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Como o ambientalismo rompeu as barreiras da descontinuidade na agenda dos media?

5.5.2 Questões específicas

20) Como o ambientalismo rompeu as barreiras da descontinuidade na agenda dos media?

Apesar de perpassar praticamente todos os estudos, não há análises exaustivas e globais sobre as causas, fatores e atores que contribuíram para romper as barreiras da descontinuidade da agenda ambiental nos media. Entretanto, a partir de um exercício de metanálise, é possível tecer algumas inferências, com base na combinação de diferentes explicações encontradas nas obras analisadas. Em Portugal, Schmidt (2003) relaciona o sistema político e o poder da mediatização televisiva. Gonçalo Pereira Rosa (2006) põe em relevo a atuação de organizações não-governamentais e Ricardo Garcia (2004) destaca o papel dos próprios jornalistas. Luísa Schmidt, por sua vez, enfatiza o próprio papel dos media, sobretudo da televisão:

190 Os problemas ambientais – enquanto factos reais, globais e complexos – alteram e constrangem o comportamento humano. Mas, ao serem mediatizados, ganham dimensões que não tinham antes. Essas novas dimensões passam a fazer parte da realidade do problema, pois integram o efeito retroactivo e desdobrado da sua própria divulgação. O que leva a afirmar que eles são tanto problemas do foro biofísico como do foro do conhecimento público sobre eles. É isso que lhes dá a dimensão social da sua existência (p.20)

No Brasil, as análises são semelhantes, com ênfase ainda outros atores como a comunidade científica (Fernandes, 1990). A autora destaca o pioneirismo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), tanto no plano científico como no político. Enquanto a temática só passou a preocupar outras instituições científicas brasileiras após a Conferência de Estocolmo, a SBPC, muito antes, desde 1965, já se ocupava com a questão, como registram Fernandes (1990) e Ferreira (1993). Outra contribuição importante da SBPC diz respeito ao envolvimento da comunidade científica brasileira com a questão ecológica e ambiental, a partir da metade da década de 1980, principalmente no que concerne à necessidade de uma abordagem interdisciplinar. Algumas áreas isoladas das ciências já estavam efetivamente engajadas no debate científico dos temas ecológicos, tais como: Geografia, Geologia, Direito, Engenharia, Medicina Sanitária e Sociologia. A SBPC exerceu importante papel, atuando como

catalizador desse movimento, produzindo significativos posicionamentos referidos à questão ambiental: crítica ao programa nuclear; defesa do desenvolvimento energético brasileiro com aproveitamento racional dos recursos hídricos; defesa de uma estratégia viável de conservação da biodiversidade na Amazônia, na Mata Atlântica e no Pantanal; defesa do cumprimento rigoroso das leis no que se refere à qualidade da água e do ar; incentivo a uma visão não apenas nacional, mas também planetária, dos problemas ambientais brasileiros; estímulo à criação de cursos de formação em ciências ambientais (Viola, Leis, 1992, p.90).

A SBPC contribuiu também para intensificar o debate acadêmico sobre a questão, por intermédio dos seminários nacionais “Universidade e Meio Ambiente”, promovidos a partir de 1986, uma vez a cada ano. Tal iniciativa representou um passo importante para criar um fórum de debate continuado no âmbito da comunidade científica brasileira sobre os temas atinentes à educação ambiental, à pesquisa científica e demais temas de interesse acadêmico no âmbito da temática ecológico-ambiental.

A situação alarmante da cidade industrial de Cubatão, no estado de São Paulo, fez com que a SBPC instituísse o ciclo de simpósios “Estocolmo 72 X Cubatão 82”, durante a 34a.

191 Reunião Anual da entidade. Tal iniciativa oportunizou a discussão sobre “os resultados de dez anos da política ambiental desastrosa inaugurada pelo Brasil na Suécia” (Ferreira, 1993, p.129). Aliás, como ressalta a mesma autora, a SBPC exerceu relevante papel no processo de politização do descontentamento popular acerca da situação cubatense, pois,

se de um lado alguns de seus representantes mais importantes (...) posicionaram-se como mediadores na relação entre vítimas e a aliança Indústria/Estado (...), outros foram muito além da formalidade do apoio à mobilização popular, contribuindo também para a organização das representações que sustentariam as ações emergentes (p.127).

