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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP. Ana Carolina Pecoraro Domingues

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Ana Carolina Pecoraro Domingues

Excedentes bancários e direito ao desenvolvimento: uma alternativa à superação da pobreza extrema

Mestrado em Direito

São Paulo

2019

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Ana Carolina Pecoraro Domingues

Excedentes bancários e direito ao desenvolvimento: uma alternativa à superação da pobreza extrema

Mestrado em Direito

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito - Direitos Humanos, sob a orientação do Prof.

Dr. Thiago Lopes Matsushita.

São Paulo

2019

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Banca Examinadora

_________________________________

_________________________________

_________________________________

(4)

Aos meus avós, Elena e Vincenzo (in

memoriam), por todo o amor e dedicação

que jamais serão esquecidos.

(5)

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu marido, Guilherme, companheiro de todas as horas, por todo o amor, dedicação e apoio incondicionais.

Agradeço aos meus pais, Carmen e Laércio, por sempre acreditarem em mim e incentivarem meus estudos. E ao meu irmão Lucas, por sempre estar ao meu lado.

Agradeço minhas queridas amigas de mestrado, Lícia, Marília e Kamilla, por compartilhar todas as angustias inerentes a essa fase. Em especial, agradeço a Lícia por todo o apoio nesta fase final, sua ajuda foi muito importante para a conclusão do presente estudo.

Agradeço minhas queridas amigas de trabalho, em especial a Cristiane, pelas sugestões e conselhos, e a Ana Leonice, pelo suporte e apoio.

Agradeço, de modo especial, ao meu orientador Professor Thiago Lopes Matsushita, pela orientação e por todo o auxílio e sugestões recebidas.

Agradeço aos professores do Programa de Mestrado da PUC-SP, em especial a

Professora Carolina Alves de Souza Lima, por todos os ensinamentos e conselhos, e

ao Professor Eduardo Dias de Souza Ferreira, pela imprescindível contribuição.

(6)

A pobreza não é um acidente. Assim como a escravidão e o Apartheid, a pobreza foi criada pelo homem e pode ser removida pelas ações dos seres humanos.

Nelson Mandela

(7)

RESUMO

A erradicação da pobreza é tema de relevante destaque tanto no plano interno, quanto no internacional, figurando, inclusive, como o primeiro Objetivo do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas. A persistência da pobreza obsta a concretização dos direitos humanos, violando frontalmente a dignidade da pessoa humana. Assim, com escopo no direito ao desenvolvimento, devem ser salvaguardados os direitos fundamentais aos mais vulneráveis, garantindo o bem- estar geral. Tomando por foco o direito ao desenvolvimento e os excedentes bancários, o presente estudo se debruçará na temática da pobreza, buscando uma alternativa à sua superação.

Palavras-chave: Pobreza extrema. Direito ao desenvolvimento. Excedentes

bancários.

(8)

ABSTRACT

The poverty eradication is a higlighted relevant theme as much in the internally field as internationaly, figuring, including, as the United Nation’s first Sustainable Development Objective. The persistence of the poverty obstruct the fulfillment of the human rights, violating directly the dignity of the human person. Thus, with the scope in the development right, must be safeguard the fundamental rights to the most vunerables, assuring the general well-being. Focus on the development right and the Banking financial surplus, the present study address on the theme of poverty, seeking an alternative to the poverty eradication.

Keywords: Extreme poverty. Development right. Banking financial surplus

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LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

CF Constituição Federal

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH Índice de desenvolvimento humano

ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ONU Organização das Nações Unidas

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios REsp Recurso Especial

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...10

1. A QUESTÃO DA POBREZA EXTREMA 1.1 A pobreza sob a ótica do Banco Mundial... 16

1.2 Afinal, o que é pobreza? A multidimensionalidade da pobreza...20

1.3 Breve retrospecto histórico da pobreza no Brasil...31

1.4 A pobreza em números...40

1.4.1 A pobreza no Brasil...40

1.4.2 A pobreza no Estado de São Paulo ...43

1.5 Desigualdade social e negação de direitos...45

2. POBREZA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS 2.1 Pobreza e a Constituição Federal de 1988...52

2.2 Direito fundamental a não ser pobre?...59

3. POBREZA, DESENVOLVIMENTO E SISTEMA BANCÁRIO 3.1 Direito ao desenvolvimento...62

3.2 Taxas de juros sob a perspectiva do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo...69

4. EXCEDENTES E REDISTRIBUIÇÃO DE RENDA 4.1 Pobreza e a mundialização do capital...74

4.2 Excedentes bancários e a pobreza no Brasil...78

CONCLUSÃO...82

(11)

INTRODUÇÃO

A pobreza, apesar de não ser um tema novo, é assunto de relevância na atualidade e vem sendo colocada em pauta nas agendas internacionais, assentando- se, inclusive, como matéria de importância e destaque no cenário acadêmico.

Nas últimas décadas, foram grandes os avanços conquistados na luta para a erradicação da pobreza extrema e, segundo o último relatório acerca do tema emitido pelo Banco Mundial, o índice de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, que atualmente é de US$ 1,90 ao dia, sofreu significativa queda, passando de 1.9 bilhão de pessoas em condições de extrema pobreza no mundo, ano de 1990, para 736 milhões, em 2015

1

.

No entanto, apesar dos avanços conquistados ao longo desse período, muito ainda há que ser feito, principalmente para que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 01

2

da Organização das Nações Unidas (ONU) seja efetivamente alcançado até 2030. Para tanto, o Banco Mundial indica a necessidade de se compreender a fundo o conceito de pobreza e a sua multidimensionalidade,

1

World Bank. 2018. Poverty and Shared Prosperity 2018: Piecing Together the Poverty Puzzle.

Washington, DC: World Bank. © World Bank. Disponível em

<https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/30418>

2

“Objetivo 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares

1.1 Até 2030, erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares, atualmente medida como pessoas vivendo com menos de US$ 1,90 por dia

1.2 Até 2030, reduzir pelo menos à metade a proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões, de acordo com as definições nacionais 1.3 Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis

1.4 Até 2030, garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e vulneráveis, tenham direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a serviços básicos, propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, herança, recursos naturais, novas tecnologias apropriadas e serviços financeiros, incluindo microfinanças

1.5 Até 2030, construir a resiliência dos pobres e daqueles em situação de vulnerabilidade, e reduzir a exposição e vulnerabilidade destes a eventos extremos relacionados com o clima e outros choques e desastres econômicos, sociais e ambientais

1.a Garantir uma mobilização significativa de recursos a partir de uma variedade de fontes, inclusive por meio do reforço da cooperação para o desenvolvimento, para proporcionar meios adequados e previsíveis para que os países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos, implementem programas e políticas para acabar com a pobreza em todas as suas dimensões

1.b Criar marcos políticos sólidos em níveis nacional, regional e internacional, com base em estratégias

de desenvolvimento a favor dos pobres e sensíveis a gênero, para apoiar investimentos acelerados

nas ações de erradicação da pobreza.” Disponível em <https://nacoesunidas.org/pos2015/ods1/>

(12)

apresentando, inclusive, indicadores complementares à linha de pobreza estabelecida em US$ 1,90 por dia.

