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QUESTIONAMENTOS E NOVAS CONSIDERAÇÕES: O CAMPO

No documento marciamathiasdemiranda (páginas 90-97)

3 A TRAJETÓRIA DO TRABALHO DE PESQUISA: PROJETO E

3.2 QUESTIONAMENTOS E NOVAS CONSIDERAÇÕES: O CAMPO

A proposta temática desta tese (investigação da reabilitação do criminoso) tem o seu início na pesquisa da dissertação de Mestrado da autora, comportando o doutorado uma continuidade desses estudos. A proposta deste projeto de pesquisa, por outro lado, tal como ele se apresenta executado, tem a sua origem no próprio campo. A realidade encontrada, ao iniciar nosso trabalho empírico, trouxe-nos dados importantes sobre o nosso objeto de investigação.

Tivemos um grande percurso (que incluiu dificuldades e, inevitavelmente, questionamentos e análises) até acessarmos os atores selecionados inicialmente para as entrevistas. Começaríamos, como já explicitado, pelos infratores que passaram pela justiça criminal e foram conduzidos à CEAPA pelo crime de furto, bem como pelas suas famílias. Estabelecemos como critério homens, com idade entre 18 e 29 anos (considerados na literatura acadêmica como sujeitos em período “produtivo” criminalmente), incluídos no programa e há 6 (seis) meses cumprindo a pena com relação à data do início da pesquisa, e usuários na condição dos 6 (seis) meses finais do cumprimento da pena contados com relação à data do início da pesquisa.

Segundo o Relatório Geral do Programa CEAPA (INSTITUTO ELO, 2012), o número total de penas e medidas em monitoramento, em Juiz de Fora, no mês de agosto de 2012 (mês em que conseguimos ter acesso à planilha com o registro dos usuários), em condição de Prestação de Serviço à Comunidade é de 658 (seiscentos e cinquenta e oito usuários). Segundo consta no documento, apenas 14 (quatorze) estavam em descumprimento da medida. Dos condenados em 2011 e primeiro semestre de 2012 (período que conta com os dados organizados e, portanto, possíveis de serem acessados e de realizar a seleção de uma amostra), apenas 5 (cinco) indivíduos estavam dentro dos critérios estabelecidos por nós para a realização das entrevistas – homens, com idade entre 18 e 29 anos, condenados por crime de furto e em cumprimento de pena no programa CEAPA à Prestação de Serviço à Comunidade (PSC). Desses, 1 (um) pediu transferência para a pena pecuniária, 3 (três) abandonaram o cumprimento da pena e apenas 1 (um) indivíduo condenado cumpria pena em liberdade por crime de furto no programa. Descobrimos, nesse momento, que a maior parte dos indivíduos encontrados em

prestação de serviço à comunidade o fazem sem uma condenação pela justiça criminal – a maioria do público atendido pelo programa CEAPA é encaminhada pelo juizado e não pela Vara Criminal, e em situação de transação penal, ou seja, cumpre pena sem ser condenado pela justiça criminal, mas a partir de um acordo estabelecido com o Juizado com a expectativa de evitar uma condenação. Isso evita gerar um processo para o indivíduo e, em contrapartida, pode gerar uma sentença para um indivíduo que fere o que o Código Penal define como “princípio do estado de inocência” com o indivíduo, ao final do processo, caso ele acontecesse, podendo ser inocente. Não sabemos, inclusive, de acordo com o nível de instrução e escolaridade dos usuários do programa informado pelos profissionais, se eles, de fato, compreendem o que significa cumprir pena sem ser condenado pela justiça criminal.

Diante da realidade observada na pesquisa de campo, novos questionamentos (inevitavelmente) se colocaram: a) Onde estão os condenados por furto na cidade de Juiz de Fora, nesse período? O juiz está encaminhando os condenados (por crime não violento como é o caso do furto) em Juiz de Fora para o sistema prisional? Há uma dificuldade de controle, pelo programa, do acompanhamento das penas. Juiz de Fora não conta com uma Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas e o acompanhamento da pena alternativa, na prática, fica sob responsabilidade do programa, com o executivo assumindo, sozinho, a condução desse processo. O abandono do cumprimento da pena, dadas as condições materiais e de recursos humanos, demora, muitas vezes, a ser identificado (o que também aparece desde a pesquisa exploratória realizada no início do percurso do trabalho de campo). Mas, se tivéssemos um contexto de efetivos e variados programas que pudessem, de forma satisfatória, atender aos criminosos, ainda assim, os juízes, encaminhariam para o presídio criminosos não violentos? O que poderia mudar esse quadro? Basta ao Estado criar um programa que rompe com a expectativa (punitiva) instituída, ou cabe também ao Estado trabalhar esse campo institucional por meio de estratégias educativas? Como se dá a formação dos juízes – é uma formação crítica e especializada para uma atuação na rede de ações que a reabilitação demanda? Qual campo, exatamente, poderia intervir e responder pela realidade encontrada até então? E, assim, o nosso projeto de pesquisa passou por uma readaptação, transferindo para a Política Pública o nosso foco de atenção e proposta de investigação.

