.

Benefício Básico, no valor de R$ 89,00 — Pago apenas a famílias extremamente pobres (renda mensal por pessoa de até R$ 89,00).63

Além do benefício básico, existem outros três grupos em que as famílias podem se enquadrar, quais sejam: Benefícios Variáveis (até cinco por família);

Benefício Variável Vinculado ao Adolescente, no valor de R$ 48,00 (até dois por família); e Benefício para Superação da Extrema Pobreza, em valor calculado individualmente para cada família64.

A nível global, de acordo com os dados mais recentes disponibilizados pelo Banco Mundial65, em 2015, 10% da população do planeta vivia com menos de US$

1,90 por dia. Se comprado com o ano de 1990, há uma significativa melhora, passando de 36%, em 1990, para 10%, em 2015, o número de pessoas abaixo da linha de pobreza instituída. Mais ainda, 1.1 bilhão de pessoas saíram da pobreza extrema se considerado que, em 1990, 1.85 bilhões de pessoas mundo afora vivam abaixo da

62 IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira.

Rio de Janeiro: IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais, 2018. p. 56. Disponível em

<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101629.pdf>

63 Ministério do Desenvolvimento Social, disponível em: http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-e/beneficios/beneficios, acesso em 26 de agosto de 2018.

64 Ministério do Desenvolvimento Social, disponível em <http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-e/beneficios/beneficios>, acesso em 26 de agosto de 2018.

65 C. f Banco Mundial última atualização realizada em 24/09/2018.

linha da pobreza, tendo tal índice uma queda significativa em 2015, passando a 736 milhões de pessoas66.

Passando ao nível nacional, importante ressaltar que, segundo o Banco Mundial, o Brasil se enquadra entre os países com renda média-alta, sugerindo a adoção da linha complementar de US$ 5,50 ao dia para classificar a pobreza no país, já sendo comumente encontrado nas pesquisas nacionais a utilização de referido critério67.

Entre os anos de 2003-2014, o país foi marcado pelo progresso econômico e social, o que contribuiu com uma expressiva redução da pobreza e desigualdade social. No referido período, 29 milhões de pessoas saíram da pobreza e o coeficiente de Gini caiu de 58,1 para 51,5. Outro avanço significativo foi o aumento do nível de renda dos 40% mais pobres que elevou em média 7,1% no referido período.68

No entanto, a partir de 2015, o país vem caminhando em direção oposta às conquistas dos períodos anteriores. Partindo da linha de pobreza extrema global, parâmetro de US$ 1,90 ao dia, entre os anos de 2016-2017 houve um aumento da pobreza no Brasil, vez que, em 2016, havia 6,6% da população vivendo abaixo da sobredita linha, passando a 7,4%, em 2017. Tomando por base o indicador de US$

5,50 por dia, a pobreza dá um salto no país. Em 2016, 25,7% da população se enquadrava na linha de pobreza de US$ 5,50 ao dia, valor que chegou a 26,5% em 2017, o correspondente a quase 55 milhões de brasileiros vivendo em condições de pobreza69.

Assumindo a PNAD por parâmetro, a FGV Social, da Fundação Getúlio Vargas, lançou em setembro de 2018 uma pesquisa trazendo os reflexos da crise na pobreza e distribuição de renda no Brasil. Os dados apontam o retrocesso no combate à pobreza no país, apontando que

Apenas em 2015, a pobreza subiu 19,3% no Brasil, com cerca de 3,6 milhões de novo pobres. Infelizmente, a crise não acabou em 2015, quando a saga relatada na PNAD tradicional se encerra. Nossos cálculos revelam que desde o final de 2014 até final de 2017 o aumento da pobreza foi de 33%, passando

66 Disponível em <http://www.worldbank.org/en/topic/poverty/overview#1>

67 Critério utilizado na Síntese de Indicadores Sociais dos anos de 2017 e 2018 do IBGE

68 C.f dados disponibilizados pelo Banco Mundial em

<https://www.worldbank.org/pt/country/brazil/overview#1>, acesso em 10 de janeiro de 2019.

69 IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira.

Rio de Janeiro: IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais, 2018. p. 57. Disponível em

<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101629.pdf>

de 8,38% a 11,18% da população brasileira. Este contingente representa 23,3 milhões de pobres no país, um grupo maios do que a população chilena. Ele é resultado da adição de 6,27 milhões de novo pobres às estatísticas sociais.70

A título ilustrativo da evolução da pobreza no Brasil, segue abaixo a figura 0171, retratando a proporção de pobres no Brasil no período de 1992-2017, conforme levantamento realizado pela FGV Social.

