• Nenhum resultado encontrado

A POLÍTICA DA INDONÉSIA EM RELAÇÃO A TIMOR PORTUGUÊS

2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3.2. A POLÍTICA DA INDONÉSIA EM RELAÇÃO A TIMOR PORTUGUÊS

Sobre a política da Indonésia em relação a Timor Português optámos por seguir como análise de base a realizada por Moisés da Silva Fernandes. Esse texto deu-nos uma imagem clara e abrangente sobre a situação política de Timor Português em relação à ameaça da Indonésia, a partir dos anos 60, após a

131 Lei Constitucional 7/74, citado por Adriano Moreira (1976), O Drama de Timor, Relatório da ONU sobre a descolonização, p. 79.

132 Reprodução em A/9694 e S/11419, citado por Adriano Moreira (1976), O Drama de Timor, Relatório da ONU sobre a descolonização, p. 79.

133 Moreira, Adriano (1977), O Drama de Timor, Relatório da ONU sobre a descolonização, (s.l.) Publicação de Departamento de Assuntos Políticos, Administração Fiduciária e Descolonização das Nações

Unidas, p. 80, Oficinas Gráficas de Barbosa & Xavier, LDA,- Braga.

134 Cf. Documentos oficiais da Assembleia-Geral, 29.º período de Sessões Plenárias, sessão 2239.a, citado por Adriano Moreira (1976), O Drama de Timor, Relatório da ONU sobre a descolonização, p. 80.

135 Cf. Documentos Oficiais da Assembleia-Geral, 29.º período de Sessões Plenárias, 4.ª Comissão, sessão 2080.a, citado por Adriano Moreira (1976), O Drama de Timor, Relatório das Nações Unidas sobre a descolonização, p. 80.

32

Revolta de Viqueque, em 1959. Damos ênfase ao desenvolvimento do interesse pela anexação baseada na formulação de teorias históricas e antropológicas que a Indonésia pretendia basear-se para justificar a anexação, como também do apoio que a Indonésia obteve dos países da Ásia, dos Estados Unidos da América, dos Países Não Alinhados, dos países ocidentais, do Vaticano e de Portugal para a concretização do seu programa de anexação.

As precedências políticas, históricas e socio-antropológicas foram aquelas em que a Indonésia se baseou primeiramente para legitimar a invasão. Sukarno, a princípio, não manifestava o desejo de uma reunificação de Timor-Leste com a Indonésia, contudo, esse sentimento foi ganhando forma.

Segundo Fernando Lima, Sukarno teria elaborado planos para a libertação dos indígenas de Timor Português, contudo o plano não viria a ser cumprido em virtude da revolta no Brunei contra os britânicos, a 8 de dezembro de 1962136.

A ideia da invasão de Timor Português sofreu transformações e foi-se metamorfoseando à medida que os acontecimentos se iam sucedendo, desde o desinteresse por Timor Português, porque não fazia parte das possessões holandesas, uma aceitação de um Timor-Leste Independente, desde que não fosse comunista, até à admissão da reunificação de Timor-Leste como sendo parte dos impérios de Majapahit e Srivijaia. Por fim, fundamentou-se na teoria da inviabilidade de um Timor Português independente devido à falta de economia própria, da sua “pequenez” geográfica e do fraco desenvolvimento em termos sociais. Com o aparecimento das oportunidades para Timor-Leste se pronunciar sobre o seu futuro surgiu imediatamente a manifestação de um sentimento do passado: megumpulkan kembali tulang-tulang

Majapahit yang berceceram, isto é, reunir de novo os ossos espalhados do império Majapahit, seguido do

sentimento de compaixão pelo povo de Timor Português:

“Fomos e somos todos irmãos da mesma raça, da mesma cor, da mesma cultura, da mesma região. Foram os colonialistas que nos separaram. Agora é tempo de regressar ao regaço materno, ibu pertiwi, pelas seguintes razões: “Pelas razões históricas, geográficas, etnológicas e pela realidade da sua constante aspiração na unificação com a Indonésia, Timor-Leste é parte da Indonésia”, como disse Soekanto”137

.

Com esta afirmação pretendia afirmar a ideia do irredentismo, que pretende reclamar, os territórios que étnica, cultural historicamente pertenciam à Indonésia, e que estavam sob o domínio estrangeiro como era o caso de Timor.

136 Lima, Fernando (2002), Timor – Da guerra do Pacífico a Desanexação, Macau, Instituto Internacional de Macau citado por Rui Graça Feijó (2016), Timor-Leste: Colonialismo, Descolonização, Lusutopia, p. 182.

