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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: CONTRIBUIÇÕES SOCIOLÓGICAS A

No documento marciamathiasdemiranda (páginas 81-90)

3 A TRAJETÓRIA DO TRABALHO DE PESQUISA: PROJETO E

3.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: CONTRIBUIÇÕES SOCIOLÓGICAS A

Esta pesquisa defendeu, inicialmente, uma busca pela compreensão da reabilitação do criminoso a partir do referencial teórico do interacionismo simbólico e dos estudos culturais, relacionando essa perspectiva teórica ao pós-estruturalismo e buscando a compreensão dos processos sociais e dos processos de subjetivação envolvidos na reabilitação do criminoso. Tal referencial teórico sustentou-se no decorrer de toda a trajetória deste trabalho acadêmico. Propomos, na qualificação desta tese de Doutorado, uma investigação a partir das interações face a face entre os indivíduos criminosos envolvidos nesse processo, analisando a coerência, ou não, existente entre o que é imposto por agentes socializadores (família e instituições nas quais os criminosos prestam serviço sob a condição de pena alternativa), presentes na interação com o indivíduo criminoso em processo de reabilitação, e o que é imposto pela legislação do país do qual fazem parte. A proposta para o nosso estudo inicial foi a da realização de um estudo empírico, que não objetivou (assim como a proposta atual) a avaliação do programa de penas alternativas, mas a investigação dos processos sociais relacionados ao campo reabilitativo.

Apresentamos uma discussão que não se esgota no processo social e interacional, mas que considera a presença do indivíduo e de sua subjetividade, mais especificamente, da subjetivação descrita por Foucault (1999). Partimos da hipótese de que a infração refere-se à lei, enquanto a delinquência é um processo de subjetivação. Assim, entendemos, nesta pesquisa, que a criminalidade pressupõe mais do que se opor aos valores tradicionais – não há como pensar a criminalidade (ou a delinquência) sem pensar como é concebida no campo social, ou seja, como é produzida pelas relações sociais e de poder descritas por Foucault (1999).

A compreensão do crime implica uma reflexão que envolve a dicotomia entre indivíduo e sociedade – um debate encontrado desde Durkheim (1978). Denzin (2001b), ao descrever a proposta de pesquisa do interacionismo interpretativo, defende que a inter-relação é um campo complexo que comporta o

universal e o singular, cabendo, portanto, o estudo da instância singular de experiências universais e dos processos sociais, ou seja, um método que envolva um estudo biográfico e um estudo histórico. Assim, esta pesquisa defendeu, inicialmente, a viabilidade do estudo da reabilitação do criminoso, considerando o processo interacional e também a condição subjetiva desse sujeito ao que lhe é posto. Propomos, em nosso projeto inicial, uma compreensão do processo de interação que considerasse os criminosos e as suas famílias como os principais atores das entrevistas e análises. O projeto apresentado nesta tese, entretanto, sustentou uma análise da interação entre os atores da rede de execução penal, compreendendo-os como os principais atores do processo de reabilitação.

O Brasil conta, em sua legislação, com a possibilidade de cumprimento de pena em liberdade para infratores condenados até 4 (quatro) anos pela justiça criminal. A instituição das Penas Restritivas de Direito e, dentre elas, a Prestação de Serviço à Comunidade, tem seu início no Brasil, em 1984, e traz uma “nova” forma de se exercer o controle do crime em nosso país e de conduzir as estratégias de intervenção destinadas ao indivíduo criminoso. Acreditávamos que o trabalho desenvolvido pela Central de Acompanhamento das Medidas e Penas Alternativas, responsável pelo acompanhamento da prestação de serviço à comunidade, favoreceria uma pesquisa de campo (voltada para a investigação de criminosos condenados pelo crime de furto) à medida que favorece o acesso ao indivíduo criminoso (trabalhado em liberdade) acompanhado em seu processo de cumprimento de pena pelo programa, após ser, publicamente, reconhecido como um criminoso. Pelo fato de estar em liberdade, esse indivíduo encontra-se em interação cotidiana com a família e com as organizações formais às quais é encaminhado para cumprimento de pena (prestar serviços à comunidade) – em todos os ambientes sociais, o criminoso encontra-se em interação face a face com grupos e indivíduos atuantes no processo reabilitativo enquanto agentes socializadores.

