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A REVOLTA E A RESPOSTA DO GOVERNO PORTUGUÊS

4. DO TIMOR COLONIAL AO PROCESSO DE DESCOLONIZAÇÃO

4.1. SITUAÇÃO GERAL NOS ANOS FINAIS DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA

4.2.1. A REVOLTA E A RESPOSTA DO GOVERNO PORTUGUÊS

A Revolta foi planeada para o dia 28 de maio de 1959, dia de comemoração de dois clubes de futebol Benfica e Sporting, pois era quando estariam presentes muitos europeus e autoridades da província como também muitos timorenses do interior do país.

Nesse dia 28 de maio, “os conspiradores matavam quase todos os responsáveis pela administração da ilha, como também era muito mais fácil fazer alastrar os focos da insurreição por todo o interior, uma vez que este ficava quase desguarnecido”265.

Contudo, a data da revolta foi adiada para 31 de dezembro, quando a população iria celebrar a passagem de ano.

262 Duarte, Tito (2006), Timor: aquela ilha para além do fim ... do fim, Lagos, Passos de Cor, Artes Gráficas, e Design Gráfico, Lda., p. 76.

263 No posto de Atabae, e mais tarde em Lacluta, onde o pai do autor era encarregado do posto, ele reparou por

várias vezes que os sipaios, de manhã, tiravam as munições do Kropache e a estendiam ao sol porque estava cheia de bolor, pois, algumas vezes, tentavam disparar, mas sem sucesso.

264 Barata (1998), Timor..., p. 68. 265 Idem, ibidem, p. 58.

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O plano foi assim delineado:

“No dia 31 de dezembro fariam o assalto a Díli e ocupavam: as instalações militares, o paiol, o parque do estacionamento dos carros e o quartel dos polícias. Distribuiriam as catanas e fariam o ataque aos clubes onde as pessoas estariam reunidas para o festejo da passagem do ano. Em Aileu planeava-se uma festa em casa de um dos implicados, onde seriam convidados as autoridades locais bem como os funcionários civis. Nesta festa seriam decapitados, e depois as bandeiras indonésias seriam içadas nos locais subjugados”266.

O plano da sublevação foi descoberto em Díli no dia 3 de junho. Foram presos 15 cabecilhas e, depois de uma investigação, a polícia descobriu o plano. Após o inquérito no dia 6 de junho, e aproveitando a chegada do barco Índia, onze deles foram levados para Lisboa267.

Reforços são prontamente enviados de Goa (então colónia portuguesa na Índia), acabando por “não se derramar sangue”. Dezenas de timorenses foram deportados para as colónias africanas de Moçambique, Angola, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe268.

Em Viqueque, no dia 7 de junho de 1959, às 23h30, a residência do Administrador Artur Marques Ramos foi assaltada. O Administrador, apesar de ter sido avisado, não acreditou que tal pudesse acontecer.

Pelas 20h30, três indonésios – Gerson Pello, Jeremias Pello e Jober Moniaga Jeremias – reúnem- se em casa de um funcionário aposentado, provavelmente Amaro Jordão de Araújo, com mais três ou quatro timorenses locais e outros provenientes das povoações vizinhas. Percebendo que foram descobertos, resolveram assaltar a administração e apropriar-se das armas e munições, coisa que fizeram por volta das 23h00. Os guardas ofereceram resistência mas foram feridos. Gerson mandou cortar as ligações telefónicas com Ossú e bloquear a estrada para Ossú com troncos de árvores. Por volta das 23h30, do dia 7 de junho de 1959, sob o comando do Gerson, assaltaram a residência do administrador. Um grupo colocou-se na ponte para impedir a fuga do administrador. No grupo estava Domingos Jeremias, que tentou alvejar o administrador, mas não o atingiu. O administrador meteu-se no jipe com a família e o aspirante timorense (João Canaleco, natural de Oecusse) e escaparam para Ossú à grande velocidade debaixo de fogo cruzado269.