O problema da pobreza extrema não se apresenta apenas como uma questão retórica, mas, principalmente, como um problema empírico, ou seja, todo ser humano tem direito a uma vida digna, a ter pleno acesso a meios de subsistência básicos, podendo, assim, desenvolver, amplamente, suas capacidades suas capacidades no exercício da cidadania e, não apenas sobreviver. Trata-se, precipuamente, do respeito à dignidade da pessoa humana e da concretização dos direitos humanos a todos, em especial, para o presente estudo, o direito ao desenvolvimento.

Tomando por pano de fundo a sistemática de proteção da dignidade da pessoa humana, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) traz em seu artigo 25.1 que “todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar”

3

, apontando alguns direitos básicos para tanto, como alimentação, habitação, segurança em caso de desemprego, entre outros. Do mesmo modo, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) aponta, em seu artigo 11.1: “o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condições de vida.”

4

Além dos referidos regramentos, existem outras diversas normas internacionais que têm por escopo a pobreza extrema e o direito ao desenvolvimento às vistas ao respeito à dignidade da pessoa humana, melhoria do bem-estar e redução das desigualdades sociais. De forma a guiar a atuação dos Estados, a ONU estabeleceu Princípios Orientadores relativos à extrema pobreza e aos direitos humanos, firmando o entendimento de que a erradicação da pobreza, mais do que dever moral, figura principalmente como uma obrigação legal decorrente de todo o

3

ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, disponível em

<https://unesdoc.un-esco.org/ark:/48223/pf0000139423>

4

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi promulgado e entrou em vigor

no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 591 de 6 de julho de 1992. Texto disponível

em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>

(13)

arcabouço normativo em vigor

5

, além de apontar a pobreza como causa e consequência de violação dos direitos humanos.

A pobreza é em si uma das preocupações mais urgentes dos direitos humanos. Ela é uma causa, bem como uma consequência de violações de direitos humanos e uma condição que possibilita a ocorrência de outras violações. A extrema pobreza não se caracteriza apenas por múltiplas violações de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais que ressurgem, como também através de situações em que as pessoas que geralmente vivem na pobreza de privações contantes (sic) de sua dignidade e igualdade .

6

A persistência da pobreza obsta a realização dos direitos humanos, violando frontalmente a dignidade da pessoa humana. Da mesma forma, a erradicação da pobreza extrema permite a concretização dos referidos direitos, assegurando a todos uma existência digna e bem-estar. Dessa forma, o direito ao desenvolvimento está intimamente ligado à erradicação da pobreza, uma vez que a concretização deste direito está umbilicalmente relacionada com a garantia de bem-estar geral, garantindo direitos fundamentais e, portanto, eliminando toda e qualquer forma de pobreza.

Por conseguinte, extrai-se a complexidade envolvendo o conceito de pobreza, cuja temática ganhou força no cenário internacional e nacional nos últimos anos, intensificando os estudos acerca do tema e conferindo destaque à compreensão de que a pobreza, mais do que uma questão econômica, é um fenômeno multidimensional, caracterizada tanto pela ausência de recursos, como pela falta de capacidades básicas para viver com dignidade.

A partir das décadas de 60 e 70, o desenvolvimento, conceito intimamente ligado à ideia de superação da pobreza, deixa de ser visto apenas como uma meta unicamente econômica e passa a ser elevado à categoria de direito humano, firmando-se a compreensão de que o desenvolvimento não retrata o mero crescimento econômico, mas vai além, abrangendo outras dimensões imprescindíveis à plena realização e proteção da dignidade humana.

Dessa forma, a pobreza é tomada pela sua multidimensionalidade, de modo que o enfoque baseado na renda por si só não basta ao desenvolvimento do tema. A

5

ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS. Princípios Orientadores relativos a extrema pobreza e

direitos humanos. 18 de Julho de 2012. Disponível em

<https://www.ohchr.org/Documents/Issues/EPoverty/GuidingPrinciplesin-Portuguese.pdf>

6 ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS. Princípios Orientadores relativos a extrema pobreza e

direitos humanos. 18 de Julho de 2012. p. 04 Disponível em <https://www.ohchr.org/Documents/Issu-

es/EPoverty/GuidingPrinciplesin-Portuguese.pdf>

(14)

pobreza deve ser abordada em toda a sua extensão, tanto como privação de recursos básicos e um problema de distribuição de renda, quanto como, na lição de Amartya Sen, ausência de capacidades básicas.

De tal sorte, tomando o Direito por base, vislumbra-se a importância do estabelecimento de uma infraestrutura econômica e medidas efetivamente eficazes a uma melhor distribuição de renda e melhoria na qualidade de vida de toda a população, pontuando-se a importância da afirmação do direito ao desenvolvimento como meio de combate à pobreza.

Assim, coloca-se em foco o papel do Estado e do Direito para a efetiva erradicação da pobreza e, como defende Jeffrey Sachs, para que se possa efetivamente alcançar este objetivo, devem ser feitas as escolhas certas, ou seja, deve-se buscar alternativas concretas e eficientes à superação da pobreza, dando-se efetivo respeito pela vida humana

7

.

Partindo de sobredito referencial teórico, o presente estudo visa trazer à discussão acadêmica a problemática envolvendo a pobreza, principalmente a pobreza extrema, tendo por foco prioritário o Direito e seus mecanismos, visando à proteção da dignidade da pessoa humana e do direito à igualdade social, imperativos que dão substrato à organização política e social do Brasil.

O trabalho visa responder aos seguintes questionamentos: 1) Como se dá o tratamento constitucional da pobreza no Brasil? 2) Qual o papel do Estado e do direito ao desenvolvimento frente à caminhada para a superação da pobreza extrema? 3) Qual a importância dos excedentes bancários à superação da pobreza extrema?

Assim, para melhor compreensão e imersão no universo que circunda o tema em análise, no Primeiro Capítulo, será abordada a pobreza e sua forma de compreensão e conceituação, trazendo para a discussão o conceito de pobreza, o enfoque dado pelo Banco Mundial e pela doutrina, em especial o pensamento de Amartya Sen, pautado nas capacidades. Frisa-se a importância do aspecto econômico ao estudo, não se limitando a este. Desta forma, busca-se compreender a multidimensionalidade da pobreza e seu pano de fundo histórico no Brasil.

7

“Compreendi cada vez mais o abismo existente entre o que o mundo rico diz que está fazendo para

ajudar os pobres e o que de fato faz”. SACHS, Jeffrey D. O fim da pobreza: como acabar com a miséria

mundial nos próximos vinte anos. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 28

(15)

Traçadas as premissas básicas ao desenvolvimento do tema, passa-se à compreensão de sua extensão no Brasil, de forma que serão apontados alguns dados envolvendo a pobreza, tanto a nível nacional quando a nível regional, tomando-se o Estado de São Paulo como o enfoque prioritário.

Optou-se pelo Estado de São Paulo em razão da importância do Tribunal de Justiça Paulista, além de ser o estado mais populoso do Brasil, totalizando mais de 45 milhões de habitantes. Ademais, a economia paulista responde por aproximadamente 32,2% do PIB brasileiro e sua Capital, a cidade de São Paulo, figura como o principal centro financeiro e corporativo da América do Sul.