Denzin e Lincoln (2006) colocam como tarefa do pesquisador que se fundamenta no interacionismo interpretativo, descrito por ele, aprender como se dá a relação dos assuntos públicos com os problemas pessoais e com os problemas da vida individual. A proposta metodológica desse autor nos permitiu tomar como relevante, na reflexão da reabilitação, a hipótese de que há um processo interacional entre os grupos dos quais o infrator em liberdade participa e que

possuem características comuns presentes na socialização do indivíduo infrator (tínhamos como hipótese que tais grupos, e não o Estado, seriam os principais atores da reabilitação). Assim, a pesquisa de campo inicial teve como proposta de análise apresentar como a reabilitação é experimentada pelos indivíduos criminosos ingressos na CEAPA. Esse programa também faz acompanhamento de delinquentes que em um primeiro momento se ingressaram nessa instituição e, diante da reincidência criminal, encontram-se internados no sistema carcerário (o que nos possibilitaria, também, um estudo comparativo por meio de um grupo de controle).

Utilizamos, ainda, em nossa análise, o conceito de impositor de regra, trabalhado por Becker (1977). Segundo o autor, uma infração não pode ser ignorada após ter-se tornado pública, cabendo aos impositores de regras (considerados por ele como a polícia) impor as regras. Nossa suposição era a de que a reabilitação se realiza por meio dos processos sociais e, dessa forma, os agentes socializadores com os quais o indivíduo infrator interage são decisivos no processo reabilitativo (sejam eles agentes do Estado ou grupos familiares) – isso corresponde a um processo de promoção da integração social, e/ou interrupção da construção de carreiras criminosas. Uma vez que não trabalharíamos com o aparelho repressivo, consideramos os impositores de regras como os agentes socializadores, mais especificamente, a família do criminoso. A prisão é desastrosa, exatamente, por sustentar a interação entre os pares. Sutherland e Cressey (apud TRAUB; LITTLE, 1994) tornam clara essa defesa em uma argumentação interacionista a partir da perspectiva da Associação Diferencial. Nosso projeto de pesquisa, nesta tese, passa por um amadurecimento intelectual e revisão de nossas posições iniciais, reconhecendo o Estado como o principal agente socializador, por meio das políticas públicas, ou seja, elegemos a implementação das propostas dos governos (ações) como essenciais para se pensar a possibilidade da reabilitação do criminoso.

Denzin (2009), ao estudar indivíduos envolvidos com o abuso de álcool e reconhecidos como alcoólatras, considera que tornar público o ato é decisivo para a identificação e para a interpretação do sujeito sobre a condição de ser um alcóolatra – ao ser encaminhado a um programa corretivo, o sujeito experimenta a condição de ser um alcoolista. Esta pesquisa se referenciou nas produções de Denzin para pensar a condição da criminalidade e da delinquência, reforçando esta reflexão, entretanto, a partir da abordagem foucaultiana, que considera a delinquência como

uma circunstância produzida pelo próprio sistema criminal. É ao ser tornado público o ato que o Estado é chamado a intervir, e também a possibilidade da produção da delinquência (que tem no Estado o principal ator) se dá no momento em que é tornado público o ato infrator – o que se dá com a abordagem policial, seguida do julgamento do indivíduo pelo judiciário e com o criminoso conduzido, a partir daí, a um regime penal (correspondente a um castigo atribuído ao ato ilícito), seja a pena aplicada em liberdade ou na privação desta. Fundamentados nas contribuições teóricas de Foucault (1975), tomamos (no decorrer de todo o processo da pesquisa) o sistema penal como produtor da delinquência e nos propomos a realizar uma análise crítica também acerca da discussão da reabilitação. Inicialmente, o criminoso foi tomado como objeto de investigação. Entendemos o delinquente como “distinto do infrator pelo fato de não ser tanto seu ato quanto sua vida o que mais o caracteriza” (FOUCAULT, 1975, p. 211).

Partindo da compreensão de que a delinquência é produzida pelo sistema penal, o que nos interessou nesta pesquisa foi identificar o que é relevante no processo de reabilitação e, ao passar pela abordagem policial, pelo sistema judiciário e pelo sistema penal, o sujeito encontra enquanto produção de sua subjetividade não a delinquência e a repetição do crime cometido, mas a interrupção de uma possível carreira criminosa.

Partimos de dois questionamentos centrais: a) Quais são os processos sociais envolvidos na proposta reabilitativa? Quem é o sujeito que se reabilita? Entendemos que não só o processo social defendido pelo interacionismo e o desempenho de papéis sociais responde por este fato, como também o processo de subjetivação defendido pelo pós-estruturalismo favorece uma análise do processo da reabilitação.

Dentro deste quadro reflexivo, esta pesquisa objetivou a investigação dos processos sociais e, neles, a análise de como a identificação e a compreensão das novas práticas sociais transmitem os significados e os sentidos, os valores éticos e os valores morais. Logo, a questão da reabilitação (quando investigada em programas alternativos ao cárcere – apresentados como favoráveis por preservar a dignidade humana e os laços familiares e empregatícios) envolve um processo de subjetivação que não se esgota na discussão da liberdade de ir e vir. Entendemos que promover reabilitação não se restringe a oferecer liberdade – os indivíduos em processo de pena alternativa, de fato, não se encontram encarcerados e em

interação cotidiana com os seus pares nas celas, mas em interação cotidiana com a família, com o local de trabalho e com as organizações nas quais os serviços são realizados, entretanto, submetidos (ou reduzidos?) a uma determinação judicial, mediada por um significado essencial para a compreensão desse processo: o de retribuição pelo crime cometido.

Esta pesquisa partiu da proposta de análise da estratégia reabilitativa implementada com o indivíduo criminoso em liberdade, contudo, não renunciamos à discussão crítica dessa alternativa penal, em execução, no Brasil, mais especificamente no estado de Minas Gerais. No percurso deste estudo, nosso objeto de pesquisa tornou-se hipótese à medida que uma série de lacunas foram se apresentando a esta pesquisa: desde a implementação da política até mesmo lacunas (ou inércia) diante de pressupostos essenciais a um programa que se propõe promover a reabilitação de um criminoso.

Em momento algum, nesta tese, consideramos a reabilitação como uma completa ausência de algum tipo de crime previsto pelo Código Penal no comportamento de um indivíduo, mas como um processo de intervenção que possibilite ao indivíduo integrar-se à convivência coletiva, interagindo com campo social a partir dos referenciais de cidadania, ou seja, como um cidadão para o qual o crime cometido se resumiu a um ato, e não a um hábito adquirido. Reabilitar nada mais é do que permitir que tal ato criminoso, tornado público, restrinja-se à própria situação: se limite para o indivíduo e, para a sociedade (como consequência), ao ato cometido. A consequência do processo de reabilitação, portanto, é a garantia de uma Segurança Pública mais efetiva (resumir-se ao ato cometido significa não repetir, incansavelmente, o mesmo crime – como é descrito o furto, em muitas entrevistas). Reabilitar remete a uma discussão sobre o campo das Políticas Públicas, e não à discussão da penalização.

O processo de subjetivação descrito por Foucault (2002) remete a um processo de sujeição e, no processo penal, tal sujeição culmina em delinquência. Compreendemos a reabilitação como uma alternativa à pena e também como um processo de produção de uma subjetividade mediado por valores de cidadania e de participação social. A sujeição ao campo objetivo pode ser inevitável; contudo, a produção de um sujeito que cometeu um ato criminoso não necessariamente precisa ser a de delinquente – consideramos que os processos sociais têm possibilidade de oferecer outras alternativas.

Dessa forma, dentro da proposta da pesquisa realizada e aqui nesta tese descrita, consideramos a reabilitação como um processo de socialização bem sucedido, em que o indivíduo, após adquirir a condição de criminoso, encontra saídas à produção da delinquência, ou seja, o reconhecimento público como criminoso (bem como sua interpretação dos fatos) fica centrado em uma fase da vida (e restrito ao ato cometido). Embora a estratégia preventiva também seja considerada pela literatura como algo que comporta uma proposta reabilitativa, iremos nos limitar à análise das estratégias corretivas oferecidas pelo estado de Minas Gerais, ou seja, à condução dada pelo Estado para os casos que envolvem incidências de crime em seu território. Defendemos que o controle interno dos atos de um indivíduo é adquirido pelos processos sociais e por estratégias de controle social exercidas pelo Estado sobre a sociedade. A reabilitação é abordada nesta tese não como um “tratamento”, ou como uma “liberdade vigiada35”, mas como um

mecanismo que favorece, enquanto consequência para o indivíduo, a reinserção social, e, enquanto consequência para a sociedade, a Segurança Pública.

Para tal compreensão, entretanto, tornou-se inevitável uma reflexão sobre o contexto social e sobre as construções que, neste campo, são relevantes para se pensar o quadro de criminalidade encontrado. Tomando como referência a discussão foucaultiana, compreendemos a criação de leis mais rígidas, bem como o investimento no sistema repressivo e prisional como um processo que produz, inevitavelmente, mais delinquentes. Não trabalhamos com um objeto a-histórico; portanto, compreender o contexto atual é fundamental para localizarmos não só quem são os criminosos perigosos, mas também como se dá o crescimento desse tipo de criminalidade. A literatura acadêmica norte-americana da reabilitação sugere que o gerenciamento efetivo da delinquência deve ser feito por técnicas apropriadas (nomeadas como reabilitativas). O questionamento do qual partimos, entretanto, é voltado para compreender, exatamente, o que diferencia as técnicas reabilitativas do sistema produtor da delinquência. A reabilitação é analisada como possível pela literatura norte-americana, mas, ao mesmo tempo, como carente de investimentos por parte do Estado em Políticas Públicas que comportem sua proposta. Tínhamos a hipótese (considerando o Código Penal brasileiro) de que a realidade do Brasil se diferenciava da norte-americana e de que, em Minas Gerais, o investimento no

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Ao programa pesquisado (CEAPA) cabe acompanhar o cumprimento da pena, garantindo que a imposição judicial de trabalhos prestados à comunidade seja cumprida pelo criminoso.

programa de penas alternativas oferecia uma realidade penal diferenciada – há um discurso, levantado pelo próprio governo mineiro, de uma inovação na proposta da Segurança Pública, conciliando com sucesso, no estado, prevenção e repressão.

A defesa encontrada na literatura norte-americana aponta para um fator fundamental, ou seja, dentro de uma série de sugestões, os programas reabilitativos compartilhem de um ambiente que acredite na reabilitação – isso pressupõe que não é possível alcançá-la, por exemplo, sem a participação da sociedade e sem a participação da mídia nesse processo (e sem um caminho que se oponha à repressão, em vez de aliar-se a ela). Pensamos esta defesa como feita, entretanto, em uma sociedade que vivencia como realidade factual a lei e ordem, o que torna o discurso da reabilitação um discurso teórico e a definição dessa estratégia de controle do crime como algo obscuro, com a reabilitação, em si, traduzida em termos de possibilidade.

A pesquisa empírica da reabilitação é descrita pelos teóricos estadudinenses como aquela que encontra dificuldades devido ao fato de o investimento nos programas reabilitativos ser insatisfatório (MARTIN; SECHREST; REDNER, 1981). Tal dificuldade também foi encontrada por nós em nossa proposta de investigação em Minas Gerais. Assim como foi descrito pelos autores norte- americanos sobre as pesquisas existentes36, também, no Brasil, propostas alternativas somam-se ao grande volume de programas e ações punitivas que se destinam ao controle do crime. Isso coloca a reabilitação no campo do discurso, da teoria e da possibilidade, e não (por meio de uma pesquisa de campo) na condição de uma realidade factual encontrada, analisada, compreendida e descrita.

Martin, Sechrest e Redner (1981), bem como Empey e Rabow (1961), afirmam o baixo investimento em programas de reabilitação e consideram que essa estratégia de enfrentamento do crime, tal como compreendemos e defendemos nesta pesquisa, não condiz com a realidade atual norte-americana. Os autores esclarecem que aquilo que é apresentado por meio de uma pesquisa macrossociológica acerca da realidade dos investimentos do Estado em reabilitação representa uma formulação intelectual, ou os programas, ainda que em um contexto

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Os programas que envolvem um modelo desenvolvido a partir de propostas reabilitativas são mais escassos. Dentre os programas reabilitativos para infratores acompanhados de pesquisa de avaliação (e fundamentação teórica), estão o Provo Experiment, que oferece um modelo reabilitativo e também uma proposta de construção científica sobre o tema da reabilitação (EMPEY; RABOW, 1961).

