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1. A QUESTÃO DA POBREZA EXTREMA

1.5 Desigualdade social e negação de direitos

vivendo na extrema pobreza no Estado de São Paulo cresceu 23,9%, atingindo a marca de 1,392 milhões de pessoas, correspondente a 3% da população do Estado.

O aumento da pobreza, segundo pesquisas, se deu principalmente em razão da queda de renda da população mais pobre. De acordo os dados apresentados pelo IBGE a renda média domiciliar per capita da parcela 5% mais pobre da população caiu de R$ 115 para R$ 94 no período indicado74.

A pesquisa ainda aponta um aumento de 35% no número de pessoas vivendo na pobreza extrema na região metropolitana de São Paulo, considerado o maior polo de riqueza do país, possuindo 700.193 pessoas vivendo na pobreza extrema, nos 39 municípios que compreendem referida região metropolitana75.

Conclui-se que, apesar da riqueza gerada na região, ainda assim é considerável o número de pessoas vivendo na extrema pobreza no Estado de São Paulo.

1.5 Desigualdade social e negação de direitos

No Brasil, milhões de pessoas têm parco acesso a serviços básicos de saúde, saneamento básico, moradia, educação76 e passam a vida enfrentando as dificuldades e percalços de um dia a dia de privações e riscos.

Os extremamente pobres nada ou muito pouco detém, além de contar com oportunidades de vida restritas e ausência de expectativas realistas de escapar à pobreza de forma garantida e socialmente aprovada. São pessoas que enfrentam maior vulnerabilidade social, humilhação diária e veem negada todos os dias a sua dignidade. São esquecidos e negligenciados e por isso demandam do Estado e da

74 Dados extraídos de <https://www.valor.com.br/brasil/5480737/na-grande-sp-pobreza-extrema-cresce-35-em-um-ano>

75 Dados extraídos de <https://www.valor.com.br/brasil/5480737/na-grande-sp-pobreza-extrema-cresce-35-em-um-ano>

76 No Brasil 37,6% da população tem restrição de acesso a serviços de saneamento básico, 13% a condições de moradia e 28,2% a educação. Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2017

sociedade civil maior proteção e efetiva concretização de seus direitos. Conforme elucida Amartya Sen

A privação de liberdade econômica, na forma de pobreza extrema, pode tornar a pessoa uma presa indefesa na violação de outros tipos de liberdade.

(...) A privação de liberdade econômica pode gerar a privação de liberdade social, assim como a privação de liberdade social ou política pode, da mesma forma, gerar a privação de liberdade econômica.77

Na contramão do que se propõe, observa-se que a parcela miserável da população, situada na base da distribuição social de renda e riqueza, é encarada como uma subclasse, como se não pertencesse efetivamente à sociedade. É encarada como um substrato que nada acresce, e apenas demanda gastos do poder público à sua manutenção. E por isso, não são dignas o suficiente, para que seja dada a devida atenção, proteção e assistência.

A persistência da pobreza, como afirma Bauman78, aponta a duas direções, uma facilmente a ela correlacionada e a outra colateralmente decorrente, demandando análise crítica e centrada dos efeitos da desigualdade social.

Àquela primeira se identificam as perdas diretas, o contingente de pessoas que sucumbem em decorrência direta da pobreza, da ausência de alguma ou algumas condições básicas mínimas à vida.

Desta outra, decorrem os chamados efeitos colaterais, ou baixas colaterais, observável pela afinidade seletiva entre a desigualdade social e a probabilidade das classes mais pobres em se tornar vítima de catástrofes.