Fixado o panorama central envolvendo a pobreza no Brasil e no Estado de São Paulo, será retratada a estreita correlação entre a pobreza e a desigualdade social, caracterizando-a como um fenômeno de negação e violação de direitos, principalmente os direitos fundamentais.

No Segundo Capítulo, foi analisada a relação entre Direito e pobreza, estabelecendo as previsões da Constituição Federal de 1988, a qual dispõe ser a erradicação da pobreza um dos objetivos fundamentais da República (art. 3º, III, da CF). Apresentados os enfoques constitucionais e jurídicos que recaem sobre o tema, passou a ser analisado se há um direito fundamental a não ser pobre.

No Terceiro Capítulo, será analisado o direito ao desenvolvimento e a inserção da temática na agenda internacional. Posteriormente, será abordada a disciplina legal vigente quanto à limitação da taxa de juros remuneratórios, analisando- se a eventual limitação das referidas taxas, com enfoque na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Por fim, no Quarto Capítulo, constatada a existência de um grande excedente advindo do sistema bancário, o tópico se destinará à análise deste excedente bancário como alternativa à superação da pobreza, a fim de trazer à discussão acadêmica a necessidade de preservar-se a vida humana, de forma que a riqueza se trata apenas de meio e não do fim supremo que o Estado deve buscar.

A metodologia escolhida foi a pesquisa empírica, juntamente com pesquisa

de dados (quantitativa) e das principais normas envolvendo o tema. A pesquisa

empírica foi desenvolvida com base nos principais autores sobre a temática da

(16)

pobreza, além de relatórios de organizações internacionais e órgãos nacionais. Os dados colhidos são das fontes oficiais, tanto organizações internacionais, quanto órgãos nacionais relacionados. No que concerne às legislações, a intenção é apresentar o tratamento constitucional conferido ao tema da pobreza no Brasil.

Por todo o exposto, a presente dissertação tem por escopo levar à discussão

acadêmica uma alternativa à superação da pobreza extrema, tomando por foco

prioritário a dignidade humana, o direito ao desenvolvimento e os excedentes

bancários, a fim de traçar um caminho mais justo e equânime.

(17)

1. A QUESTÃO DA POBREZA EXTREMA 1.1 A pobreza sob a ótica do Banco Mundial

A efetiva compreensão da extensão do conceito de pobreza é de grande importância e relevância ao desenvolvimento do presente estudo. Com o entendimento do vasto espectro que abrange e circunda a pobreza e sua forma de expressão, é possível identificar, com melhor precisão, suas causas e traçar objetivos e metas concretas que possam, ser de fato, cumpridas com o fim de superar a pobreza, principalmente a pobreza extrema.

Durante muito tempo, a pobreza foi examinada unicamente pela ótica econômica na perspectiva acadêmica, sendo considerados pobres àqueles de rendas baixíssimas ou escassas. Para tanto, o Banco Mundial passou a categorizar a pobreza tomando por base a renda diária auferida pelas famílias, instituindo a linha da pobreza, que atualmente é de USD 1,90 por dia

8

.

Assim, sob o enfoque monetário, são consideradas pobres àquelas famílias cuja renda familiar diária seja igual ou inferior a USD 1,90, o equivalente a USD 57,00 mensais

9

. Ou seja, o correspondente em reais a R$ 7,37 diários ou R$ 221,18 mensais

10

.

No entanto, há que se considerar que a pobreza não é uma questão unicamente econômica. Muito além da insuficiência de renda, trata-se de um fenômeno multidimensional que engloba a falta de recursos e capacidades básicas para se viver com dignidade. Traduz-se, inclusive, na falta de oportunidades para se viver uma vida plena, com igualdade e qualidade de acesso e gozo a itens básicos.

8

“A linha de pobreza “US$1 por dia" historicamente baseou-se na linha de pobreza, comumente encontrada em países de baixa renda. Esta linha foi posteriormente atualizada para US $1,25 por dia em preços de 2005, que foi a média das linhas de pobreza nacionais nos 15 países mais pobres. A linha de pobreza internacional mais recente é de US $1,90 por dia, em preços de 2011.” Tradução livre, disponível em <http://iresearch.worldbank.org/PovcalNet/introduction.aspx>.

9

Indicador baseado na paridade do poder de compra. Estimativa com base em um mês de trinta dias.

10

Conversão efetivada com base na PTAX dólar do Banco Central em 16/08/2018

<https://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp?id=txcotacao>

(18)

A pobreza se manifesta de diversificadas formas, ultrapassado o critério de renda per capita

11

. Essa compreensão do caráter multifacetado da pobreza se demonstra de extrema relevância, principalmente à consecução e delimitação de meios à sua superação.

Não que o aspecto econômico não seja relevante ao assunto. Das privações econômicas decorrem outras privações ainda mais significativas, que afetam frontalmente a dignidade humana, tais como falta de acesso à educação, saúde, transporte, saneamento básico, alimentação e moradia adequadas. No entanto, para que seja possível a efetiva erradicação da pobreza, o enfoque econômico não se basta. Necessita-se mais. É preciso entender e atacar a pobreza em toda sua expressão e extensão. Isto permite ao poder público criar e direcionar políticas com fim de suprir carências existentes no âmbito social e permitir o amplo desenvolvimento das capacidades humanas.

E foi justamente calcado na visão multidimensional da pobreza que o Banco Mundial apresentou seu último relatório “Poverty and Shared Prosperity 2018: Piecing Together the Poverty Puzzle”

12

. O relatório demonstra um grande avanço ao tema dentro da perspectiva do Banco Mundial, visto que referida organização passa a reconhecer e a utilizar em seus estudos e estatísticas a pobreza como um conceito multidimensional, defendendo a necessidade de crescimento econômico aliado a outras dimensões importantes ao desenvolvimento humano e melhor distribuição de renda para efetiva erradicação da pobreza.

Do mesmo modo aponta o relatório “Investments to end poverty” (2013) que o objetivo de erradicar a pobreza extrema até 2030 se apresenta como uma meta possível se os benefícios do crescimento econômico forem distribuídos mais equitativamente. No entanto, da mesma forma aponta que se forem mantidos os padrões atuais, o crescimento econômico, única e exclusivamente, não será suficiente ao objetivo traçado

13

.

11

Critério definido de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo Banco Mundial que considera a renda mensal auferida pelas famílias a fim de traçar a linha da pobreza.

12

Disponível em < https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/30418 >

13

Investments to end poverty: real money, real choices, real lives. Bristol: Development Initiatives Ltd,

2013. p. 18. Disponível em <http://devinit.org/wp-content/uploads/2013/09/Investments_to_End_P-

overty_full_report.pdf>

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Apesar da multidimensionalidade da pobreza não ser um tema novo

14

, se assenta com um avanço relevante a inclusão da multidimensionalidade da pobreza na agenda do Banco Mundial, que é uma das principais organizações internacionais, cujo critério utilizado para mensurar a pobreza é tomado por base mundo afora.