33

O vice-presidente do Parlamento da República Indonésia, John Naro, aquando visita realizada por José Ramos-Horta, Secretário dos Negócios Estrangeiros do Partido Social Democrático, FRETILIN, em finais de maio de 1974, declarou que a Indonésia não admitia mais

nenhum colonialismo em qualquer parte do mundo e enfatizou que Timor Português deveria ser devolvido à Indonésia. Contudo, acrescentou ainda que:

“se o povo de Timor quer uma independência total, a República Indonésia respeitará. Porém, tendo em conta que Timor-Leste não tinha as condições necessárias para ser independente, uma vez que era pobre economicamente e muito frágil em termos sociais, primitivo e sem possibilidades para uma independência, a Integração seria o caminho certo.”138

Conforme Xanana Gusmão, as razões apresentadas tornaram-se ainda mais fortes, quando a política da FRETILIN assumiu uma ideologia de esquerda, tornando-se numa potencial ameaça para interesses estratégicos dos poderosos. A FRETILIN, que tinha surgido como uma frente nacionalista abrangente, e não ideológica, foi assumindo posições cada vez mais doutrinárias com a chegada a Timor- Leste, em setembro de 1974, de estudantes universitários timorenses influenciados pelas doutrinas e

slogans maoístas dessa altura. Abílio Araújo e a sua esposa, Guilhermina Araújo, ambos estudantes de

Economia, António Duarte Carvarino, estudante de Direito, e Vicente Manuel dos Reis (Sa’he), estudante de Engenharia, foram os responsáveis pela radicalização ideológica da FRETILIN e pela sua transformação em “Partido Marxista-Leninista”(PML)139.

Alguns nacionalistas indonésios, como o presidente Sukarno da Indonésia entre 1945 e 1967, sonharam formar uma Indonésia com a extensão geográfica e política como foi na suposta dominação do império Srivijaya140 e Majapahit,141que constituía parte da Malásia, das Filipinas e de Timor Português.142

Escolheram anexar a Papua-Nova Guiné Ocidental, pertencente à Holanda, o território de Sabá, Sarawak na Malásia, e mantiveram a sua doutrina irredentista em relação a Timor Português, pois não era uma prioridade. Porém, a guerra em Angola, iniciada em 1961, influenciou a ideia dos nacionalistas indonésios e estes pressionaram Sukarno. O aparecimento do movimento para a libertação de Timor Português levou a que em 1960, um ano após a Revolta de Viqueque e Uatu-Lari, Mohammad Yamin coagisse Sukarno

138 Soekanto (1976), Integrasi..., p. 103. 139 Gusmão (194),Timor-Leste..., p. 83.

140 Malcon, Allison H, El império talasocrático malayo de Srivijaya via, Cinabrio blog, (2013), Article-el-império tala socrático-malayo-Srivijaya-de-s- cinabrio blog. Império Srivijaya, antigo reino malaio da ilha de Sumatra, no sudeste asiático, com larga influência sobre arquipélago malaio com o seu apogeu no século VIII. Em 775 o monarca Srivijaya, Dharanindra, transferiu a sua capital para a ilha de Java. Em 732 foi fundada a dinastia Sailendra em Java Central pelo rei Sanjaya que controlou a Indonesia e o sudeste asiático entre os séculos VII e XIII. Enciclonet 3.0 – Reino de Majapahit (1300-1520) – Consultável em: http//:www.enciclonet.com/articulo/majapahit-reino-de. O Império de Majapahit originário da ilha de Java exerceu o seu controlo sobre a ilha de Java e os pequenos reinos e a península de Malaca entre 1300 até aos inícios do século XVI. Foi um grande reino hinduísta após a queda do império de Srivijaya em 1200 e o reino Singharasi em 1292. Em 1222 surgiu em Java a dinastia Singharasi que deu origem ao império de Majapahit com a subida ao poder do Raden Vijaya (1293-1309).

142 Feijó, Rui Graça (2016), Timor-Leste: Colonialismo, Descolonização, Lusutopia, Porto, Edições Afrontamento p. 189.

34

para a tomada de Timor Português. E no dia 22 de Fevereiro de 1960 declarou que a luta anticolonial indonésia deve basear-se na elininação dos enclaves de Timor e no norte de Kalimantan (Borneo), ainda sob o poder da dominação estrangeira. Essa afirmação do Yamin obrigou o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia Harustiati Subandrio a fazer uma contra afirmação no dia 13 de Março do mesmo ano contrapondo a afirmação do Yamin143.

Uma delegação da Agência France-Presse, no dia 14 de abril de 1963, noticiou a tomada de posse em Batugadé, no dia 3 de abril de 1963, de um Conselho de Ministros constituído por 12 membros da União da República de Timor (URT), cuja função era instituir e obter o seu reconhecimento internacional, assim como angariar apoios políticos, diplomáticos, financeiros e militares junto de governos estrangeiros, com o objetivo de expulsar os colonialistas portugueses de Timor. As autoridades indonésias concluíram que o movimento tinha como objetivo a independência da ilha, daí se explica o desinteresse de Jacarta em relação ao movimento144.

Adam Malik, ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, não só duvidou da genuinidade do movimento pela independência de Timor, desafiando os elementos do movimento a irem para Timor combater pela independência no interior do país, como também temia que se tratasse de um grupo de aventureiros. Em março de 1971, a sede do movimento foi encerrada sob as ordens do Presidente Suharto A única organização que apoiou o movimento foi a Persatuan Seluruh Bangsa Melayu, a Unidade de Todo o Povo Melayu145.