A probabilidade de se tornar “vitima colateral” de algum empreendimento humano e de alguma catástrofe natural, ainda que cega à classe, é hoje uma das dimensões mais marcantes e surpreendentes da desigualdade social. As baixas são

“colaterais” quando rejeitadas, ou seja, quando consideradas como não importantes o suficiente para justificar os custos de sua prevenção, ou simplesmente “inesperadas”,

77 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo:

Companhia das Letras, 2010. p. 23

78 BAUMAN, Zygmunt. A riqueza de poucos beneficia todos nós? Ro de Janeiro: Zahar, 2015.

—. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

BAUMAN, Zygmunt. BORDONI, Carlo. Estado de crise. Rio de Janeiro: Zahar, 2016

porque os planejadores não as consideraram dignas de serem incluídas entre os objetos das ações de reconhecimento preparatório.79

Exemplos destas vítimas colaterais circundam o dia a dia, escancarando as precárias condições de vida daqueles mais pobres. Os casos remontam a falta de efetiva preocupação e proteção com os mais pobres e, inclusive, a necessária priorização da vida dessas pessoas, quase sempre negligenciadas.

São os pobres os que mais sofrem, que têm todos os dias seus direitos básicos tolhidos, tornando-se os mais suscetíveis a fazer parte integrante ou a serem vítimas colaterais. Pedro Demo aponta que:

Na pobreza não encontramos somente o traço da destituição material, mas igualmente a marca da segregação, que torna a pobreza produto típico da sociedade, variando seu contexto na história, mas se reproduzindo na característica de repressão do acesso à vantagens sociais.80

As eventualidades naturais ou não, impactam mais facilmente e diretamente, e com muito mais violência e força, àqueles mais pobres e vulneráveis, que não terão oportunidades de se reestruturar de um furação ou de um incêndio, por exemplo.

Diversamente da população mais abastada, que tendo acesso a melhores oportunidades, se afasta cada vez mais da possibilidade de se tornarem vítimas colaterais. Quanto mais pobre se é, menores chances se têm e maiores são os riscos enfrentados rotineiramente.

É o que se observa diariamente em São Paulo, quanto as famílias que residem em favelas e ocupações sociais. Não tendo alternativa e oportunidades, enfrentam a vida da forma que lhes é possível, fazendo de sua moradia lugares insalubres, altamente suscetíveis a incêndios, desabamentos, doenças e outras patologias sociais. Na primeira forte chuva, por exemplo, os barracos vão abaixo, alguns sucumbem soterrados e outros muitos perdem o pouco que conquistaram ao longo da árdua e sofrida caminhada da vida.

Essas baixas colaterais advindas da discrepante desigualdade social, relegando milhões a viver na pobreza extrema, são poucos consideradas e sopesadas

79 BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

80 DEMO, Pedro. Pobreza política. São Paulo: Cortez, 1988. p. 10-11

e passam desapercebidos todos os dias. Abrigando referida argumentação, Jeffrey Sachs destaca que:

Atualmente, mais de 8 milhões de pessoas em todo o mundo morrem a cada ano porque são pobres demais para permanecer vivas. (...) Todas as manhãs, nossos jornais poderiam anunciar: ‘Mais de 20 mil pessoas morreram ontem de miséria’. (...) Os pobres morrem em hospitais que não têm medicamentos, em aldeias que carecem de mosquiteiros, em casas que não possuem água potável. Morrem sem nome, sem comentário público. É triste, mas essas matérias raramente são escritas. A maioria das pessoas não tem consciência das lutas cotidianas pela sobrevivência e da enorme quantidade de gente pobre em todo o mundo que perde essa luta.81

Isto porque, como anteriormente pontuado, esta subclasse - dos pobres, é vista como algo estranho à sociedade, que a ela nada acresce e que, portanto, não é digna de investimentos necessários para se assegurar uma vida digna. Assim, da ausência de investimentos ou da redução de custos que a estes é direcionado, decorrem os mais diversos efeitos colaterais, suportados e sentidos em alta escala pelos extremamente pobres.

A desigualdade aprofunda os problemas atinentes à pobreza extrema, de forma que a erradicação da pobreza compreende também a redução das desigualdades sociais, principalmente no Brasil, um dos países mais desiguais do planeta. Desta forma, a redução das iniquidades se apresenta como um dos maiores desafios da atualidade, eis que, sem a redução das desigualdades não será possível erradicar a pobreza, e muito menos manter os resultados alcançados.