1.4.2 A pobreza no Estado de São Paulo

Observada a expressividade da pobreza no Brasil, passa-se ao exame da pobreza no Estado de São Paulo. Optou-se pela inclusão deste recorte estadual a fim de harmonizar o estudo feito mais a frente, da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

O Estado de São Paulo, figura como o estado mais populoso do Brasil, contando com mais de 45 milhões de habitantes. No mais, a economia paulista se

70 NERI, Marcelo. Qual foi o impacto da crise sobre a pobreza e a distribuição de renda?. FGV Social, 2018. Disponível em: https:// cps.fgv.br/Pobreza_Desigualdade

71 NERI, Marcelo. Qual foi o impacto da crise sobre a pobreza e a distribuição de renda?. FGV Social, 2018. Disponível em: https:// cps.fgv.br/Pobreza_Desigualdade

apresenta como a principal economia do país, respondendo por aproximadamente 32,2% do PIB brasileiro.

Apesar da importância da região, dados envolvendo a pobreza extrema são escassos, de forma que para mensurar a

pobreza no Estado e compreender a dinâmica articulada na região se faz necessário a complementação com dados estatísticos de segmentos complementares.

Conforme se observa, o Estado de São Paulo, em 2010, respondia por 7,0% da população extremamente pobre do país, ou 2,6% da população paulista, o que correspondia a cerca de 1, 1 milhão de pessoas (Figura 0272).

Considerando a renda média dos domicílios no Estado de São Paulo, observa-se entre o período de 1991-2000 o aumento da renda média nos domicílios, passando de 3,6% dos domicílios com renda de até 1/2 salário mínimo, para 0,37%, em 2000. No entanto, entre os anos de 2000-2010 constata-se o movimento inverso, passando, em 2010, para 1,48% os domicílios com renda de até 1/2 salário mínimo e, 15,13%, com mais de 1/2 salário mínimo até um salário mínimo (Figura 0373).

72 Disponível em http://produtos.seade.gov.br/produtos/retratosdesp/view/index.php?indId=13&te-maId=1&locId=1000

73 Dados extraídos de http://www.imp.seade.gov.br/frontend/#/tabelas

Estudos recentes apontam que de 2016 para 2017, o número de pessoas vivendo na extrema pobreza no Estado de São Paulo cresceu 23,9%, atingindo a marca de 1,392 milhões de pessoas, correspondente a 3% da população do Estado.

O aumento da pobreza, segundo pesquisas, se deu principalmente em razão da queda de renda da população mais pobre. De acordo os dados apresentados pelo IBGE a renda média domiciliar per capita da parcela 5% mais pobre da população caiu de R$ 115 para R$ 94 no período indicado74.

A pesquisa ainda aponta um aumento de 35% no número de pessoas vivendo na pobreza extrema na região metropolitana de São Paulo, considerado o maior polo de riqueza do país, possuindo 700.193 pessoas vivendo na pobreza extrema, nos 39 municípios que compreendem referida região metropolitana75.

Conclui-se que, apesar da riqueza gerada na região, ainda assim é considerável o número de pessoas vivendo na extrema pobreza no Estado de São Paulo.

1.5 Desigualdade social e negação de direitos

No Brasil, milhões de pessoas têm parco acesso a serviços básicos de saúde, saneamento básico, moradia, educação76 e passam a vida enfrentando as dificuldades e percalços de um dia a dia de privações e riscos.

Os extremamente pobres nada ou muito pouco detém, além de contar com oportunidades de vida restritas e ausência de expectativas realistas de escapar à pobreza de forma garantida e socialmente aprovada. São pessoas que enfrentam maior vulnerabilidade social, humilhação diária e veem negada todos os dias a sua dignidade. São esquecidos e negligenciados e por isso demandam do Estado e da

74 Dados extraídos de <https://www.valor.com.br/brasil/5480737/na-grande-sp-pobreza-extrema-cresce-35-em-um-ano>

75 Dados extraídos de <https://www.valor.com.br/brasil/5480737/na-grande-sp-pobreza-extrema-cresce-35-em-um-ano>

76 No Brasil 37,6% da população tem restrição de acesso a serviços de saneamento básico, 13% a condições de moradia e 28,2% a educação. Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2017