Neste último relatório do Banco Mundial, se observa grande avanço em relação ao enfrentamento da pobreza, aprofundando-se a compreensão da extensão de seu conceito, sendo apresentada a importância de dois outros indicadores, complementares à linha de pobreza monetária de US$ 1,90 por dia; são indicadores que elevaram a linha de pobreza a US$3,20 e US$5,50 por dia, indicadores estes derivados da necessidade encontrada de se auferir com melhor precisão a pobreza em países de renda média e renda média-alta.

O Banco Mundial aponta a necessidade destes critérios complementares à linha de pobreza de US$1,90, sustentando tal necessidade no fato de que houve um grande avanço no combate à pobreza, onde milhões de pessoas deixaram a linha de pobreza de US$1,90 por dia. No entanto, apesar do avanço feito

15

e apesar daqueles que superaram a linha de pobreza, essas pessoas, ainda assim, se encontravam em situação de vulnerabilidade, principalmente se considerados os países de renda média, apontando que

não podemos esquecer o sofrimento de bilhões de pessoas que vivem acima de US$ 1,90, que ainda são muito pobres para os padrões de suas próprias sociedades. (...) Certamente, o mundo não poderia considerar-se livre da pobreza se a maioria dos países atingir a taxa de 3%, enquanto perduram grandes bolsões de pobreza extrema. Para ter uma melhor compreensão do que significa para acabar com a pobreza, precisamos de mais maneiras de medir e conceituar o problema.

16

Frise que isto decorre da compreensão da complexidade do conceito de pobreza, inclusive da compreensão de quais necessidades básicas que não atendidas levam a um determinado indivíduo ser considerado em situação de pobreza extrema, o que varia de acordo com cada região, com cada cultura. Desse modo, o Banco

14

O tema já o foi assim abordado Amartya Sen, que conduziu amplo debate no início dos anos 1980.

15

Segundo o relatório Poverty and Shared Prosperity 2018: Piecing Together the Poverty houve um grande avanço na redução da pobreza extrema entre os anos de 1990 e 2015. Em 1990, 1.9 bilhão de pessoas vivam abaixo da linha da pobreza. Já em 2015 observa-se uma significativa redução nesse número, correspondendo a 736 milhões de pessoas no mundo vivendo abaixo da linha de pobreza.

Disponível em < https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/30418>

16

World Bank. 2018. Poverty and Shared Prosperity 2018: Piecing Together the Poverty Puzzle.

Washington, DC: World Bank. © World Bank. p. 03; tradução livre. Disponível em

<https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/30418>

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Mundial, ao alargar suas pesquisas e tomando tal assertiva por base, verificou que mesmo uma pessoa saindo do nível de pobreza extrema, ultrapassando a linha de US$ 1,90 por dia, ela ainda se encontrava em situação de vulnerabilidade, podendo, inclusive, regredir e retornar ao nível de pobreza extrema.

Assim, considerando que “para realmente colocar um fim à pobreza, agora também temos de pensar mais amplamente e reconhecer a maior complexidade inerente ao conceito de pobreza no mundo”

17

, o Banco Mundial apresentou os referidos critérios complementares à linha de pobreza instituída, para que estes tragam dados mais aprofundados da pobreza em países de renda média e renda média-alta, além de poder empregar maiores esforços no combate e erradicação da pobreza e, primordialmente, manutenção dos avanços conquistados.

Indo mais além, o Banco Mundial passou a compreender que o aspecto econômico, e que as medidas baseadas em renda, não englobam todos os aspectos inerentes ao bem-estar do homem, fim último a ser perseguido. Neste sentido, pontua que

os pobres não carecem só de renda. A pobreza também se materializa como baixa escolaridade, problemas de saúde e nutrição exposição a insegurança física e riscos naturais e as condições de vida precárias. No mundo, uma grande parte das famílias extremamente pobres não tem nenhum membro adulto com escolaridade primária, e em muitas famílias, pelo menos uma criança em idade escolar (até 8 anos de idade) está fora da escola. Os pobres são também mal servidos em serviços essenciais como padrões aceitáveis de eletricidade, água potável e instalações sanitárias adequadas.

18

Dessa forma, além de incluir critérios complementares à linha de pobreza de US$ 1,90 por dia, o Banco Mundial, ampliando os dados para análises da pobreza, apresenta um índice para auferir a pobreza multidimensional. Referido índice tem por base duas dimensões importantes: a primeira, que considera índices de consumo ou renda, denominada de dimensão de bem-estar, e uma segunda, que inclui itens de educação e outras utilidades, tais como infraestrutura, acesso a água e saneamento.

Por fim, conclui-se que sob a ótica do Banco Mundial o enfoque da renda, precipuamente à concentração de renda como meio exclusivo à superação da

17

World Bank. 2018. Poverty and Shared Prosperity 2018: Piecing Together the Poverty Puzzle.

Washington, DC: World Bank. © World Bank. p. 17; tradução livre. Disponível em

<https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/30418>

18

World Bank. 2018. Poverty and Shared Prosperity 2018: Piecing Together the Poverty Puzzle.

Washington, DC: World Bank. © World Bank. p. 39; tradução livre. Disponível em

<https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/30418>

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pobreza, é ultrapassado, restando demonstrado a estreita correlação entre a renda e as capacidades

19

; que quanto maiores e melhores capacidades as pessoas têm, maiores as chances e maior o potencial de se livrar da pobreza.

1.2 Afinal, o que é pobreza? A multidimensionalidade da pobreza

Partindo da percepção da multidimensionalidade da pobreza, Amartya Sen a identifica como privação de liberdades, correlacionando o processo de desenvolvimento à superação da pobreza. Por desenvolvimento, entende que este

“consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente”

20

Wagner Balera, por sua vez, entende que o desenvolvimento “é sobretudo um processus envolvente de quatro dimensões principais: a) econômica; b) social; c) cultural; e d) política”

21

, o qual possui, por foco prioritário, estabelecer equidade entre todos os povos. Assim, sustenta o desenvolvimento no plano econômico pela igual participação de todos os seres humanos dos benefícios propiciados pelas riquezas econômicas e, na esfera social, pela inclusão de todos, permitindo que todos tenham acesso as políticas de bem-estar social asseguradas pelo Estado. No que atine ao âmbito cultural, defende que o desenvolvimento impõe o respeito e valorização de todas as culturas e, por fim, na esfera da política, se assenta como elo fundamental para que as relações entre as nações e pessoas tenha o humanismo em primeiro plano. Ou seja, compreende a estreita ligação entre o direito ao desenvolvimento e a dignidade humana, tendo, por prioritário ao desenvolvimento, estabelecer equidade entre todos os povos, permitindo a evolução de bem-estar humano.

Em arremate, Robério Nunes dos Anjos Filhos afirma que

a noção de desenvolvimento está vinculada à melhoria qualitativa das condições de vida da população, pela transformação da economia, que

19

World Bank. 2018. Poverty and Shared Prosperity 2018: Piecing Together the Poverty Puzzle.