Portanto, a redução das desigualdades deve caminhar pari passu com a erradicação da pobreza; devem ser empreendidos esforços a fim de erradicar a pobreza no país e reduzir as desigualdades latentes, concretizando a cidadania dos mais pobres e os incluindo efetivamente na sociedade, de forma a resguardar e respeitar a dignidade humana, tal como deve ser. Há que se olhar para a sociedade com senso crítico e estabelecer por prioritária a vida e a dignidade humana e, a respeito das desigualdades brasileiras, a OXFAM Brasil aponta em seu último relatório o

desafio estrutural das inaceitáveis desigualdades sociais brasileiras. Além de serem um problema em si, as desigualdades são barreiras ao acesso a direitos básicos, fomentam a violência e impedem a própria superação da

81 SACHS, Jeffrey D. O fim da pobreza: como acabar com a miséria mundial nos próximos vinte anos.

São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 27

pobreza no longo prazo. Diferenças extremas entre grupos sociais jogam contra a nossa economia, e são solo fértil para instabilidades políticas.82

Na lição de André Ramos Tavares:

Os efeitos das desigualdades regionais somados aos das desigualdades sociais são, como é de conhecimento geral, catastróficos para o ser humano e para a economia do país. Os intensos movimentos migratórios internos que ocorrem no país em direção aos polos de desenvolvimento agravam ainda mais o cenário de desigualdades que a Constituição pretendeu combater energicamente83

O tema envolvendo as desigualdades - redução das desigualdades regionais e sociais - foi tratado na Constituição Federal de 1988 como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, III, da CF), figurando como um dos princípios basilares da ordem econômica (art. 170 CF). Américo Luís Martins da Silva se firmou no sentido de que:

Tratando-se de um sistema capitalista, parece-nos que a intenção do legislador constituinte brasileiro, ao elevar a redução das desigualdades sociais a princípio da ordem econômica, é de orientar a intervenção do Estado na economia no sentido de melhor distribuir a riqueza ou renda nacional, para se proporcionar um aumento do nível de vida, de consciência, de educação e de cultura das camadas inferiores da população, assegurando a cada membro o mínimo de que ele carece, individual e socialmente, para viver condignamente.84

No Brasil, a má distribuição de renda e distribuição de serviços essenciais, além de má distribuição de patrimônio caracterizam a forma na qual a sociedade brasileira se organiza. Logo, um dos maiores desafios da sociedade brasileira na ordem contemporânea é a de reduzir as desigualdades socias e manter as conquistas da redução da pobreza, garantindo melhoria na qualidade de vida daqueles que saíram da pobreza extrema. Conforme preleciona Pedro Demo:

não é tarefa fácil atingir a renovação dos paradigmas produtivos vigentes, dentro de um processo de globalização que estratifica e discrimina rigidamente as oportunidades, como porque a equidade não parece ser características de mercados capitalistas85

A respeito das desigualdades e de seu impacto na sociedade, Walquiria Leão Rego aponta:

82 OXFAM Brasil, Datafolha. Nós e as desigualdades: percepções sobre desigualdades no Brasil. 2017.

p. 04. Disponível em https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/nota_informativa_O-xfam_Datafolha_Nos_desigualdades.pdf

83 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3ª ed. São Paulo: Método, 2011. p. 202

84 SILVA, Américo Luís Martins da. A ordem constitucional econômica. 3ª ed. rev. e atual. E-book, 2015.

n.p

85 DEMO, Pedro. Combate à pobreza: desenvolvimento como oportunidade. Campinas: Autores Associados, 1996. p. 18-19

A existência desse ente coletivo completamente partido entre, por um lado, pobres e muito pobres e, por outro, ricos com forte cultura do privilégio dificilmente cria e fortalece laços de solidariedade e de pertinência comum.