Os sublevados apropriaram-se do camião da administração de Viqueque e seguiram para Uatu- Lari. Chegaram pela manhã e foram recebidos pelos amotinados que traziam ao peito tiras de pano com as cores da bandeira indonésia. O Tenente Gerson com dois timorenses mais instruídos, prosseguiram para Uatu-Carbau, onde foram igualmente bem recebidos.270 Nessa mesma tarde, o posto de Uatu-Lari era

266 Barata (1998), Timor..., pp. 59-60. 267Idem, ibidem, p. 61. 268 Chrystello (2006), Timor-Leste..., p. 42. 269 Barata (1998), Timor.., p. 64. 270 Idem, ibidem, p. 65.

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assaltado por elementos da rebelião vindos de Viqueque; também foram enviados emissários ao posto de Uatu-Carbau para fazerem o mesmo.

Os rebeldes deixaram em Uatu-Lari alguns elementos sob a chefia de António Metan e do indonésio Jober Moniaga Jeremias. A norte de Uatu-Carbau estavam reunidos três grupos relativamente numerosos. Suspeitava-se que tivessem tido apoio de Laga, na costa Norte, onde a presença frequente de

corcoras (pirogas) indonésias causava uma certa desconfiança.”271 Nessa agitada manhã de segunda-feira,

8 de junho dois dos restantes asilados de Viqueque são detidos a caminho de Ossú, prova de que so tiveram apoio nas áreas de Uatu-Lari e Uatu-Carbau” 272.

Em Díli, as autoridades portuguesas foram postas ao corrente do sucedido em Viqueque e foram dadas instruções sobre o controlo das comunicações telefónicas, o alerta nas unidades militares e a imediata detenção dos exilados indonésios.

Na manhã do dia 8 de junho,o encarregado do Governo assiste, no campo de aviação, à partida para Baucau de duas secções de atiradores sob o comando de um subalterno. Foram dadas ordens aos chefes de Baucau, Baguia, Laga e Quelecai para reunirem os homens e patrulharem a sua área com meios tradicionais (catanas, azagaias, setas, etc.). Ao meio-dia, o administrador Artur Marques Ramos regressa a Viqueque apoiado por uma pequena força militar: um oficial (Tenente Ferreira), um furriel (Pires) e nove praças. São dadas ordens para prepararem os arraiais fiéis ao Governo. Em Lautém, a adesão foi rápida. Em Uatu-Lari e Uatu-Carbau, os arraiais chegados de Lautém incendeiam casas, matam os supostos revoltosos e praticam a pilhagem.273 Os povos de Quelecai e Baguia são solicitados para vigiar

as fronteiras, impedindo a fuga dos habitantes de Uatu-Carbau e Uatu-Lari. No mesmo dia 8 de junho, foi fuzilado, em Baguia, o catequista Carlos Carvalho.274 E no dia 17 de junho, deu-se o fuzilamento de 7

civis junto à ribeira de Ba-Bui, em Uatu-Lari,275 pelos administrador Artur Marques Ramos e pelo Capitão

João Manuel Farjado Barreiro. O testemunho do administrador, Abílio da Paixão Monteiro, no seu relatório sobre os acontecimentos de Viqueque confirma o acontecid276. Esse fuzilamento foi

testemunhado por Bernardo Sarmento e pelo enfermeiro Leonardo de Araújo que seguiram de Viqueque

271 Idem, ibidem, p. 67.

272 Idem, ibidem, p. 66.

273 A rápida adesão dos arraiais para o impedimento da expansão da revolta não se devia apenas à fidelidade ao Governo, pois também eles eram incentivados pela possibilidade da pilhagem dos bens e dos escravos.

274 O Mestre Carlos Carvalho, em 1957, era catequista em Uatu-Carabau. O seu filho, Gregório Basílio de Carvalho, foi aluno no Seminário de Nossa Senhora de Fátima. Entrou para a Congregação dos Salesianos e esteve em Portugal a estudar no Seminário dos Salesianos, em Manique, no Estoril. Não sentindo o chamamento para a vocação de padre, regressou a Timor em 1974 e afiliou-se na FRETILIN, uma atitude diferente de outros filhos dos sublevados, que optaram pela APODETI. Combateu na fronteira no início da invasão indonésia e foi atingido por uma bala de morteiro, acabando por morrer. Segundo outra fonte, foi preso pelos indonésios e solicitado a cooperar com as forças da ocupação, porém sempre rejeitou e devido a isso foi morto. Segundo o autor da tese, que foi colega de Gregório Basílio no Seminário de Nossa Senhora de Fátima em Dare – Díli, a personalidade dele era de antes quebrar que torcer.

