• Nenhum resultado encontrado

ESPÉCIE  INDIVÍDUO  SOCIEDADE  NATUREZA

5. ANATOMIA DOS ESTUDOS SOBRE JORNALISMO E AMBIENTE NO BRASIL E EM PORTUGAL

5.4. A normatização jurídica do ambiente

Nessa ordem de idéias, o Direito moderno tornou-se mecanismo imprescindível para a atuação dos Estados empreendedores, no que concerne à construção social da representação da natureza, o que se tornou mais nítido, principalmente com a emergência do Direito Ambiental. Tanto no Brasil como em Portugal, essa tendência é evidente, desde a criação das primeiras leis voltadas para a questão, a partir das décadas de 1970 e 80. Com isso, o direito ambiental passou a ocupar

“posição de destaque no processo de introjeção social da ‘fisionomia’ da natureza em termos adequados à questão ambiental. Mesmo considerando o teor positivista da crença em que o direito seja o campo de visibilidade dos fenômenos humanos (morais), os quais não são diretamente observáveis, o direito forçosamente circunscreve os objetos de suas práticas, configurando- os e tornando-os homogêneos para a sua assimilação pela sociedade. Esse papel do direito na formação do sistema de representações não poderia deixar de se fazer presente na construção da identidade entre natureza e meio ambiente. Isso se evidencia principalmente no campo jurídico, onde os litígios são territórios em que se estabelecem diálogos entre o Estado, peritos, promotores, parlamento, associações da sociedade civil, empresários, comerciantes e a poluição e a população em geral a partir da referência ao vocabulário e à gramática do meio ambiente. De outro modo como tornar viável a interlocução entre subjetividades tão heterogêneas?” (Fuks,1992, p.123).

155 Essa novidade jurídica, com fundamento cosmológico, acrescenta o autor citado, oportunizou a elaboração de um conjunto de representações e pressupostos, por parte do Estado, cujos fundamentos são um conceito de natureza e um entendimento do que seja o homem, tendo como pressuposto, a relação entre ambos. A natureza deixa de ser a presa, para se tornar vítima, objeto da predação humana. A auto-imagem do homem não é mais aquela do início dos tempos modernos, quando a exaltação à dignidade humana era combinada com um ingênuo sentimento de otimismo quanto aos resultados do uso de poderes que descobria em si próprio. Agora, o homem começa a adquirir consciência de uma crise surgida como conseqüência direta das atividades antrópicas, o que abala a sua confiança em ser o dono do meio ambiente. Por outro lado, como destaca Schmidt (2003), essa mudança de percepção foi crucial para a politização do debate ambiental, pois o foco se desloca das causas naturais para as ações humanas e suas conseqüências sobre o ambiente. Essa mudança de mentalidade contribuiu, inclusive para o surgimento de diretrizes jurídicas.

As normas e representações coletivas oriundas do campo jurídico, ainda de acordo com Fuks (1992) passaram a operar uma mudança no sistema de valores que regem o convívio entre o homem e a natureza e, por conseguinte, as relações sociais. Assim, ao promover o meio ambiente à condição de patrimônio público e, em certos casos, de patrimônio mundial, o Direito Ambiental toca em um tema de grande relevância social. As fronteiras erguidas pelo individualismo tendem a se diluir até formarem uma só unidade indivisível, a Terra. Conforme o autor supracitado, somente no contexto mais recente, com a emergência do Direito Ambiental, tornaram-se possíveis ações concretas de preservação.

Apesar de algumas ressalvas feitas pelo autor citado, como a de servir aos mais variados interesses, o espaço institucional aberto pelo Direito Ambiental revela o potencial inovador de uma leitura radical do ecologismo, que explora suas implicações no universo sócio-cultural. O raio de ação dessa perspectiva alcança, inclusive, os pressupostos liberais do Direito e a hierarquia de valores da sociedade contemporânea. Ao considerar o ambiente como patrimônio público, um bem que pertence a toda a sociedade, o discurso jurídico aborda um tema eminentemente social: a propriedade. Grande parte das ações envolvendo temas ambientais coloca em confronto os projetos de proprietários e os interesses coletivos. Esta é a razão pela qual o Direito Ambiental, assim como os direitos que cuidam do patrimônio cultural e do consumidor, atende a interesses difusos, isto é, interesses de um número indeterminado de pessoas.

Desse modo, surge um sujeito social coletivo, que torna vulnerável o status quo liberal, que tem por fundamento o indivíduo e o mercado. E o discurso oficial (tanto no Brasil

156 como em Portugal) parece ter a função de evitar a fragilidade desse status quo. Por isso utiliza os dispositivos disciplinares, as normas jurídicas como instrumento de construção de um consenso social, a fim de evitar a vulnerabilidade em questão.

Em suma, por ser pretensamente consensual, o discurso oficial sobre ambiente induz à sociedade um tom conciliatório, ou seja, a postura consensual do Estado não nega a necessidade de medidas concretas e urgentes para a preservação ambiental, mas também apresenta pressupostos, como se fossem igualmente consensuais de que “a preservação da natureza não está condicionada a alterações drásticas nos valores que vêm sendo reeleitos há cinco séculos como constitutivos de nossa identidade” (Fuks, 1992, p.121).

Assim, uma das conseqüências sociais mais prementes é a indução ao conformismo, ou seja, à idéia de que se o Estado não consegue realizar, concretamente e em curto prazo, medidas eficientes, nem os indivíduos nem as instituições terão tal capacidade. Essa concepção é reforçada pelo tom de generalidade do discurso oficial, sem um referente social específico. Mesmo quando se trata de situações particulares, estrategicamente, os representantes do Estado operam, em termos discursivos, no plano genérico, como se o ecologismo não tivesse referências históricas, sociais e econômicas. Com isso o Estado exime-se de grande parte da responsabilidade na degradação ambiental.

Talvez seja por isso, para neutralizar as possíveis atitudes céticas em relação à eficiência do Estado, em termos de política ambiental, que as medidas legais são repetidas, sistematicamente, no discurso oficial. O intuito, certamente, é imprimir na opinião pública a idéia de que o Estado está sendo operante, como se as leis e os regulamentos produzissem efeitos de forma automática.

5.5. Questões relevantes

Os problemas investigados são diversificados, o que impede um mapeamento completo. Seguimos, portanto, a mesma lógica da recategorização aplicada na parte que analisa os temas mais estudados (capítulo 4). Com base nesse procedimento sistemático, optamos por um levantamento de 20 questões, as quais resultaram de uma minuciosa seleção, com base nos seguintes critérios: (a) tema central de estudos publicados (livros ou capítulos, por exemplo); (b) delimitação clara do problema de pesquisa pelos autores; (c) desenvolvimento e consistência analítica; (d) coerência e profundidade da investigação; (e) relevância acadêmica do problema formulado.

Algumas das questões são pertinentes a estudos realizados no Brasil e em Portugal, mas há itens que se restringem a um país. No corpo da análise, esses casos são identificados. A seguir

157 destacamos as 20 questões selecionadas, organizadas do plano mais geral para as abordagens mais específicas. A sistematização dos problemas investigados foi realizada de acordo com o conteúdo e não com a origem geográfica dos estudos.

5.5.1. Questões gerais

No plano mais abrangente foram incluídos os problemas de pesquisa relacionados com opinião pública, atuação do Estado, as relações entre empresariado e meio ambiente, o papel desempenhado pela TV (além do telejornalismo) na disseminação das temáticas ecológicas, inclusive na programação não noticiosa; e a investigação histórica sobre os antecedentes da mediatização do ambiente.

Outline

Documentos relacionados