A realidade de campo e as indagações às quais fomos levados a fazer nos remeteram à relevância acerca da discussão das Políticas Públicas existentes no estado de Minas Gerais e implementadas no município em Juiz de Fora, ou seja, como se dá a participação do Estado nas políticas criminais, especialmente na execução penal, em Juiz de Fora. Assim, tomamos como alvo de nosso estudo a ação dos governos, ou melhor, estabelecemos como possibilidade e como um campo privilegiado de investigação uma discussão que tem como foco a descrição e a análise da implementação política e do controle do crime no município de Juiz de Fora.

A Polícia Militar apresenta um número de furto em Juiz de Fora que, segundo a estatística apresentada publicamente, vem crescendo nos últimos anos. Onde estão os criminosos que cometeram furto em Juiz de Fora? Eles não foram julgados ou foram condenados ao cumprimento de pena em regime fechado? Quando ocorre um caso em que o criminoso não representa perigo para a sociedade e, ainda assim, a opção é o sistema prisional, questionamos: é o juiz quem, em uma conduta conservadora, interpreta a lei a seu modo e opta pelo sistema prisional em vez de encaminhar os indivíduos condenados por crimes não violentos a trabalhos em liberdade, ou é a rede disponível de atendimento desse público-alvo que restringe seus investimentos, predominantemente, à estratégia punitiva, direcionando as possibilidades do Judiciário? O juiz é o total responsável pela execução penal ou o campo institucional e o campo das políticas penais (reproduzindo-o, tanto quanto o juiz) influenciam nesta escolha? Há, de fato, uma rede efetiva de ações e projetos que possam favorecer o encaminhamento para a estratégia penal alternativa ao cárcere? Afinal, como se dão as questões centrais na execução penal como – implementação de programas, participação de atores e questões institucionais?

Vale lembrar que tivemos uma conversa informal com o juiz da Vara de Execuções Criminais de Juiz de Fora, para fins de pesquisa exploratória, o qual ressaltou a reincidência como um fator decisivo no julgamento e na opção pelo sistema prisional nos casos de furto. O programa CEAPA, entretanto, tinha, ao todo, 19 (dezenove) indivíduos encaminhados no período selecionado para o estudo; entre eles, mulheres e indivíduos não condenados – em medida de transação penal ou suspensão condicional de processo – do total, somente 1 (um) não era reincidente. Os indivíduos (em transação penal e os indivíduos condenados) tinham

a mesma condição criminal (eram reincidentes por crime de furto e deveriam ser julgados pelo crime cometido) – a diferença claramente percebida, portanto, é a condição jurídica – os condenados, em sua maioria, tinham como destino o presídio, e os demais (encaminhados ao Juizado e não à Vara Criminal) cumpriam suas penas em medidas alternativas ao cárcere (sem serem condenados por seus crimes, pela justiça). Parece que, no Brasil, não há uma definição política clara de como lidar com a questão da criminalidade – a medida de transação penal foi por nós, inclusive, de difícil entendimento – no Brasil, o indivíduo cumpre pena sem ter sido condenado por seu crime? Ainda há casos em que o indivíduo que cometeu um furto é encaminhado ao Centro de Remanejamento (teoricamente, para aguardar o julgamento preso e, na prática, está cumprindo pena, preso, sem ser julgado) e, quando julgado, é encaminhado à pena alternativa.

Dessa forma, a análise das leis e das sentenças aplicadas realizada de forma isolada não diz muito sobre a condução das condenações, uma vez que a decisão dos juízes não parte, única e exclusivamente, de um código de leis (que tem tantas contingências), mas conta com valores existentes na sociedade (refletidos na “subjetividade” do juiz) e, logicamente, o campo objetivo inclui não só as leis e a interpretação delas pelos juízes, mas também pode ser encontrado nas escolhas pelas alternativas de política, favorecendo ou não a condução para o cumprimento da medida alternativa ao cárcere.