Washington, DC: World Bank. © World Bank. Disponível em

<https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/30418>

20

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo:

Companhia das Letras, 2010. p. 10

21

BALERA, Wagner. Declaração sobre o direito do desenvolvimento anotada. Curitiba: Juruá, 2015.p

22

(22)

passaria a corresponder a um modelo moderno, eficiente, e inclusivo. O processo de desenvolvimento altera não só estruturas econômicas e produtivas, mas também sociais, institucionais e políticas, significando aumento da produção acompanhado do incremento da renda e da capacidade econômica da população.

22

Defende, desta forma, que “no pensamento jurídico contemporâneo o desenvolvimento não é mais tratado apenas como uma pretensão ou uma meta puramente econômica, mas sim como um verdadeiro direito humano.”

23

Assim, a partir de tais premissas, observa-se a estreita correlação entre o direito ao desenvolvimento e a pobreza, de modo que, superar a pobreza, é imperativo ao processo de desenvolvimento. O enfoque central dado ao tema

24

parte da correlação traçada entre a pobreza e a falta de capacidades e liberdades

25

dos indivíduos, principalmente para suprir suas necessidades, além da falta de oportunidades para se viver uma vida digna.

Logo, partindo do pressuposto de que a compreensão da pobreza vai muito além da renda, Amartya Sen aponta a necessidade das capacidades humanas à conversão de renda e efetiva liberdade de escolha,de for de forma que sejam desenvolvidas as capacidades humanas conferindo aos indivíduos a “condição de agente”, de participar ativamente da sociedade, da democracia, da vida cultural, social e econômica.

O processo de desenvolvimento, considerado pel a perspectiva apresentada por Amartya Sen, se caracteriza pela eliminação das mais diversas restrições que coíbem os indivíduos de praticar livremente suas escolhas, além daquelas que dificultam suas oportunidades de exercer plenamente sua ação racional.

A pobreza se apresenta como uma das principais fontes de privação das liberdades humanas, de sorte que muitos são os que têm pouco ou quase nenhum acesso a serviços de saneamento básico, saúde ou água tratada. E ainda, sem acesso a itens de necessidade básica, muitos acabam sucumbindo à morte prematura e

22

ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 21

23

ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 15

24

SEN, Amartya. A ideia de justiça. 3ª reimpressão. Tradução: Ricardo Donielli Mendes Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2011

25

Conforme conceito extraido de Sen, 2010, a liberdade humana aqui é compreendida como

possibilidade de expansão das capacidades do indivíduo para que este possa levar o tipo de vida que

valorize.

(23)

outros tantos passam a vida lutando contra descabida morbidez

26

. Em razão da pobreza, os indivíduos são privados de ter condições de vida digna e de ter suas necessidades humanas fundamentais atendidas, de forma que dela decorrem privações que tolhem a liberdade dos indivíduos de “saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriada, de ter acesso a água tratada ou saneamento básico”

27

, ou ainda de poder participar ativamente da vida política e social da comunidade a que pertencem.

Dessa forma, como elucida Amartya Sen, a pobreza é forma de privação de liberdades; liberdades estas não só sociais, mas também políticas, civis e econômicas. A pobreza não impinge apenas uma condição econômica, social e cultural inadequada, mas também afronta frontalmente a cidadania. Neste sentido, ao definir a pobreza, a ONU aponta que

em 2001, o Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabeleceu que a pobreza é "uma condição humana caracterizada pela privação contínua ou crônica de recursos, capacidades, escolhas, segurança e do poder necessário para o gozo de um nível de vida adequado e para o gozo de outros direitos civis, políticos, culturais, econômicos, e sociais”

(E/C.12/2001/10, para. 8). Por seu turno, a extrema pobreza, foi definida como "a combinação da pobreza de recursos, pobreza de desenvolvimento humana e exclusão social" (A/HRC/7/15, para. 13), sendo que a falta prolongada de meios básicos de segurança afeta vários aspectos da vida das pessoas simultaneamente, enquanto se põe em causa de uma forma grave a possibilidade dessas pessoas poderem vir a exercer ou recuperar os seus direitos no futuro previsível

28

Logo, para que se alcance as liberdades e as capacidades essenciais, devem ser conferidas oportunidades sociais, políticas e econômicas. Conforme defende Amartya Sen, o maior ou menor êxito do indivíduo no desenvolvimento pleno de suas capacidades, atuando na sociedade como agente de mudança, depende diretamente das oportunidades dispostas ao longo de sua existência, de forma que “o que as pessoas conseguem positivamente realizar é influenciado por oportunidades

26

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo:

Companhia das Letras, 2010. p. 29

27

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo:

Companhia das Letras, 2010. p. 17

28

ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS. Princípios Orientadores relativos a extrema pobreza e

direitos humanos. 18 de Julho de 2012. p. 04-05 Disponível em <https://www.ohchr.org/Documen-

ts/Issues/EPoverty/GuidingPrinciplesin-Portuguese.pdf>

(24)

econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras como boa saúde, educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas.”

29

Portanto, as oportunidades que cada um possui ao longo da vida interferem diretamente em suas chances e capacidade de viver uma vida digna; se aos indivíduos fossem dadas oportunidades adequadas, estes poderiam moldar sua própria vida e destino, inclusive ajudar uns aos outros, desempenhando papel positivo e relevante ao processo de desenvolvimento

30

.

A pobreza, portanto, ultrapassa a seara do “ter”, indo muito além da mera retenção de renda, conectando-se profundamente à essência humana e ao desenvolvimento do ser humano em todas as suas facetas, queiram elas físicas, psíquicas, sociais, culturais e espirituais. Pedro Demo elucubra que

Estamos habituados a ver pobreza como carência material, no plano do ter:

é pobre quem não tem renda, emprego, habitação, alimentos, etc. Esta dimensão é crucial e não poderia, em momento algum, ser secundarizada.

Mas a dinâmica da pobreza não se restringe à esfera material do ter. Avança na esfera do ser e, possivelmente, alcança aí intensidades ainda mais comprometedoras. Mais drástico do que não ter mínimos materiais para sobreviver é não ser nada na vida.

31

Seguindo a lição de José Bengoa

A pobreza é um conceito de difícil definição, porém todo o mundo entende quando ela é mencionada. Talvez seja porque cada qual, cada indivíduo, sabe perfeitamente o que seria para ele e sua família uma situação de pobreza. Para um poderia ser não comer, para outro se vestir pobremente;

para um terceiro, baixar seu nível de vida habitual. É um conceito que provoca temor, e em alguns casos terror. Ao mesmo tempo suscita compaixão pelo o outro, até quem está na indesejada condição de pobreza. Portanto, as definições habituais acerca da pobreza acabam sendo muito imprecisas. Se fala que a “pobreza absoluta” seria aquela em que a pessoa não pode se alimentar com o mínimo suficiente para sua sobrevivência fisiológica. A antropologia tem mostrado a relatividade desses mínimos fisiológicos, os que sempre estão determinados culturalmente. É por isso que quando falamos de pobreza, muito poucas vezes estamos nos referindo a critérios absolutos. A pobreza é um conceito essencialmente relativo. A pobreza é, num geral, o olhar dos não pobres sobre os pobres.