Outra contribuição essencial da SBPC está na criação do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Cubatão, o que contribuiu sobremaneira para que se debatesse não apenas o caso específico de Cubatão, mas da região Sudeste e do Brasil, de modo geral. É oportuno mencionar ainda a contribuição da entidade para a inclusão de um capítulo sobre ecologia na Constituição Federal de 1988. A Comissão Especial de Estudos sobre Meio Ambiente elaborou um texto e apresentou à Assembléia Nacional Constituinte, a qual acatou a proposta quase integralmente.

No caso específico das Ciências Sociais, destaca-se ainda a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), filiada à SBPC, com a instituição do grupo de trabalho “Ecologia, Política e Sociedade”, o qual passou a reunir-se anualmente, a partir de 1988. Diversos temas têm sido abordados ao longo desses anos, tais como o papel do Estado e da sociedade na conjuntura ecossistêmica, os limites políticos e institucionais do ecodesenvolvimento, a evolução da questão ecológica e das políticas ambientais no Brasil, meio ambiente, qualidade de vida e cidadania, a gestão da Amazônia, os processos migratórios no contexto ecológico-ambiental, bem como outros temas atinentes à problemática ambiental e às Ciências Sociais.

O envolvimento do empresariado com os negócios ambientais também é destacado por Ungaretti, 1998, como outro fator que contribuiu para ampliar a cobertura dos media sobre a agenda verde, visto que começou a haver maior disposição das grandes empresas e corporações para financiar anúncios publicitários. Assim, podemos inferir que o somatório de todas essas forças é que contribuiu para ampliar a repercussão dos temas ambientais nos media tanto no Brasil como em Portugal, de acordo com as peculiaridades de cada país. Mais uma vez, portanto, podemos recorrer aos pressupostos da Teoria Multifactorial da Notícia (Sousa, 2006).

192 5.6. Inferências

Ao final da apresentação do levantamento e análise das 20 questões selecionadas, consideramos oportuno fazer uma avaliação comparativa entre os problemas pertinentes às investigações realizadas no Brasil e em Portugal, a fim de aprofundar essa parte do estudo e discorrer sobre eventuais possibilidades de novas análises e comparações. Antes, contudo, é necessário ressalvar que o elenco das 20 questões selecionadas não esgota as problemáticas investigadas nos dois países. Entretanto, consideramos um corpus representativo para efeitos de apresentação de inferências.

Em relação ao conteúdo das questões, é possível observar mais convergências do que dissonâncias. Entre os aspectos convergentes destacam-se os postulados teóricos, os métodos e procedimentos analíticos, a perspectiva sob o triunfo dos media na sociedade contemporânea, especialmente da televisão e as abordagens relativas às estratégias de mediatização. Um diferencial a respeito da hegemonia da TV é que no Brasil os estudos focalizam mais a perspectiva jornalística, enquanto em Portugal, os demais tipos de programação também foram contemplados.

A combinação de questionamentos amplos e de problemas específicos também é outra característica dos textos analisados, o que também é comum nos dois países. As perspectivas mais abrangentes estão relacionadas principalmente com as investigações filiadas às diversas áreas das Ciências Sociais, enquanto os tópicos mais específicos fazem parte principalmente do enquadramento dos estudos realizados por jornalistas. Entretanto, tal configuração não deve ser entendida como duas tendências dicotômicas ou excludentes. Na realidade, são duas vertentes que apresentam mais elementos complementares do que de oposição. O que muda, no caso do enfoque dos estudos conduzidos por investigadores da área específica de Jornalismo é apenas o enquadramento analítico, voltado para aspectos menos abrangentes – como ocorre nos estudos conduzidos por cientistas sociais.

Acerca das perspectivas mais abrangentes uma particularidade pertinente aos estudos brasileiros é a recorrência às análises contextuais de grande amplitude histórica, como estudos voltados para a reflexão sobre os antecedentes da mediatização, por exemplo. Os investigadores do Brasil priorizam os antecedentes de forma mais minuciosa do que os estudiosos de Portugal. As análises contextuais são comuns aos dois países, mas o nível de abrangência e a amplitude do carácter retrospectivo são diferentes.

