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2. POBREZA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS

2.2 Direito fundamental a não ser pobre?

De acordo com o quanto expendido nos tópicos anteriores, a dignidade da pessoa humana figura como valor supremo e alicerce do Estado Democrático de Direito, de forma que estabelece a ordem jurídica democrática permitindo, inclusive, o intercâmbio entre os diversos ordenamentos jurídicos no plano internacional. Pérez Luño, a respeito da dignidade humana, destaca que:

A dignidade humana consiste não apenas na garantia negativa de que a pessoa não será alvo de ofensas ou humilhações, mas também agrega a afirmação positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo. O pleno desenvolvimento da personalidade pressupõe, por sua vez, de um lado, o reconhecimento da total autodisponibilidade, sem interferências ou impedimentos externos, das possíveis atuações próprias de cada homem; de outro, a autodeterminação (Selbstbestimmung des Menschen) que surge da livre projeção histórica.111

Neste sentido, a Constituição Federal construiu arcabouço jurídico dando grande ênfase ao aspecto social, tanto que, ao estabelecer as diretrizes relativas à ordem econômica, nos termos do art. 170 da CF, estabelece a existência digna como principal objetivo da ordem econômica, de forma a se alcançar a justiça social. Elucida André Ramos Tavares que:

Especificamente no campo econômico, impõe-se, por força da cláusula constitucional da dignidade da pessoa humana, que a todos sejam garantidas condições mínimas de subsistência, tutela a ser prestada diretamente pelo

110 Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. P. 71-72

111 LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y Constitución. Madrid:

Tecnos, 2005.

Estado aos hipossuficientes e que dele necessitem, ainda que transitoriamente.112

Logo, assenta-se a estreita relação entre a proteção à dignidade da pessoa humana e a garantia à uma existência digna, tanto que a existência digna, mais do que principal objetivo da ordem econômica, figura como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1, III, da CF), porquanto umbilicalmente relacionada à dignidade da pessoa humana.

Assim, partindo da interpretação axiológica do texto constitucional com a amplo rol de direitos fundamentais e princípios estabelecidos, é possível traçar a relação entre a violação à dignidade pela privação destes direitos constitucionalmente estabelecidos.

A pobreza se manifesta das mais variadas formas, partindo, no entanto, de um ponto em comum: o indivíduo que vive em situação de miséria se vê tolhido e impossibilitado de realizar os direitos fundamentais. A miséria obsta o efetivo exercício e concretização dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal àqueles que vivem em condições precárias. Destarte, a pobreza é, diametralmente, uma violação aos direitos humanos. Flávia Piovesan destaca que:

A ética dos direitos humanos é a ética que vê no outro um ser merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de desenvolver as potencialidades humanas de forma livre, autônoma e plena. É a ética orientada pela afirmação da dignidade e pela prevenção ao sofrimento humano. Os direitos humanos refletem um construído axiológico, a partir de um espaço simbólico de luta e ação social.113

A Constituição Federal, tomando por alicerce a dignidade humana, prevê a garantia de um padrão de vida adequado, além de positivar direitos fundamentais têm por propósito garantir a existência digna, igual e livre a todos os indivíduos. André Ramos Tavares aponta que:

Especificamente no campo econômico, impõe-se, por força da cláusula constitucional da dignidade da pessoa humana, que a todos sejam garantidas condições mínimas de subsistência, tutela a ser prestada diretamente pelo Estado aos hipossuficientes e que dele necessitem, ainda que transitoriamente.114

112 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3ª ed. São Paulo: Método, 2011. p. 130

113 PIOVESAN, Flávia. Igualdade, diferença e direitos humanos: perspectiva global e regional. In:

LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang (Coords). Direitos fundamentais e estado constitucional : estudos em homenagem a J. J. Canotilho. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra:

Coimbra, 2009. p. 295

114 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3ª ed. São Paulo: Método, 2011. p. 130

Dessa forma, é imperioso que tais direitos, mais do que positivados perante o ordenamento jurídico brasileiro, sejam principalmente efetivados, incorporados e consolidados na sociedade brasileira. Os direitos tidos por fundamentais, precipuamente àqueles ligados à superação da pobreza extrema, apresentam por primeira e principal finalidade a proteção da pessoa humana, e via de regra sua dignidade, bem como sua defesa perante os poderes estatais e sociais.

Quanto mais direitos são protegidos e efetivados, à dignidade da pessoa humana é conferido maior proteção e respeito, permitindo a consecução de uma sociedade mais equânime, com iguais condições de vida a todos os indivíduos.

Contudo, vale destacar a lição de Gilberto Bercovici de que “não é possível, porém, a uniformização das condições sociais de vida entre os vários entes federados se estes não tiverem capacidade suficiente (não apenas econômica, mas, também, política) para satisfazer plenamente todas as suas funções.”115

Por fim, considerada a interpretação do texto constitucional com base na importância dada à dignidade da pessoa humana e à reconhecida força normativa dos princípios, bem como tendo por pano de fundo a pobreza como violação aos direitos humanos, é possível considerar a existência de um direito implícito a não ser pobre, decorrente da interpretação da Constituição Federal e todo o seu arcabouço de proteção à dignidade da pessoa humana.

Desta forma, observado o tratamento constitucional dado à pobreza no Brasil, pode-se afirmar que existe, sob o manto da Constituição Federal de 1988, um direito fundamental a não ser pobre. A doutrina já vem se posicionando neste sentido, conforme enuncia Ana Paula Pignataro e Yara Gurgel que:

o estado de pobreza, em que falta o necessário à vida, impossibilita a realização de diversos direitos universalmente aceitos e tidos como fundamentais; ganhou força a ideia de que a pobreza em si mesma já é uma violação aos direitos humanos.

Com isso, se poderia cogitar um direito a não ser pobre, o qual ainda não está consagrado expressamente nos ordenamentos jurídicos nem nacionais, nem internacionais, sendo tido como mera recomendação ou objetivo a ser alcançado, um dever moral sem força jurídica. Considera-lo um direito humano traria a necessidade de proteção internacional e a possibilidade de exigir dos Estados políticas públicas que permitam garantir um mínimo

115 BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 91

existencial para aqueles que vivem abaixo da linha estabelecida, impedindo ainda o retrocesso daqueles que já atingiram um limite razoável.116

Não se pode negar a simetria do direito fundamental a não ser pobre com o direito à vida digna, já expressamente previsto no texto constitucional. No entanto, aqui se defende que este último não exclui o primeiro, na realidade, o direito fundamental a não ser pobre vem para complementar toda a rede de proteção instituída, figurando como mais um meio à luta contra a pobreza. Rebeca Debone assinala que “defende-se também a noção de que não viver em condições de pobreza extrema é um direito de todo o ser humano. Há uma relação de abertura e de diálogo entre viver com dignidade e desenvolvimento e viver sem pobreza.”117

Portanto, conclui-se que decorre implicitamente da interpretação de toda a principiologia e proteção estabelecida à vida humana na Constituição Federal de 1988, um direito fundamental a não ser pobre, o qual se pauta, da mesma forma, na compreensão de que a pobreza é um fenômeno que viola os direitos fundamentais em seus mais diversos níveis.

3. POBREZA, DESENVOLVIMENTO E SISTEMA BANCÁRIO