32

A caracterização da pobreza não se restringe às mazelas físicas, por exemplo desnutrição, saúde frágil, entre outras. Tais aspectos são consequências de pessoas

29

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo:

Companhia das Letras, 2010. p. 18

30

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo:

Companhia das Letras, 2010. p. 26

31

DEMO, Pedro. Pobreza política: pobreza humana. Fundação Sintaf.. Disponível em

<http://www.fundacaosintaf.org.br/arquivos/File/Pobreza%20Poltica%20-%20Pedro%20Demo.pdf>

32

Bengoa, José. Pobreza y vulnerabilidad. Temas Sociales, Vol. 10. Santiago de Chile: Ediciones SUR,

abril, 1996. p. 03 Disponível em <http://www.sitiosur.cl/r.php?id=259>

(25)

tolhidas de sua liberdade de direcionar e desenvolver seu caráter e suas faculdades mentais, ou seja, tolhidas do desenvolvimento humano tomado como um todo.

Destarte, de acordo com a lição de Amartya Sen, a pobreza não se assenta apenas pela ausência de bens materiais, mas também, e principalmente, pela privação da real liberdade de escolha no tipo e estilo de vida que cada indivíduo pretende levar. O pobre não é apenas aquele que não possui bens materiais, mas também aquele privado de levar uma vida digna.

Esta é uma das mais dramáticas realidades evidenciadas pela pobreza.

Indivíduos ceifados de sua liberdade de escolha e desenvolvimento passam a viver à margem da sociedade e, consequentemente, são encarados como estorvos, pessoas improdutivas que nada tem a acrescer à sociedade. Não bastasse, como aponta Walquiria Leão Rego em sua obra

a situação de pobreza material aguda resulta em sentimentos de humilhação, em falta de autoestima e autorrespeito e, mais em geral, num sentimento de alienação perante o seu mundo que pode até levar a perturbações psicológicas de vários tipos.

33

Indo ao encontro do quanto defendido por Walquiria Leão Rego, existe um estigma na sociedade de que o pobre é o responsável pelo seu fracasso econômico e social. Reforçam-se ainda mais os preconceitos assentes, ampliando o abismo existente entre as classes mais favorecidas e àquelas mais miseráveis, a quais levam imbuídas em si a humilhação e vergonha pela pobreza.

A humilhação por muitos deles sentida implica na perda do autorrespeito, além do sentimento de vergonha, sendo, conforme delineado por Walquiria Leão Rego, uma das dimensões da humilhação experimentada pelos mais miseráveis a

interiorização por parte do pobre da imagem negativa que a sociedade (ou parte dela) constrói dele. As pessoas humilhadas pela sociedade são levadas a pensar que merecem tal humilhação e que sua situação humilhante é consequência de uma falta por parte delas. Interpretam sua inferioridade econômica e social como inferioridade intelectual e volitiva e, portanto, aceitam sua condição e a consideram como o resultado de um fracasso pessoal, não de um arranjo socioeconômico determinado.

34

Além de não terem condições mínimas à uma vida digna, a miséria impinge no indivíduo o sentimento de humilhação e derrota. São pessoas humildes, com

33

REGO, Walquiria Leão. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. São Paulo: Unesp, 2014. p. 58

34

REGO, Walquiria Leão. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. São Paulo: Unesp,

2014. p. 56

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pouquíssima ou nenhuma educação formal, que acabam cada vez mais sendo tolhidas de sua cidadania e identidade como indivíduo participante da sociedade. São pessoas que, como bem delineado pela ONU, vivem na extrema pobreza e “passam por ciclos viciosos de desempoderamento, stigmatização, discriminação, exclusão e privação material, aspectos esses que se reforçam mutuamente.”

35

Amartya Sen a respeito do tema destaca que

a pobreza deve ser vista como privação de capacidades básicas em vez de meramente como baixo nível de renda, que é o critério tradicional de identificação da pobreza. A perspectiva da pobreza como privação de capacidades não envolve nenhuma a negação da ideia sensata de que a renda baixa é claramente uma das causas principais da pobreza, pois a falta de renda pode ser uma razão primordial da privação de capacidades de uma pessoa. Uma renda inadequada é, com efeito, uma forte condição predisponente de uma vida pobre.

36

A deficiência de renda não se exclui do conceito de pobreza e está intimamente ligada a deficiência de aptidões e capacidades dos indivíduos. Isto porque, conforme lição de Amartya Sen, quanto menos aptidões maiores as dificuldades de auferir renda.

pessoas diferentes podem ter oportunidades completamente diferentes para converter a renda e outros bens primários em características da boa vida e no tipo de liberdade valorizada na vida humana. Assim, a relação entre os recursos e a pobreza é variável e profundamente dependente das características das respectivas pessoas e do ambiente em que vivem – tanto natural como social.

37

Destarte, verifica-se que a inacessibilidade a serviços e bens primários gera um ciclo vicioso, incapacitando o ser humano inserido nesta sistemática de mudar sua situação. Nota-se, também, que mesmo quando fornecidos bens necessários à subsistência, mas sem o acesso aos serviços básicos, da mesma forma não se propicia ao indivíduo uma subsistência digna. Neste sentido, a ONU pontua que

As pessoas que vivem sobre a pobreza enfrentam obstáculos - físico, econômico, cultural e social - muito difíceis para acederem aos seus direitos e entitulamentos. Por conseguinte, elas sofrem de muitas privações relacionados e que se reforçam mutuamente – incluindo as péssimas condições de trabalho, habitação insegura, falta de alimentos nutritivos, acesso desigual a justiça, falta de poder político e limitado acesso aos

35 ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS. Princípios Orientadores relativos a extrema pobreza e

direitos humanos. 18 de Julho de 2012. p. 04-05 Disponível em <https://www.ohchr.org/Documen- ts/Issues/EPoverty/GuidingPrinciplesin-Portuguese.pdf>

36

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo:

Companhia das Letras, 2010. p. 120

37

SEN, Amartya. A ideia de justiça. 3ª reimpressão. Tradução: Ricardo Donielli Mendes Denise

Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. P. 289

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cuidados médicos – que lhes impede do gozo dos seus direitos e tornam a sua pobreza cada vez mais perpetua.

38

Em arremate, para que a pobreza seja efetivamente erradicada há que garantir meios básicos para a subsistência das pessoas, bem como, cumulativamente, desenvolvimento de suas capacidades individuais e maiores oportunidades.

Dessa forma, se observa a estreita ligação entre a pobreza e as chances restritas de vida dos indivíduos que vivem em contextos de vulnerabilidades e desigualdades sociais. Neste sentido, Amartya Sen aponta que

a relevância das inaptidões na compreensão das privações no mundo é muitas vezes subestimada, e esse pode ser um dos argumentos mais importantes para prestar atenção na perspectiva da capacidade. Pessoas com inaptidões físicas ou mentais estão não só entre os seres humanos mais necessitados do mundo, como também são, muitas vezes, os mais negligenciados. A magnitude do problema global das inaptidões no mundo é verdadeiramente gigantesca. Mais de 600 milhões de pessoas – cerca de um em cada dez seres humanos – vivem com alguma forma significativa de inaptidão.

39

A pobreza, portanto, se caracteriza por um ciclo vicioso

40

, onde os indivíduos, não tendo acesso a serviços e bens primários, não possuem aptidões e capacidades necessárias para fugir à pobreza, para transformar suas vidas restritas e cheias de privações. Da mesma forma, de nada adianta apenas conceder-lhes determinados bens necessários à subsistência, mas não investir no desenvolvimento das capacidades humanas.