Ao contrário, a distância social que as assimetrias situacionais produzem em um povo desenvolve nele as forças centrífugas, que criam separações e divisões ainda mais profundas no seu seio, fazendo dos habitantes de seu território estranhos que não se reconhecem em nível como iguais, a não ser no assimétrico dever de obedecer às leis comuns.86

A fim de ilustrar as desigualdades delineadas, necessário ao deslinde do presente estudo a inclusão de alguns dados que retratem a expressão das desigualdades no Brasil e no mundo. Logo, importante ressaltar que o Banco Mundial vem tratando a questão da pobreza e desigualdade, desenvolvendo estudos acerca do tema87. Assim, mantém uma base de dados informacional para retratar a pobreza e a desigualdade nos mais diversos países, sendo um dos índices mais utilizados na comunidade internacional para mensurar a desigualdade o coeficiente de Gini.

De acordo com as estimativas do Banco Mundial88, o Brasil figura como o 9º país mais desigual do planeta (Gini – 51,3), ficando atrás apenas da Africa do Sul, Botswana, Namibia, Suriname, Zambia, Central Africa Republic, Lesotho e Mocambique.

O Brasil é um país permeado pelas desigualdades, sendo extremas as diferenças entre os no topo da base da distribuição de riqueza e renda, e àqueles em seu substrato. A título ilustrativo das grandes desigualdades observáveis no Brasil, verifica-se que o 1% mais rico da população brasileira, no ano de 2017, apresentou rendimento médio mensal de R$ 27.213,00, do outro lado, na metade mais pobre da população, o rendimento médio mensal chegou à R$ 754,00. Os 10% dos brasileiros mais ricos, detinham, no mesmo período, o equivalente a 43,3% da massa de rendimentos do País, enquanto os 10% com menores salários, apresentavam apenas

86 REGO, Walquiria Leão. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. São Paulo: Unesp, 2014. p. 85

87 “Em setembro de 2018, o Banco Mundial lançou estimativas revisadas da pobreza global de 1981 para 2015, com base no PPP 2011. As novas estimativas de pobreza combinam paridade do poder de compra (PPP) e taxas de câmbio de consumo familiar do programa internacional de comparação de 2011 com dados de mais de mil e quinhentas pesquisas domiciliares em 164 economias do mundo, incluindo 26 economias de alta renda, não incluídas nas regiões geográficas do PovcalNet.” Tradução livre. Disponível em <http://iresearch.worldbank.org/PovcalNet/home.aspx>, último acesso em 30.09.2018

88 Disponível em <https://databank.worldbank.org/data/download/poverty/33EF03BB-9722-4AE2-ABC7-AA2972D68AFE/Global_POVEQ_BRA.pdf>

0,7% da referida massa. Ou seja, quase metade da renda brasileira está concentrada nas mãos dos 10% da população mais rica89, revelando o abismo existente entre àqueles mais pobres e àqueles que mais têm.

Mais ainda, segundo dados apresentados pelo IBGE, os rendimentos mensais médios do 1% mais rico representam 36,3 vezes mais que aqueles dos 50% mais pobre, e, tomando por base os dados tributários disponíveis no país, o Brasil é um dos países que mais apresenta concentração de renda no topo.90 Mais ainda, em 2017, as famílias da classe A ganharam o equivalente a 22 vezes a renda das famílias das classes D/E, e a diferença entre os extremos da pirâmide é de cerca de 42 vezes (figura 0491).

89 Dados extraídos de Economia – iG, disponível em https://economia.ig.com.br/2018-04-11/desigualdade-renda-ibge.html; último acesso em 30.09.2018

90 OXFAM Brasil. País estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras. 2018. p. 18. Disponível em

<https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/relatorio_desigualdade_2018_pais_estagnado_d igital.pdf?utm_source=site&utm_medium=social&utm_campaign=relatorio_download&utm_content=vi sitantes-site&utm_term=botao_botao-download_cpc_download-relatorio_baixe

91 C.f dados disponíveis em <

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,desigualdade-no-brasil-e-o-dobro-da-oficial,70002267741> Último acesso em 30.09.2018

O ano de 2017 foi marcado pelo retrocesso tanto na redução da pobreza, tal como abordado no tópico anterior, quanto na redução das desigualdades no país, passando o Brasil para o 9º país mais desigual do planeta, mantendo-se estagnado o patamar entre os anos de 2016-2017.

2. POBREZA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS