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A TEORIA DA REACTÂNCIA PSICOLÓGICA

2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.4. A TEORIA DA REACTÂNCIA PSICOLÓGICA

A Reactância Psicológica 104 é uma reação afetiva aversiva em resposta às restrições impingidas sobre a

liberdade e a autonomia, ou seja, a motivação para a recuperação da liberdade ameaçada ou perdida, como por exemplo, obrigar os timorenses a aceitar a integração à força, após a perda da independência pela invasão. Esta situação gera determinados comportamentos para restabelecer a autonomia ou a liberdade. E todas as vezes que a liberdade da pessoa é ameaçada pela supressão ou restrição, desenvolve-se uma motivação interna que tenta recuperar a liberdade perdida ou ameaçada105.

A reactância estimula as pessoas a formar opiniões contrárias às impostas. No caso de Timor, os cinco princípios do Estado indonésio Pancasila eram impostos a todos os timorenses, e todos tinham que os saber de cor.

102 Singh, Bilveer (1998), Timor-Timur Indonesia dan Dunia, Jakarta, PT. Citra Karisma Bunda p. 321.

103 Thomaz, Luís Filipe (2008), País dos Belos: Achegas para a Compreensão de Timor-Leste, Macau, Tipografia Hung-Heng, p. 365.

104 Reactância, s.f. FÍSICA: parte de impedância de um circuito, percorrido por uma corrente alternada, que não é devida a resistência pura, mas sim à indutância e à capacidade do circuito, in Dicionário Ilustrado da Língua

Portuguesa, Porto, Porto Editora, p. 737.

105 Moss, Dr. Simon (sd) Sico Tests, “Psycological reactance theory”, citando Jack W.Brehm (1966), A theory of psychological reactance. New: Academic Press. Consultável em: www.sicotest.com/psyarticle.asp?id=65, p.1, consultado no dia 20 de fevereiro de 2017

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As pesquisas demonstram que algumas formas dogmáticas da linguagem também provocam reactância quando são entendidas como ameaçadoras, e provocam ira e pensamentos desfavoráveis quando se utilizam algumas expressões, tais como: “deve”, “é necessário”, “não se permite”, “é extremamente sério”, “não existe.” 106

Um bom exemplo dessas formas dogmáticas foram as ameaças feitas por Raja Guguk aos comandantes, adjuntos assistentes e secretários da Frente Armada, a elite dos quadros médios em 1981, em Díli: “Uma coisa que vocês devem ter na cabeça; não existe Timor-Leste, mas sim Timor-Timur Indonesia. Ai dos berkepala dua, os que tem duas cabeças (os indecisos) e duvidam de que Timor é parte da Indonésia. Eu não vos mato, deporto-vos para fora de Timor-Timur” 107.

Antes do cessar-fogo, em março de 1983, Benny Murdani escreveu a Xanana Gusmão ameaçando-o para não pensar em pedir ajuda exterior, mas a cooperar com o Governo da Indonésia. Caso contrário seriam destruídos pela Operasi Persatuan (Operação Unidade), a ter lugar em agosto.108

Após o fim do cessar-fogo, a 17 de agosto de 1983, voltou a ameaçar a resistência e anunciou o plano para esmagar a Resistência Timorense: “Desta vez vamos atingi-los sem misericórdia.” 109

No dia 3 de fevereiro de 1990, juntamente com o General Benny Murdani, ministro da Guerra, lança a ameaça a Xanana Gusmão de que era um sonho ter um Estado de Timor-Leste. No passado existiam pequenos Estados na Indonésia que desejavam ser independentes, mas a Indonésia, sem hesitar, anulou essas pretensões, havendo rebeliões mais fortes do que a da FRETILIN110

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Para percebermos melhor esta ideia, indicamos, de seguida, os quatro elementos principais da teoria da reactância.

1. A Liberdade percebida, na qual o indivíduo acredita que é livre;

2. Ameaça à liberdade de pertencer a um Timor-Leste livre e independente;

3. A Reactância, ou seja, reação a essas imposições, por exemplo, aceitar pela força de ser um cidadão indonésio;

4. Restauração da Liberdade, ou seja, a luta pela aquisição da liberdade perdida 111 .

106 Idem, ibidem, pp. 1-2.

107 Na altura, segundo rumores, deveriam ser levados para o Distrito de Liquiçá onde seriam mortos. Tais rumores chegaram aos ouvidos do Bispo D. Martinho da Costa Lopes, que foi imediatamente ao KODIM (Comando Militar Regional), onde estavam os prisioneiros e interveio, impedindo que fossem levados para serem fuzilados. Domingos de Sousa (2014), Vozes da Resistência Timorense…, entrevista com Virgílio Simith, pp. 171-172.