Segundo a Constituição Brasileira (BRASIL, 2012c), a execução penal é de responsabilidade dos estados. Desde o ano de 2000, entretanto, o governo federal brasileiro incorporou na agenda o tema da Segurança Pública e, hoje, há incentivo do governo federal para implementação de políticas criminais e penais, bem como a exigência de uma contrapartida dos estados e dos municípios (estes últimos, com a possibilidade de realizar investimentos preventivos) aos financiamentos da União, o que inclui, atualmente, a organização dos dados e das ações, bem como a apresentação de resultados positivos nos programas oferecidos. Em Juiz de Fora, os recursos não são disponibilizados de forma satisfatória por falta de projetos preventivos na área da Segurança Pública – o município não incluiu, com ênfase satisfatória, tal temática em sua agenda de governo, nem oferece a estrutura necessária para receber os financiamentos. Já o estado de Minas Gerais apresenta alguns programas que são descritos neste estudo dos quais a medida alternativa ao cárcere fica sob a responsabilidade do programa CEAPA.

Martin, Sechrest e Redner (1981), ao discutirem sobre a reabilitação do criminoso, denunciam a dificuldade da realização de pesquisas sobre essa temática, nos Estados Unidos, em razão dos poucos programas existentes – e a pesquisadora criticou esta discussão norte-americana, questionando o investimento empírico desta discussão em uma realidade que vivencia a lei e ordem. Mas... e no contexto brasileiro? Como realizar uma pesquisa sobre ressocialização no Brasil? Quais são os programas existentes, afinal, no estado de Minas Gerais e como estes estão sendo implementados? O que, exatamente, Minas Gerais está considerando como prevenção e como está sendo executada? E as políticas corretivas de execução penal? Se não é o programa destinado às penas alternativas que a executa, quem o faz? Publicamente, existe a exposição de um investimento bastante positivo na Segurança Pública, mas o programa das penas alternativas recebe em grande número, na verdade, de usuários de drogas. E ainda: o quadro de atendimentos só pode ser mapeado a partir do ano de 2011, devido à exigência do governo federal de que os estados mantivessem os dados organizados nos programas estaduais de segurança para continuar recebendo os recursos da União. Diante da dificuldade de controlar e de manter organizados os atendimentos e vigiar o cumprimento da pena, a execução penal fica sob a responsabilidade do próprio infrator da lei. Encontrá-los para entrevistar é, em si, um desafio.

Nossos inúmeros questionamentos giraram, enfim, em torno de duas questões principais: trata-se de um problema de implementação da política (que não é implementada de forma efetiva e concreta como sugere a Lei de Execuções Penais e como o Plano Nacional de Segurança Pública incentiva), ou trata-se somente da decisão dos juízes, que não favorecem o quadro de políticas penais efetivas, por condenarem à prisão a grande maioria dos criminosos? E, em nossas reflexões, levantamos a possibilidade de um trânsito entre ambos, ou seja, há questões institucionais que permeiam os dois campos – tanto influenciando o julgamento dos juízes quanto fornecendo base para o concreto investimento político. Consideramos, ainda, o campo político como uma esfera capaz de intervir na esfera institucional em vez de reproduzi-la. Existe um conjunto de orientações legais para as políticas penais, entretanto, compreendemos a política pública, tal como se revela nesta pesquisa, como um campo de afirmação de valores, mas não como um campo de afirmação da legislação. A Política de Segurança Pública brasileira, ao que nos parece, é mais fiel à cultura do que à lei. Enfim, a análise científica da

Política Pública nos permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, ele faz. E, mais do que isso: a escassez de estudos sobre as políticas criminais e penais no estado de Minas Gerais reforçam a justificativa de nossa proposta de investigação nesse campo de pesquisa, readaptando nossa proposta inicial.

Esta investigação, inevitavelmente, passa pela análise da dimensão institucional da política, que se refere à organização do sistema político, delineada pelos sistemas legal e jurídico e também pelos fatores culturais. Da mesma forma, tomamos como objeto de análise a dimensão operacional (implementação da Política Pública) que se refere aos conteúdos concretos que envolvem a configuração dos programas políticos, os problemas técnicos (discutidos a partir da polêmica existente entre reabilitação e punição) e também a execução das políticas. A pesquisa buscou estabelecer um quadro comparativo entre os objetivos da política penal no estado de Minas Gerais, encontrado na formulação de tal política (considerando, para tal, a participação e proposta das três esferas do Poder Executivo), e o que é implementado (dimensão operacional) – ou seja, o real resultado alcançado com essas propostas. Isso nos remete à compreensão de como é executada a estratégia reabilitativa em Minas Gerais.

Assim, do referencial de análise policy cycle, utilizamos a categoria processo de implantação da política, enquanto do enfoque da escolha racional nos valemos da categoria contexto externo:

Esta é derivada da proposta de análise institucional que reconhece fatores relacionados ao contexto externo (político, econômico e cultural), onde estão inseridos os espaços de tomada de decisões, como capazes de influenciarem as decisões e as ações dos atores ali envolvidos (PAIM; COSTA; VILASBÔAS, 2009, p. 487).

Levantamos, inicialmente, três hipóteses:

a) Primeira Hipótese: há um investimento político insatisfatório no que se refere à técnica de reabilitação do criminoso no estado de Minas Gerais, mas, ao contrário, as políticas criminais no Brasil reafirmam a existência de um campo de práticas punitivas.

b) Segunda Hipótese: há uma lacuna existente entre o que é apresentado como proposta e planejamento para políticas criminais ressocializadoras em Minas

Gerais (ou seja, os objetivos do governo) e o que é, de fato, implementado (isto é, o que está sendo executado) pelos governos.

c) Terceira Hipótese: a Política Pública na esfera criminal (e penal) toma como referência o campo institucional relacionado aos valores presentes na sociedade brasileira, e não o que sugere a LEP, o que equivale a dizer que a Política Pública brasileira é um campo de afirmação de valores, mas não um campo de afirmação da legislação vigente no país.

Partindo da agenda formal (e não da agenda política), nosso projeto teve como objetivos:

1. Descrever e analisar as alternativas de Políticas Públicas e como é sua implementação e impacto na esfera penal.

O estado de Minas Gerais, considerando o período selecionado para o estudo (ano de 2000-2013), construiu uma rede integrada de ações ou programas isolados? Isso foi acompanhado de outras políticas? A realidade local foi considerada no planejamento das políticas? Este objetivo visa a uma análise do investimento político na reabilitação do criminoso no nível do planejamento e da escolha por alternativas das políticas voltadas para esse fim.

2. Análise das questões institucionais relacionadas à realidade política, considerando, em nossa análise, não só fatores legais e jurídicos, mas também, principalmente, os fatores culturais, históricos e políticos. Minas Gerais se referencia na produção acadêmica e científica sobre o tema da criminalidade ou reproduz o senso comum na execução de sua política? O planejamento e a implementação da política penal no estado de Minas Gerais se orienta pela LEP, pelo especialista atualizado na produção de conhecimento sobre o tema ou pela opinião pública?

3. Estabelecer um quadro comparativo entre o que é proposto pelo estado no planejamento e escolha de alternativas de ação, e o que se encontra na implementação de tais propostas, no que se refere às políticas criminais e penais. A realidade local e as demandas apresentadas no decorrer da implementação dos programas foi considerada? Minas Gerais executa uma política racional?

Esta tese se propõe a compreender a conexão entre a proposta do estado de Minas Gerais para a Segurança Pública e as ações políticas derivadas dessa proposta (a efetivação da proposta). Isso inclui analisar o nexo entre objetivos

(proposta) e implementação (desdobramento) da política de execução penal do estado de Minas Gerais, na cidade de Juiz de Fora. A readaptação da proposta inicial desta pesquisa nos conduziu a uma análise da política criminal, mais especificamente ao processo de execução penal e, obviamente, a contextualizar a política estadual na condição social brasileira atual. Consideramos, como critério de análise, o período compreendido entre os anos de 2000 a 2013, momento em que o governo federal também inclui na agenda o tema da Segurança Pública.

Cumpre ressaltar que não foi objetivo desta pesquisa fazer uma análise ou uma pesquisa de avaliação da efetividade do programa, ou mesmo uma avaliação de Política Pública, bem como fornecer respostas se as políticas atuais funcionam ou não funcionam. Investigaremos, cientificamente, a reabilitação do criminoso a partir dos processos políticos e institucionais envolvidos nessa estratégia. O trabalho de campo foi realizado na cidade de Juiz de Fora, MG.

No documento marciamathiasdemiranda (páginas 90-97)