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2. CONCEPÇÕES TEÓRICAS SOBRE O AMBIENTALISMO

2.2. A polissemia conceitual

Existem diversas concepções de ecologia. O pluralismo faz parte de sua natureza conceitual. E quanto mais avançam as discussões teóricas, mais se diversificam os conceitos. Quando o termo foi utilizado pela primeira vez, em 1866, pelo biólogo alemão Ernst Haeckel, na obra Morfologia Geral dos Organismos, a acepção era puramente de uma disciplina ligada à Biologia, com o objetivo de estudar as relações entre as diferentes espécies em um mesmo habitat. Por isso empregou a palavra grega oikos para expressar a idéia de uma "ciência da casa", ou seja, o estudo das relações entre os habitantes de um meio ambiente.

Atualmente, o termo adquiriu diversos outros significados, sobretudo com o interesse das Ciências Sociais pela questão ecológica e suas implicações nas relações sociais, econômicas, políticas e culturais. Hoje, designa, por exemplo, um amplo movimento social com fortes conotações políticas. Lago e Pádua (1989), ao analisarem o desenvolvimento do pensamento ecológico e a passagem de uma disciplina científica para um movimento social e político, ressaltam que é necessário levar em conta alguns fatores. O primeiro é a própria dinâmica da evolução histórica do conceito de Ecologia, o qual, em pouco tempo, ultrapassou os limites originais propostos por Haeckel, no âmbito de uma Ecologia Natural, voltada exclusivamente para o habitat. De um enfoque monodisciplinar, surgem diversos outros, destacando-se a Ecologia Social.

É mister ressaltar, contudo, que mesmo em se tratando de uma abordagem social, existem diferentes percepções. O campo da Ecologia, no âmbito das Ciências Sociais, não deve ser entendido como um bloco homogêneo e compacto de pensamento ou de conceitos. Como destacam Lago e Pádua (1989, p.14), não é homogêneo porque se trata de um campo multifacetado de conhecimentos, que abriga os mais variados pontos de vista e posições políticas. E não é compacto porque "em seu interior existem diferentes áreas de pensamento, dotadas de certa autonomia e voltadas para objetos e preocupações específicos".

O crescimento do interesse pelos temas ecológicos se deve a mudanças e transformações ocorridas no sistema sócio-econômico e político. O próprio futuro da humanidade, ao ser discutido, passou a ser associado à problemática ambiental, devido à produção e comercialização crescentes de armas nucleares e a exploração predatória e desenfreada dos recursos naturais. Isso justifica o interesse e a visibilidade que os organismos

67 internacionais passaram a conferir o tema. A Ecologia Social, portanto, nasceu "das próprias contradições reais engendradas pela sociedade urbano-industrial" (Lago e Pádua, 1989, p.24).

No lastro da diversidade conceitual relativa ao tema em questão, devem ser destacados ainda o conservacionismo e o ecologismo. O primeiro relaciona-se principalmente com a luta pela conservação do meio ambiente natural, a exemplo dos movimentos em defesa dos animais ou de ecossistemas naturais específicos, como oceanos, rios e lagoas. Suas raízes remetem ao século XIX, quando naturalistas, artistas e amantes da natureza uniram-se para conter a caça, a pesca e a exploração de determinadas áreas naturais. O conservacionismo baseia-se em críticas diretas ao sistema capitalista de produção e à exploração da natureza em função de lucros. É baseado sobretudo na Ecologia Natural.

O ecologismo, por sua vez, não se limita à defesa e à preservação da natureza, apesar de também defender essa concepção. A linha de demarcação entre os dois movimentos é sutil. A diferença principal está no fato de que os ecologistas encaram a problemática ambiental como algo mais abrangente, que extrapola a esfera natural em si. Para tanto, questionam o sistema social em toda a sua integralidade e complexidade, abordando, inclusive, aspectos que aparentemente não dizem respeito ao problema da destruição ambiental especificamente, como o consumo, a disparidade de renda, pobreza e desigualdades sociais, por exemplo. Nessa visão, a os problemas ecológicos são entendidos como conseqüência direta de um modelo de civilização que se tornou insustentável. Portanto, reivindicam não só a conservação dos recursos naturais, mas também mudanças nas estruturas econômicas e políticas. A crise ecológica, é portanto, essencialmente, uma crise social.