275 Sousa (2010), Histórias da Resistência Timorense, Brasília, Thesaurus Editora, p. 41. 276 Barata (1998), Timor..., p. 217.

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para o posto de Uatu-Lari. Montaram o morteiro e dispararam alguns tiros para abrir caminho e enviaram seis soldados. No posto, viram a bandeira Mera Putih, bandeira indonésia, no mastro. Nove civis de Uatu- Lari apresentaram-se e o tenente Ferraz ordenou Bernardo Sarmento que fosse executá-los na ribeira. Ordem que foi recusada por Bernardo sob o pretexto de que estava em licença e não era militar efetivo, segundo o próprio Bernardo. O tenente passou a ordem ao cabo de nome Pedro mais um soldado que foram executar os nove rendidos na ribeira277. Em Uatu-Carbau, o sipaio278 João Mariano foi morto no dia

19 de junho de 1959 pelo administrador de Lospalos Serra Frazão.

O indonésio Robert Moniaga foi morto e os outros treze refugiados indonésios foram presos e levados para Díli. Em 22 de junho de 1961, com a chegada do governador Themudo Barata, os principais responsáveis são presos e enviados para Angola, para a cadeia penal de Bié, e para o vale do rio Limpopo em Moçambique 279. Outro grupo de prisioneiros foi levado para a ilha de Ataúro.

Ximenes Belo relata que Baucau com a chegada dos prisioneiros, em junho de 1959, estava apinhada de presos fortemente vigiados pelos sipaios, que eram obrigados a trabalhos forçados na limpeza das ruas e do bazar da vila. Alguns, inclusivamente, estavam presos na garagem da casa do Administrador, onde eram torturados280.

No “Memorando”, Amaro Jordão de Araújo descreveu a sorte dos que se renderam e o tratamento cruel que receberam, sendo vítimas de espancamento, pauladas, pontapés e torturas, sendo depois mortos a tiros de metralhadora e pistola sob as ordens dos administradores e do comandante das Forças Armadas.

A retaliação do governo português à revolta foi desproporcional, como se pôde comprovar pelo fuzilamento dos nove cidadãos que foram mortos na ribeira,281 do sipaio João Mariano,282 do Domingos

Jeremias283 e outros sem terem direito a qualquer julgamento, como também de outros que foram levados

para Angola e Moçambique, sem terem sido previamente julgados em tribunal.

O ano de 1959 foi marcado por uma grande carência em quase todos os sectores: estradas em péssimas condições, sem a existência de pontes na maior parte das ribeiras presentes entre Baucau e Díli. Uma viagem de Baucau a Díli podia demorar semanas devido ao mau estado das estradas, sobretudo nas ribeiras de Manlere entre Baucau e Vemasse. As ribeiras de Vemasse, Laleia e Lacló, nos meses de chuva, especialmente entre novembro e março, eram praticamente intransitáveis a qualquer tipo de transporte.

A incerteza da adesão à revolta, tanto em Díli como noutras localidades, era a tal ponto que, como se pode verificar quando eclodiu a revolta, os postos administrativos circunvizinhos de Ossú, Quelecai,

277 Sousa (2010), Histórias…, p. 41.

278 Palavra de origem persa que significa “soldado”, introduzida em Timor para designar os guardas civis. 279 Figueiredo (2009), Fernando Augusto de, A Presença Portuguesa em Timor: 1769-1945, Lisboa, pp. 49-67. 280 Belo (2009), A Revolta…, p. 5.

281 Sousa (2010), Histórias..., p. 41 282 Idem, ibidem, p. 42.

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Baguia e Lospalos não aderiram ao movimento e ficaram a controlar as fronteiras para não deixarem escapar os rebeldes, tendo feito parte dos arraiais para evitar a revolta.

Não só não existia gente das Forças Armadas envolvida na rebelião, como também o apoio logístico e a liderança da revolta parecia estar nas mãos de indonésios que, embora militares, desconheciam a real situação de Timor.

A seguir, apresenta-se a lista dos envolvidos e classificados de culpa grave e dos desterrados para Angola, Moçambique e para a ilha de Ataúro.