108 Comissão (2001), Relatório…, Capítulo III: História do Conflito, p. 113. 109 Idem, ibidem, p. 115.

110 Taylor, John G. (1993), Timor: a história oculta, p. 372. Discurso do general Benny Murdani, Díli, 3 de fevereiro de 1990, transcrito de cassetes gravadas por Liem Soei Liong, e traduzido por Carmel Budiarjo. O discurso está disponível como um documento do Tapol.

111 Rodrigues, Aroldo (1969), Efeitos de Reatância Psicológica e Redução ao de Dissonância sob Diferentes

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Para justificar a sua presença, em Timor, a Indonésia lançou uma propaganda cujo objetivo era salvar o povo timorense do atraso e do desleixo do colonialismo português, como disse o Chefe da Comissão I do Parlamento da República da Indonésia, Imron Royadi, na visita de “um dia” a Timor-Leste, a 24 de junho de 1976:

“Na realidade, para aquela gente, viver para quê? Parece que não tem objetivo de vida. Assemelham-se apenas a coisas. Viver por viver apenas. Por isso, depois da integração com toda a força, deve-se iniciar desde o á-bê-cê em todos os aspetos da construção”112.

Os timorenses pertenciam à categoria dos dispensáveis.113 Sem os timorenses, a Indonésia

continuava a viver e a seguir o seu caminho. Em setembro de 1975, Dading Kalbuadi, um estratego militar da invasão de Timor, sediado em Batugadé, informou que “com ou sem a FRETILIN, a Indonésia invadiria na mesma Timor ”114.

A mesma afirmação foi feita por um dos funcionários da imigração ao qual, Manuel Babo, um dos líderes da UDT e o Secretário-Geral da UDT, Domingos de Oliveira, contactaram na fronteira Timor- Leste Indonésia para comprar munições. Após várias insistências do Manuel Babo, o homem respondeu:

“Os senhores não têm outra alternativa. Queiram ou não, com o 11 de agosto ou sem o 11 de agosto, com a FRETILIN Marxista-Leninista ou sem a FRETILIN Marxista-Leninista, vocês não podem ficar independentes. Nós vamos invadir Timor”115.

Havia indonésios que tomavam atitudes de superioridade para com os timorenses, como podemos ver a seguir: “Nós, os soldados indonésios, não precisamos dos timorenses“, declarou o comandante da guarnição militar de Díli, [...] “lidamos com os timorenses como lidamos com os porcos – mata-mo-los sempre que possível”116.

Frases de depreciação eram lançadas não só pelos chefes militares como também pelos civis, como se pode observar pelas palavras dos professores da Escola de Formação de Professores (Sekolah

Pendidikan Guru) que, quando os alunos não eram capazes de responder às perguntas, e eram

reconhecidos como familiares de algum independentista, diziam: bodoh-boh begini kok mau jadi

merdeka, ou seja, “assim estúpidos querem ser independentes”117!

112 Soekanto,(1976) Integrasi…, (1976), p. 683

113 ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA (2000), Os Vinte e Cinco Anos da “Questão de Timor-Leste” no Parlamento

Nacional Volume I, Lisboa, Assembleia da República, Divisão de Edições, p. 291.

114 Pires (2013), Timor, p. 105.

115 Fonseca (2014), Rui Brito de, Timor – Em memória de Augusto César Mouzinho, vice-presidente da U.D.T

Herói esquecido – Litogaia – Artes Gráficas Lda., p. 85.

116 Citação tirada de um documento apresentado ao Fourth Christian Consultation on East Timor, 22-24 de janeiro de 1990, Lisboa, citado por John G. Taylor, Timor: a história oculta, Lisboa, Bertrand Editora, p. 315.

117 Gusmão, Maria Manuela (2010), Cooperação Bilateral, Brasil-Timor-Leste na profissionalização docente em

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Os factos comprovam o comportamento da Indonésia em relação aos que defenderam a Integração, que eram mal tratados quando protestavam contra a Indonésia ou quando deixavam de lhes ser úteis, como aconteceu com os defensores da integração, como, por exemplo, Arnaldo dos Reis de Araújo, 1.º Governador de Timor nomeado por Jacarta, Guilherme Gonçalves, 2.º Governador, Abílio Osório Soares, Chefe do Departamento das Obras Públicas, João Martins, Chefe do Departamento da Educação morto envenenado, Alarico Fernandes, João Branco e Kilik, depois de se terem rendido.

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