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A Política Pública como o Espaço de Pesquisa

No documento marciamathiasdemiranda (páginas 97-101)

3 A TRAJETÓRIA DO TRABALHO DE PESQUISA: PROJETO E

3.3 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

3.3.1 A Política Pública como o Espaço de Pesquisa

Esta tese compreende, para a concretização de seu estudo empírico, o campo da Política Pública. A investigação perpassa pela análise da dimensão institucional da política, que se refere à organização do sistema político, delineada pelos sistemas legal e jurídico e também pelos fatores culturais. Segundo Theodolou e Cahn (1995), os fatores ambientais formam o “segundo contexto”. O contexto no qual a política é feita é composto por fatores culturais, demográficos, econômicos, sociais e ideológicos. Valores e crenças comuns, para a autora, ajudam a determinar a política e, por outro lado, a aceitar as ações que com esses campos estão de acordo. A opinião pública limita a direção da política, lembrando que os que possuem poder econômico possuem também poder político. O contexto institucional, conforme a autora, afeta a formulação, a implementação e a substância da Política Pública. O conflito ideológico entre campos políticos que se opõem sobre a natureza da ação governamental afeta o debate político em todas as áreas.

No Brasil, não identificamos diferença dos discursos entre a direita e a esquerda com relação às políticas criminais. Podemos afirmar em nossa tese, entretanto, a presença dos fatores institucionais que, assim como a natureza

política, apontam para a presença e afirmação de práticas punitivas. A pesquisa revelou que, enquanto na retórica alguns setores da política brasileira afirmam se diferenciar, nas políticas criminais encontradas nas ações da execução penal eles se igualam – isso aparece, por exemplo, nos partidos supostamente opostos em suas ideologias e propostas, representados, atualmente, na Presidência da República e no governo de Minas Gerais, ambos presentes no setor da Política Pública estudado e com a natureza de suas propostas reveladas tanto nas atividades em implementação pesquisadas quanto nas inatividades identificadas.

Theodolou e Cahn (1995) enfatizam que um ponto no qual todos os autores concordam é o de que a Política Pública afeta, profundamente, a vida dos indivíduos em uma sociedade. O interesse pelo estudo da Política Pública se dá, inclusive, porque se trata de assuntos e decisões que nos atingem diretamente, e tal estudo não pode ignorar o debate ideológico que circunda esse contexto antes da criação de tais ações.Segundo os autores, não se pode separar a política da Política Pública nem do ambiente no qual ela é feita. A Política Pública, geralmente, reconcilia reivindicações conflitantes com recursos escassos, estabelece incentivos para cooperação e ação coletiva, proíbe comportamentos inaceitáveis, protege a atividade de um grupo ou de um indivíduo, promove benefícios aos cidadãos...

Ao discutir sobre o significado da Política Pública, Theodolou e Cahn (1995) tomam como pontos fundamentais: a) a ideia de que a Política Pública deve se distinguir entre o que os governos planejam fazer e o que, de fato, fazem –os autores sugerem que a inatividade dos governos é tão importante quanto a sua atividade; b) a noção de que a Política Pública envolve todos os níveis de governo – ela não fica restrita a atores formais, pois esses também exercem extrema importância; c) a Política Pública não se limita somente à legislação, às ordens executivas, às regras e regulações; d) a Política Pública é um curso de ação intencional, realizando metas e objetivo; e) a Política Pública tem uma terminologia longa e outra curta – a política é um processo contínuo, que envolve não somente a decisão para decretar uma lei, mas também as subsequentes ações de implementação, execução e avaliação.

Nesta tese, incluímos como objeto de análise a dimensão operacional (implementação da Política Pública), que se refere aos conteúdos concretos os quais envolvem a configuração dos programas políticos, os problemas técnicos e também a execução das propostas. A pesquisa buscou estabelecer um quadro

comparativo entre os objetivos da política criminal no estado de Minas Gerais, encontrado na formulação de tal política (tanto em nível federal quanto em nível estadual e municipal), e o que é implementado (dimensão operacional), ou seja, o real resultado alcançado com tais propostas, o que nos remete à compreensão de como é executada a estratégia reabilitativa nesse estado. O processo da Política Pública inclui estágios sequenciais de atividades e, na literatura, há pouca discordância com relação a quais são esses estágios. Segundo Theodolou e Cahn (1995), o dissenso entre os cientistas se apresenta mais com relação ao impacto que cada estágio tem sobre o próximo e ao que deveria ou não acontecer em cada estágio. Os autores definem os pontos nos quais há maior concordância: a) reconhecimento do problema; b) definição da agenda; c) formulação da política; d) adoção da política; e) implementação da política – realizada por meio de programas e da burocracia, frequentemente, com os cidadãos, Estado e cooperação do governo local; f) análise e avaliação da política – que envolve a investigação das consequências das ações.