Quadro 1. Lista dos desterrados para Angola e Moçambique

Nos. Nomes Naturalidade Profissão

1. Abel da Costa Belo Baucau Guarda-fios

2. José Manuel Duarte Díli Funcionário dos Serviços de

Meteorologia

3. Amaro Loyola Jordão de Araújo Díli 3.º Oficial (aposentado)

4. António da Costa Soares Uatu-Carbau Chefe de suco

5. Alberto Rodrigues Pereira Liquiçá Compositor de imprensa

6. Alexandre Viana de Jesus Ermera Chefe de suco

7. Amílcar Ribeiro Seixas Díli Ajudante mecânico

8. Agostinho dos Santos Bobonaro Ajudante de motorista

9. António Soriano Aileu

10. Armindo Amaral Viqueque Ajudante de motorista

11. Belarmino Araújo Fatubessi Motorista

12. Celestino Siong Venilale Motorista

13. Crispim Borges de Araújo Maubara Motorista

14. Domingos da Conceição Gueterres Díli Ajudante mecânico

15. Domingos da Conceição Pereira Díli Encarregado de posto

16. Domingos Reis Viqueque Agricultor

17. 18. Domingos Soares Duarte Soares Viqueque Viqueque Ajudante de motorista Agricultor

19. Eduardo de Araújo Letefoho Agricultor

20. Eduardo Francisco da Costa Díli Pintor

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22. Francisco Dias da Costa Aileu Professor catequista

23. Frederico de Almeida Santos da Costa Díli Grumete

24. Germano das Dores Alves Díli Marinheiro de Capitania

25. João Lisboa Viqueque Agricultor

26. Joaquim Augusto dos Santos Liquiçá Datilógrafo dos Correios

27. Joaquim Ferreira Liquiçá Agricultor

28. Jorge Anselmo de Lima Maher Baucau 3.º Oficial do Banco Nacional

Ultramarino

29. José Maria Exposto Maia Ermera Chefe de suco

30. José Sarmento Viqueque Agricultor

31. José Soares Ermera Pintor

32. Jumang Bin Rachrun Díli Servente na Escola Primária

33. Lourenço Rodrigues Pereira Dli Agricultor

34. Luís da Cunha Soares Nunes Oesilo Funcionário da Missão de Endemias

35. Manuel Alim Cova Lima Motorista

36. Manuel Alves Díli Fiel da balança na Alfândega

37. Manuel Damas Fatubessi Motorista

38. Manuel da Silva Díli Telefonista dos Correios

39. Manuel Freitas do Gama Baguia Ajudante de motorista

40. Mário José Henriques Martins Moçambique Compositor da Imprensa Nacional

41. Mateus Sarmento Jordão de Araújo Díli Datilógrafo

42. Matias Guterres de Sousa Uatu-Lari Ajudante de enfermeiro

43. Miguel Pinto Viqueque Agricultor

44. Nicodemos dos Reis Amaral Viqueque Chefe de povoação

45. Osman Djuli Díli Ajudante de mecânico

46. Paulo Amaral Viqueque Ajudante de motorista

47. Paulo da Conceição Castro Aileu Agricultor

48. Paulo da Silva Aileu Chefe do suco

49. Salem Bin Hamad Basserawn Díli Comerciante

50. Salem Mussalan Sagram Díli Escriturário do Consulado Indonésio

51. Venâncio da Costa Soares Díli Ajudante de motorista

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53. Vital Ximenes Díli Trabalhador rural

Fonte : Carlos Filipe Ximenes Belo (2009), A Revolta de Viqueque, Uatu-Lari e Uatu-Carbau, pp. 4-5.

Quadro 2. Lista dos desterrados para a ilha de Ataúro

No. Nome Naturalidade Profissão

1. Zeferino dos Reis Amaral Luca Chefe de suco

2. Armando Pinto Correia Catequista

3. Celestino da Silva Matahoi Chefe de suco

4. Fernando Soares Amaral Uatu-Lari Sipaio

5. João Eanes Pascoal Agricultor

Fonte: Carlos Filipe Ximenes Belo (2009), A Revolta de Viqueque, Uatu-Lari e Uatu-Carbau, p. 5.

Os 13 elementos da PERMESTA que sobreviveram foram também presos e enviados para Angola, sem nenhum protesto por parte do seu consulado em Díli, juntamente com outros timorenses, sendo mais tarde remetidos para as suas terras 284.

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