É necessário ressaltar ainda a diferença entre “ecologia” e “meio ambiente”. Ecologia, pela própria terminologia, refere-se mais especificamente às relações de uma população com seu habitat. É a "ciência da morada". Portanto, trata-se de um enfoque que inclui, no âmbito social, a relação homem x natureza, bem como a relação homem x sociedade, uma vez que no mundo contemporâneo, nas metrópoles e megalópoles, a primeira relação implica necessariamente a segunda. Associa-se sobretudo à ecologia social. Assim, o conceito “ecologia” envolve fatores políticos, econômicos, sociais e culturais, visto que a relação indivíduo x sociedade compreende o exercício de diversos papéis sociais por pelo cidadão, sendo ele, simultaneamente cidadão, consumidor e agente do processo sóciocultural.

Existe ainda a concepção política de ecologia como um campo estratégico, dada à importância crescente das questões ambientais, ao longo dos últimos anos, firmando-se como uma das grandes preocupações do mundo contemporâneo e item polêmico na pauta de negociações entre países. Essa polêmica advém, basicamente, da falta de uma reorientação da

68 indústria e da economia. O eixo do debate está no fato de que por um lado, o pensamento ecológico não seria apenas uma forma renovada de humanismo, mas representaria uma revolução cultural, uma redefinição ampla dos modos de apreensão e de agir no mundo, redimensionando as relações nos níveis individual x coletivo; público x privado. Por outro lado, advertem Alphandéry et al. (1992), não se deve considerá-la como 'ciência', uma 'teoria', uma 'disciplina', mas como uma metodologia que permite reunir e organizar os conhecimentos com vistas a uma maior eficácia da ação. Ademais,

"a ecologia veicula valores e opções aparentemente contraditórias. Pode-se, em seu nome, apelar à ciência, à técnica ou à religião, exigir uma intervenção crescente do estado e das instituições mundiais ou, ao contrário, uma maior autonomia dos indivíduos e das coletividades; colocar-se a favor do 'gênio' do mercado ou fazer dele uma crítica radical; prever o apocalipse para amanhã ou acreditar que à humanidade nunca se propõe problemas que não possa resolver. Em resumo, se a sensibilidade ecológica está em toda a parte, ela é também um saco sem fundo, um bricabraque que as pessoas alimentam à vontade e no qual servem-se à la carte. E se, para qualquer um, ecologia rima com natureza, é evidente que nem todos estão de acordo sobre a natureza da ecologia" (Alphandéry et al. 1992, p.8).

Já o termo “meio ambiente” apresenta-se desprovido de toda essa amplitude social que envolve a noção acima mencionada. Refere-se ao ecossistema em si, ou seja, a própria morada (Kloetzel, 1998), ao privilegiar o próprio meio natural, apoiando-se na definição genérica de natureza, sem enfatizar as relações implicadas no conceito atual de “ecologia”. Se no passado, o termo estava associado exclusivamente à ecologia natural - entendida como ramo das ciências biológicas, e às concepções conservacionistas -, atualmente a nomenclatura adquiriu sentido mais abrangente, como já foi explicado anteriormente.

Aqui, adotaremos a primeira concepção, ou seja, a de “ecologia” em si e não apenas a de “meio ambiente”9, por ser aquela a mais abrangente. Contudo, não seremos radicais quanto à exclusão da segunda terminologia, uma vez que, atualmente, no dia-a-dia, o próprio termo “meio ambiente” passou a ser utilizado com mais freqüência, inclusive pela imprensa, cientistas e órgãos governamentais. Portanto, vez por outra, aparecerão os termos meio ambiente, ambiental e seus correlatos ou ainda ecológico-ambiental. A concepção, contudo, é a de ecologia, no sentido mais abrangente, já explicitado.

2.3. O ambientalismo como pensamento complexo

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É necessário ressaltar, contudo, que essa diferença conceitual é mais expressiva na literatura científica. A própria imprensa consagrou o termo “meio ambiente” (no Brasil) e “ambiente” (Portugal) e utiliza essa nomenclatura para indicar todas as diversidades de sentido, inclusive do ponto de vista político.

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