lei e ordem, comporta a técnica reabilitativa – o que a literatura acadêmica norte- americana nega. Os autores defendem que até mesmo a mídia deve participar do processo reabilitativo para que ele se dê com efetividade. A crítica que fizemos, inicialmente, ao contexto acadêmico norte-americano, entretanto, serviu-nos, ao conhecermos, empiricamente, a nossa realidade penal. Fizemos do problema de campo uma possibilidade de análise e de discussão científica; não negligenciamos, todavia, as dificuldades de uma pesquisa sobre a reabilitação, também, no contexto brasileiro. Em Minas Gerais, a lacuna encontrada no campo de investigação empírica (que nos impossibilitou investigar a presença da reabilitação no trabalho em liberdade) serviu-nos não exatamente para uma formulação intelectual ou filosófica do que seria a reabilitação, mas para uma discussão científica crítica da realidade penal e para a falta da presença do Estado nessa esfera (que é um dado científico de grande relevância). E, a partir da análise do que se encontra (e também do que não se encontra), inferimos a reabilitação como uma tarefa a ser exercida, exclusivamente, pelo Estado e não pelas famílias ou demais agentes socializadores reformulando também nossas hipóteses: as famílias, possivelmente, precisariam ser alvo também de Políticas Públicas, assim como o sentenciado (a vulnerabilidade que encontramos na realidade da execução penal, possivelmente, não se esgota nele).

Sem a pretensão de normatizar esse processo, identificamos as contradições existentes entre o que se propõe e o que se realiza no campo da “ressocialização do criminoso”, em Minas Gerais. Identificamos a reabilitação como um processo a ser executado pelo Estado – o pensamento lógico nos permite compreender que uma estratégia oposta à realidade política encontrada pode produzir uma consequência oposta à encontrada. Reconhecemos, entretanto, que a realidade factual deste momento limita a investigação empírica e, assim, dificulta identificar com mais exatidão o que, de fato, define um gerenciamento efetivo do quadro de criminalidade. Nossa constatação, também no Brasil, é muito mais, portanto, o que “não funciona”.

A discussão da efetividade das ações do Estado na Segurança Pública pressupõe, sobretudo, o reconhecimento do crime como um acontecimento presente na relação – interação – coletivo – campo cultural – e principalmente político – e não no criminoso apenas. Isso traz a demanda por políticas criminais e

penais que considerem a realidade local em que a intervenção política se destina, além de reflexões acadêmicas acerca dessa temática.

Um dos aspectos amplamente discutidos pela literatura que aborda a reabilitação do criminoso ou do delinquente como tema é a sugestão de que as Políticas Públicas priorizem o trabalho voltado para o controle do crime e da delinquência, privilegiando o indivíduo em liberdade. O confinamento em uma instituição total favorece a eliminação da decisão autônoma e a mortificação do eu (GOFFMAN, 1961). Ainda que a abordagem das prisões como instituições totais no Brasil, hoje, seja algo bastante questionável, entendemos que o indivíduo submetido à internação em um sistema prisional adapta-se à instituição à qual está submetido e vivencia uma série de privações das necessidades pessoais e sociais. As Unidades Prisionais promovem a retirada da autonomia dos indivíduos submetidos ao sistema e consequente responsabilização da instituição por esses indivíduos. De forma oposta a isso, há uma responsabilização individual atribuída ao crime cometido que, no decorrer do processo penal, relaciona-se ao processo de reabilitação, ou seja, a reabilitação é tomada como uma tarefa e/ou conquista individual alcançada a partir das condições totalmente adversas.

Compreendemos a prisão mais do que como uma estratégia inefetiva – é uma estratégia produtora de delinquência que contribui, diretamente, para a formação de carreiras criminosas (FOUCAULT, 1975). Na verdade, se não fosse pelo rótulo de ex-presidiário e pela socialização no crime e no comportamento violento que sofre quem é submetido ao sistema prisional (ou seja, se não fosse pela produção da delinquência), poderíamos afirmar, neste estudo, que o indivíduo sai do sistema prisional como entrou – afinal, rever as lacunas deixadas pelo Estado com relação a esse público em termos de direitos básicos (o que é uma realidade penal mineira constatada em pesquisa) demanda um campo de ações do Estado ativo no processo de execução penal. No decorrer desta pesquisa, as lacunas deixadas pelo estado mineiro (tanto antes quanto depois do cometimento do crime da grande maioria da população condenada pelo crime de furto em Juiz de Fora) foi o que identificamos de mais evidente.

3.2 QUESTIONAMENTOS E NOVAS CONSIDERAÇÕES: O CAMPO COMO

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