Conclui-se que a pobreza deve ser encarada sob diversas perspectivas, de forma que não se deve buscar apenas o desenvolvimento com foco prioritário no crescimento econômico. Deve-se ir além, tendo por fundamental a redução da pobreza e a garantia de bem-estar nos objetivos a serem traçados tanto no plano interno quanto no plano internacional. Angela Kageyama e Rodolfo Hoffman, a respeito do tema, elucidam que

38 ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS. Princípios Orientadores relativos a extrema pobreza e

direitos humanos. 18 de Julho de 2012. p. 04 Disponível em <https://www.ohchr.org/Documen- ts/Issues/EPoverty/GuidingPrinciplesin-Portuguese.pdf>

39

SEN, Amartya. A ideia de justiça. 3ª reimpressão. Tradução: Ricardo Donielli Mendes Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 292

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Jeffrey Sachs aponta que “o problema fundamental para os países mais pobres é que a própria pobreza pode ser uma armadilha. Quando a pobreza é muito extrema, os pobres não têm a capacidade – por eles mesmos – de sair da enrascada.”. Mais à frente destaca que “os pobres enfrentam desafios estruturais que os impedem de pôr até mesmo o primeiro pé na escada do desenvolvimento.” SACHS, Jeffrey D. O fim da pobreza: como acabar com a miséria mundial nos próximos vinte anos. São Paulo:

Companhia das Letras, 2005. p. 85 e 265 .

(28)

A Declaração do Milênio, assinada por 189 países em setembro de 2000, reforçou a necessidade de ultrapassar a noção de desenvolvimento com foco apenas no crescimento econômico, colocando o bem-estar e a redução da pobreza no centro de seus objetivos e distinguindo a “pobreza pela renda” da

“pobreza humana”, a qual envolve, além da restrição de renda, a falta de capacidades básicas para alcançar uma vida plena e criativa e participar das decisões que afetam a comunidade. As necessidades básicas para o desenvolvimento humano devem compreender a capacidade de ter uma vida longa e saudável, ter acesso à educação e um padrão de vida decente (reduzindo a pobreza e a fome) e poder exercer as liberdades políticas e civis para participar da vida em comunidade.

41

Ao encontro deste entendimento, pautado no pensamento desenvolvido por Amartya Sen, é imperioso conferir a todos os indivíduos capacidades correlacionadas com a liberdade, para que estes tenham oportunidade de viver a vida de forma digna, tendo efetiva liberdade de optar pelo modo de vida que desejam levar. Essa é a real liberdade compreendida por Amartya Sen, liberdade que a todos deve ser conferida, de forma que cada um tenha o poder de escolher o rumo que prefere dar à sua vida e não apenas condicionar as escolhas de vida do indivíduo às esparsas opções e eventuais oportunidades existentes.

Como anteriormente pontuado, há relação direta de proporcionalidade entre maior liberdade e maiores oportunidades de vida, influindo na possibilidade de cada indivíduo alcançar seus objetivos de vida e viver com dignidade. À vista disso, as pessoas devem ter oportunidade e capacidade de escolher livremente quem desejam ser e como desejam levar a vida que valorizam, o que pode ser tornado possível por meio do processo de desenvolvimento, o qual, por sua vez, conduz ao empoderamento dos sujeitos. E maiores serão as vantagens quanto maiores forem as capacidades e, ainda sob o enfoque das capacidades, observa-se a ampla desigualdade existente, tema que será analisado mais a frente.

O conceito de capacidade, amplamente analisado por Amartya Sen, que se liga a pobreza, não se refere apenas a “ter”, mas também, e especialmente, a “ser”, de forma que todos possam “ser” efetivamente como queiram. O principal enfoque pela abordagem das capacidades

42

é a vida humana e não o aspecto econômico, que, apesar de relevante, não se demonstra suficiente por si só. A perspectiva das capacidades vai muito além, abarcando múltiplas áreas da vida.

43

Essa nova forma

41

KAGEYAMA, Angela; HOFFMAN, Rodolfo. Pobreza no Brasil: uma perspectiva multidimensional.

Economia e Sociedade, Campinas, v. 15, n. 1, p. 79-112, jan./jun. 2006. p. 87

42

Por capacidade utiliza-se o conceito dado por Sem que engloba o que a pessoa efetivamente é capaz de fazer, tem a opção de aceitar a oportunidade ou recusá-la.

43

Amartya Sen aborda a pluralidade de características de nossas vidas e preocupações.

(29)

de compreensão da pobreza e os aspectos a ela inerentes se assenta de grande importância à sua efetiva superação. A ONU, por meio do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de nº 1, ao propor a superação da pobreza em todos os seus aspectos

reforça a ampliação da noção de pobreza, tradicionalmente vinculada exclusivamente aos rendimentos dos indivíduos. Deste modo, o conjunto de indicadores proposto inclui informações para além das linhas internacional e nacional de pobreza, focadas exclusivamente nos rendimentos, como a mensuração do percentual da população coberta por pisos de proteção social, habitações com acesso aos serviços básicos, população com direito à posse da terra garantido, pessoas desaparecidas e afetadas por desastres, recursos alocados para programas de redução de pobreza e despesas em serviços essenciais (educação, saúde e proteção social), despesas com benefícios que afetam desproporcionalmente a mulheres, pobres e grupos vulneráveis, além de um indicador que contemple as pessoas vivendo na pobreza em todas as suas dimensões, de acordo com as definições nacionais.

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Destarte, a compreensão da pobreza gravita em torno de diversas considerações, não bastando limitar seu conceito à insuficiência de renda. Ou seja, a pobreza não pode, nem deve, ser medida simplesmente pelo critério de renda inadequada, mas também pelo acesso restrito a bens essenciais e pela negação e privação dos direitos fundamentais.

O desenvolvimento deve ser observado de forma complexa e interligada.

Devem haver políticas sociais lançadas para todos os campos necessários à superação da pobreza, para que seja plenamente garantida a possibilidade de se viver uma vida digna, com acesso a itens básicos, garantindo efetivo bem-estar e qualidade de vida a todos.

Não se pode deixar de lado a estreita correlação entre a renda e as capacidades. De acordo com o apurado nas obras de Amartya Sen, quanto maiores e melhores capacidades as pessoas têm, maiores as chances e maior o potencial de auferir renda e se livrar da pobreza. Até porque, se verifica a iminente relação entre a ampliação de oportunidades sociais - melhores recursos na educação, saúde, saneamento - com o desenvolvimento econômico. A melhoria da vida da população contribui ao desenvolvimento econômico.