No Brasil, essa tendência parece ser uma característica de quase todos os campos de saber, voltados para a compreensão do passado colonial, sinal de que essa fase ainda não foi

193 superada nos estudos históricos, sociais e culturais realizados no Brasil. No caso dos estudos ambientais, os investigadores portugueses remetem a contextos mais recentes, como a consolidação da TV como meio hegemônico de comunicação e a afirmação das organizações não-ambientais do ambiente como fontes credíveis para a imprensa. No Brasil, as análises remetem a aspectos da literatura romântica do século XIX, das artes visuais, da pintura, do cinema e das revistas ilustradas do início do século XX.

Outra perspectiva convergente é o exame analítico da articulação entre economia e ecologia, a partir da tematização de aspectos referentes a assuntos como desenvolvimento sustentável, reciclagem, engajamento do empresariado em projetos ambientais, a emergência de oportunidades de negócios e as novas oportunidades do mercado verde. Essa tendência se apresenta de duas formas - ora como crítica como exemplos de iniciativas bem-sucedidas. Certamente o predomínio da crítica ou do apoio ao mercado verde depende da política editorial dos veículos e do perfil dos anunciantes, um tema que caberia investigação mais aprofundada.

Em relação às questões específicas, a principal inferência é que as abordagens refletem o nível de reflexão e o conteúdo pertinente às linhas de pesquisa já consolidadas no campo acadêmico da Comunicação e do Jornalismo nos dois países, principalmente nos programas e cursos de pós-graduação. As problemáticas acadêmicas abrangem de temas atinentes à relação entre Comunicação e Sociedade, Jornalismo e Sociedade e tópicos pertinentes ao estudo do campo profissional do Jornalismo. No primeiro caso, destacam-se abordagens sobre o papel dos media na formação de uma opinião pública voltada para a consciência ecológica e o desenvolvimento sustentável, além do papel educativo e da função cultural dos meios de comunicação. No segundo caso, o relevo está em pontos como formação técnica, relação com as fontes científicas, cobertura de temas especializados, interferências políticas e econômicas nos conteúdos noticiosos.

O primeiro nível (mais abrangente) mostra o quanto ainda é intensa a relação entre estudos de Comunicação/Jornalismo e o campo das Ciências Sociais nos dois países. O segundo, por sua vez, ressalta uma tendência presente também nos dois países de afirmação acadêmica do campo jornalístico, na tentativa de problematizar aspectos específicos da área, com abordagem mais independente em relação ao campo das Ciências Sociais. Entretanto, seria exagero afirmar que existe uma polarização entre esses dois níveis. Na realidade, trata-se de uma tendência e não de uma dicotomia estabelecida. Aliás, vários dos estudos examinados são fundamentados numa perspectiva relacional e integrativa, que combina elementos teóricos

194 e enquadramentos analíticos específicos do campo da Comunicação/Jornalismo com abordagens e suporte teórico-metodológico das Ciências Sociais.

Por fim cabe destacar determinadas questões sobre as quais não foi possível desenvolver análise mais aprofundada. São pontos que podem ser considerados emergentes ou idéias ainda em nível de amadurecimento, tais como os itens 10, 11, 12, 13 e 14. Cabe ressaltar, contudo, o potencial desses itens, os quais certamente se tornarão pontos relevantes da agenda de investigação e pesquisa acadêmica do campo do Jornalismo nos próximos anos, tanto no Brasil como em Portugal. Apesar do caráter embrionário em que se encontram atualmente, do ponto de vista analítico, é necessário reiterar aspectos como originalidade e relevância acadêmica. A emergência de tais questionamentos reforça o aspecto dinâmico e inovador do Jornalismo, especialmente em sua vertente ambiental e reitera o seu potencial analítico sob o aspecto da investigação acadêmica.

195 6. ECOLOGIA E ESFERA PÚBLICA: A ESFERA PÚBLICA AMBIENTAL E A

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