Conforme Souza (2006, p. 22), o que o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser estudado por cientistas:

A trajetória da disciplina, que nasce como subárea da ciência política, abre o terceiro grande caminho trilhado pela ciência política norte-americana no que se refere ao estudo do mundo público. O primeiro, seguindo a tradição de Madison, cético da natureza humana, focalizava o estudo das instituições, consideradas fundamentais para limitar a tirania e as paixões inerentes à natureza humana. O segundo caminho seguiu a tradição de Paine e Tocqueville, que viam, nas organizações locais, a virtude cívica para promover o “bom” governo. O terceiro caminho foi o das políticas públicas como um ramo da ciência política para entender como e por que os governos optam por determinadas ações.

Desse modo, voltamo-nos para a análise da ação dos governos, compreendendo os Planos de governo como estratégias situadas em um campo político, enquanto a implementação, para além da orientação política, pressupõe uma atuação profissional e técnica. Assim, cabe a esta tese uma discussão política e técnica desse processo. Segundo os autores Nakamura e Smallwood (1980), há uma separação, uma delimitação e um aspecto sequencial entre fazer a política e implementá-la. As delimitações entre os policy makers e os implementadores se dão devido à divisão clara entre a tarefa de cada um e, desde que ambos aceitem tal delimitação, a implementação de desdobra de forma cronológica e sequencial; por

conseguinte, as decisões que ela envolve são políticas e técnicas por natureza. Para os autores, os implementadores formais carregam o fardo do processo de implementação e delegam responsabilidades aos implementadores intermediários (que pode ser, por exemplo, o setor privado e, nesta pesquisa, apresenta-se também pelo terceiro setor). A implementação pressupõe aos agentes se haver com situações contingentes. Majone e Wildavsky (1995) afirmam que conhecer somente o objetivo programático proposto sem estar consciente da existência de outras limitações é insuficiente para prever e controlar os resultados, ou seja, é prevista a possibilidade de novas circunstâncias no processo e, dessa forma, a implementação da política deve prever momentos de crise e, consequentemente, a possibilidade de reformulações da atuação.

Bardach (apud THEODOLOU; CAHN, 1995) defende que o processo de implementação nos leva à metáfora do jogo, que pode ser classificado pela natureza dos elementos que o compõem. Segundo o autor, é como organizar um estratagema. O controle é o coração do problema da implementação, sendo exercitado por meio da barganha, da persuasão e das manobras sobre as condições de incerteza: “‟O controle‟, portanto, define as estratégias e as táticas – daí a conveniência dos „jogos‟ como caracterização dos aspectos de „controle‟ do processo” (BARDACH apud THEODOLOU; CAHN, 1995, p. 138)37. A implementação de uma política de Segurança Pública, tal como podemos inferir após nossas leituras e análises em campo, é uma tarefa que demanda a presença do Estado necessariamente, bem como o controle do processo exercido também por ele. O que identificamos, no decorrer da pesquisa, por outro lado, não foi uma falta de controle ou uma dificuldade em implementar uma proposta teórica, mas, em muitos momentos da pesquisa, fica claro que a implementação de uma proposta revela tanto a alternativa técnica aplicada quanto a natureza política que a orientou e também a presença e condução do campo institucional, voltados para a punição dos criminosos. Esta tese focou em um crime não violento (crime de furto) cometido, na maioria esmagadora dos casos, por indivíduos da classe popular. A pesquisa reafirma que o Brasil, por meio do quadro penal de Minas Gerais, castiga, predominantemente, a pobreza, oferecendo técnicas inadequadas (ou, mais

37

“„Control‟, therefore, resolves into strategies and tactics – hence the appropriateness of „games‟ as the characterization of the „control‟ aspects of the process” (BARDACH apud THEODOLOU; CAHN, 1995, p. 138).

precisamente, não oferecendo) de reabilitação desses criminosos. Inevitavelmente, nossas inferências extrapolam as condições técnicas de implementação da política – a reabilitação do criminoso é uma discussão que inclui, principalmente, a natureza da política e a discussão do papel do Estado nas questões públicas.

No documento marciamathiasdemiranda (páginas 97-101)