44

ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS. Documentos temáticos: objetivos de desenvolvimento

sustentável 1, 2, 3, 5, 14. Brasília. Junho de 2017. p. 06 Disponível em <http://www.br.undp.org/c-

ontent/brazil/pt/home/library/ods/documentos-tematicos--ods-1--2--3--5--9--14.html>

(30)

Impende pontuar que, para a erradicação da pobreza se dê de forma efetiva, não basta que seja garantida apenas a sobrevivência e, sim, há que ser uma sobrevivência digna, com qualidade de vida e bem-estar, não devendo ser considerado somente as rendas de que cada um dispõe. Há que se garantir, portanto, condições materiais mínimas para uma vida digna, o que vai muito além ao direito a sobreviver. Angela Kageyama e Rodolfo Hoffman, acerca do conceito de pobreza, apontam que

A questão é como definir ou avaliar o que constitui a qualidade de vida. Sen introduziu a ideia de que o padrão ou qualidade de vida não se mede pela posse de um conjunto de bens, nem pela utilidade a eles inerente, mas reside nas capacidades (“capabilities”) dos indivíduos em utilizar esses bens para obter satisfação ou felicidade. O conceito de pobreza, então, pode assumir uma forma relativa no que se refere a quais bens são considerados indispensáveis para viver em determinada sociedade, mas tem um componente absoluto central no que se refere às capacidades.

45

Desta forma, o caminho para a erradicação da pobreza deve conjugar o desenvolvimento, aqui considerado de forma abrangente, com a ampliação de oportunidades sociais e expansão das capacidades humanas, concretizando os direitos humanos e garantindo-se o bem-estar. O foco prioritário se pauta nas capacidades e liberdades humanas, indo muito além do enfoque em renda, precipuamente à concentração de renda como meio exclusivo à erradicação da pobreza.

Confere-se, nesta sistemática, maior enfoque ao desenvolvimento, mas o desenvolvimento considerado de forma ampla, e não apenas restrito ao desenvolvimento econômico. Não se nega a relevância do crescimento econômico, este possui seu papel de importância, pois além de elevar as rendas privadas, permite a intervenção ativa do Estado na seara social, conferindo uma maior ampliação de serviços sociais. No entanto, os mais pobres se deparam com barreiras estruturais para escapar à pobreza, não bastando, para tanto, o crescimento econômico para a sua superação.

Desse modo, o aumento da renda não é fim que se busca. Acabar com as privações de renda é parte, de relevância sim, aos meios à superação da pobreza, mas não é seu fim e objetivo absoluto. O fim almejado é, antes de tudo, o aumento

45

KAGEYAMA, Angela; HOFFMAN, Rodolfo. Pobreza no Brasil: uma perspectiva multidimensional.

Economia e Sociedade, Campinas, v. 15, n. 1, p. 79-112, jan./jun. 2006. p. 82

(31)

das capacidades e liberdades das pessoas para viver uma vida digna. Adentrando na referida proposição, Amartya Sen esclarece que

a visão de liberdade aqui adotada envolve tanto os processos que permitem a liberdade de ações e decisões como as oportunidades reais que as pessoas têm, dadas as suas circunstâncias pessoais e sociais. A privação de liberdade pode surgir em razão de processos inadequados (como a violação do direito ao voto ou de outros direitos políticos ou civis), ou de oportunidades inadequadas que algumas pessoas têm para realizar o mínimo que gostariam (incluindo a ausência de oportunidades elementares como a capacidade de escapar de morte prematura, morbidez evitável ou fome involuntária).

46

Por conseguinte, a erradicação da pobreza não se resume apenas a uma equação econômica, há que se ter em mente a complexidade do conceito de pobreza e sua multidimensionalidade, deixando de lado o foco nos meios, principalmente a renda, para se dar ênfase aos fins à superação da pobreza, fins que as pessoas buscam em suas vidas, garantindo maiores oportunidades e liberdades, sendo, inclusive a liberdade fim e meio primordial ao desenvolvimento. Vale rememorar lição de Amartya Sen na qual

é importante não perder de vista o fato fundamental de que a redução da pobreza de renda não pode, em si, ser a motivação suprema de políticas de combate à pobreza. É perigoso segundo a perspectiva limitada da privação de renda e a partir daí justificar investimentos em educação, serviços de saúde etc. com o argumento de que são bons meios para atingir o fim da redução da pobreza de renda. Isso seria confundir os fins com os meios. As questões básicas de fundamentação obrigam-nos, por razões já expostas, a entender a pobreza e a privação da vida que as pessoas realmente podem levar e das liberdades que elas realmente têm. A expansão das capacidades humanas enquadra-se diretamente nessas considerações básicas. Acontece que o aumento das capacidades humanas também tende a andar junto com a expansão das produtividades e do poder de auferir renda. Essa conexão estabelece um importante encadeamento indireto mediante o qual um aumento de capacidades ajuda direta e indiretamente a enriquecer a vida humana e a tornar as privações humanas mais raras e menos pungentes.

47

Por fim, conforme sugerido no relatório

48

do Banco Mundial, são necessárias intervenções e medidas direcionadas à erradicação da pobreza em duas frentes distintas. A primeira para incluir os pobres nas engrenagens do crescimento econômico. Isto porque, tendo condições adequadas e oportunidades existentes, o relatório considera os pobres como os melhores agentes de mudança, podendo levar

46

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo:

Companhia das Letras, 2010. p. 32

47

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo:

Companhia das Letras, 2010. p. 125-126

48

World Bank. 2018. Poverty and Shared Prosperity 2018: Piecing Together the Poverty Puzzle.

Washington, DC: World Bank. © World Bank. Disponível em

<https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/30418>

(32)

a avanços desde que existentes oportunidades e condições, somadas a segunda frente.

A segunda frente relaciona-se com os recursos que são necessários para providenciar serviços básicos e renda, tanto para àqueles que estão rumo a saída da pobreza, quanto para àqueles outros que não conseguem se beneficiar das oportunidades que o crescimento econômico pode trazer.

Assim sendo, a pobreza deve ser encarada de maneira ampla, complexa e multidimensional, a fim de permitir avanços significativos e concretos rumo à superação da pobreza extrema.

1.3 Breve retrospecto histórico da pobreza no Brasil

Compreender a pobreza no Brasil, e como está se expressa e desenvolve ao longo dos anos, parte da compreensão da própria história de constituição do país.

Passadas as primeiras três décadas do descobrimento do Brasil, sua colonização começou a se desenvolver. Visto a necessidade de povoar a nova terra ante a iminente ameaça francesa de tomar as terras brasileiras, Dom João III, rei de Portugal, resolveu por criar as capitânias hereditárias. Assim, o território brasileiro foi dividido em quinze quinhões de terras, que iam da costa litorânea até o meridional de Tordesilhas. As capitânias hereditárias foram entregues aos donatários, que exerciam vasto poder econômico e administrativo sobre a terra cedida.

A política de exploração instaurada pela metrópole portuguesa assentou-se no fornecimento de gêneros alimentícios e minérios pela Colônia. Portanto, incentivou- se a produção de poucos produtos, em grande escala, regida por grandes proprietários. Isto porque, se imaginava, que pequenos proprietários penderiam por uma produção a garantir sua subsistência, oferecendo-se ao mercado um modesto excedente, o que ia à contramão dos interesses da Coroa Portuguesa.

Para realização da produção, optou-se pelo trabalho compulsório. Afinal, o

trabalho assalariado, além de não atender a finalidade da colonização, carecia da falta

de demanda de trabalhadores com condições de vir e se estabelecer na Colônia, bem

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