Devido à incapacidade portuguesa de enfrentar um confronto militar, Portugal procurou o uso da diplomacia junto do Governo Central da Indonésia, mais concretamente o apoio do general Abdul Haris Nasution146 e dos países amigos, como a Austrália, o Reino Unido, a Holanda, o Vaticano, as Filipinas e

os EUA induzindo-os sobre o espírito expansionista comunista de Sukarno e do Partai Komunis Indonesia (PKI), Partido Comunista Indonésia, para evitar que a Indonésia se tornasse comunista.

Havia interesses internacionais sobre Timor, como podemos verificar a citação do Rui Feijó sobre o Quadripartite Talks entre os (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália e Nova Zelândia), realizado em fevereiro e outubro de 1963, em Washington. A conclusão das conversações eram: 1o que fosse o Comité

dos 24 a resolver o problema de Timor, tendo em considerção que Portugal continuava a persuadir os Estados Unidos e a Grã Bretanha a manter o seu regime colonial devido as facilidades militares que este país lhes concedia no Ultramar Portugues; 2o. que não havia viabilidade económica para a independência

143 Editorial: Fala-se de Timor”, A Voz [Lisboa] ano 34, no. 11.749 (9 de março de 1960), citado por Moisés Silva Fernandes, pp. 111-112.

144 Feijó, Rui Graça (2016), Timor-Leste: Colonialismo, Descolonização, Lusofonia, Porto, Edições, Afrontamento p. 189.

145 Idem, ibidem, pp. 189-190.

146 O general Abdul Haris Nasution, pró-americano, foi um dos sete generais não comunistas morto no Gerakan (G30S), Movimento do 30 de setembro de 1965, golpe do Estado perpetrado pelo Partido Comunista Indonésio.

35

de Timor Português e que as populações de Timor Português não protestariam pela separação de Portugal. Mais tarde ou mais cedo, a Indonésia anexaria Timor Português, embora não tivessem um passado histórico comum. Porém, Portugal não estava disposto a entregar os territórios sob a sua administração, “não pelo lucro mas pelo orgulho nacional” segundo o jornalista australiano Tony Thomas que visitou Timor em 1966147.

A queda de Goa, no dia 18 de dezembro de 1961, e a retirada da Holanda da Papua-Nova Guiné Ocidental a 1 de outubro de 1962 tiveram um impacto psicológico muito forte em Portugal, para que Timor Português viesse a ter um destino semelhante. Apesar de todas as declarações feitas pelo Governo Indonésio, os radicais continuavam a instigar o governo para a tomada de Timor Português.

Contra todas as afirmações políticas anteriores, no dia 17 de agosto de 1965, ao celebrar o 17.º aniversário da independência da Indonésia, Sukarno exortou pela primeira vez a “libertação de Timor- Leste, além de reiterar o seu tradicional apoio formal à independência das colónias portuguesas em África.”148 Porém, essa política não foi levada adiante devido ao golpe comunista de 1965, Gerakan Tiga

Puluh September, (G30S-PKI) Movimento de 30 de setembro do Partido Comunista Indonésio, seguido

da reação anticomunista, levada a cargo por Suharto.

A mudança do regime em Jacarta foi acolhida com muita apreensão pelo governo português em Timor. Após a derrota dos comunistas, o novo regime mudou o objetivo do seu Governo, considerando que para se estabelecer e reforçar o novo regime eram necessárias ajudas externas.

Entre 21 de setembro e 2 de outubro de 1966, o cônsul da Indonésia, Roeslan Soeroso, reuniu-se em Díli com o chefe da polícia de Atambua e com o administrador do Kefamenanu, Bernardo Laca, e estabeleceram um plano para se apoderarem do enclave de Oecusse.

Porém, as autoridades centrais em Jacarta não gostaram do plano e o administrador do Kefamenanu foi acusado e preso, no dia 28 de outubro de 1966, pelas Forças Armadas da República Indonésia. Em seguida, o Major Sandar, Comandante Militar de Atambua, foi afastado e substituído pelo Major Amos. De Díli, a bordo do navio Arbiru, partiu uma Companhia de 2.ª Linha com reforços militares e mantimentos. Dessa companhia, também fazia parte o Tenente-Coronel Adalberto Júlio da Nóbrega Pinto Pizarro e outros oficiais e autoridades administrativas. No dia, 6 teve lugar um encontro entre os administradores de Oecusse Ambeno e de Kefamenanu e, nesse mesmo dia, a partir das 12 horas,

147 Feijó, Rui Graça (2016), citando, CF. NA (National Archives-Londres) Portuguese Timor, “FO

371/169908:Indonesian regional ambitions: defence of Borneo teritories, Malaya and Porugueses Timor (1963” Quadriparties Talks on Indoensia – Washington February 1963- Steering Brief, Brief no15; Quadriparties Talks on Indonesia-Washington October 1963, Brief no 10, pp. 184-185

36

iniciaram-se as hostilidades “tendo as forças portuguesas e indonésias sido retiradas para a zona recuada da fronteira”149.

Documentos relacionados