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4 IDENTIDADE GENÉTICA VERSUS SIGILO DO DOADOR: O CONFLITO

4.1 A PONDERAÇÃO COMO MÉTODO PARA RESOLUÇÃO DO CONFLITO

Sobre a colisão e conflito entre princípios e entre normas, Alexy (2015 apud BONAVIDES, 2017, p. 285) informa que “Comum a colisões e conflitos é que duas normas, cada qual aplicada de per si, conduzem a resultados entre si incompatíveis, a saber, a dois juízos concretos e contraditórios de dever-ser jurídico”.

Com efeito, é possível que ocorra colisão entre princípios e conflito entre normas, cada caso se solucionando de forma distinta (ALEXY, 2015 apud BONAVIDES, 2017).

Efetivamente, o conflito entre regras resolve-se no campo da validade, aplicando-se o entendimento de que ou a norma possui este caráter, isto é, é válida, ou não é, de maneira que, uma vez dotada de validade, revela-se perfeitamente aplicável na hipótese concreta e, consequentemente, apta a gerar seus efeitos jurídicos (ALEXY, 2015 apud BONAVIDES, 2017).

De outro turno, a colisão de princípios deslinda-se de forma diferente (ALEXY, 2015

apud BONAVIDES, 2017, p. 285), sendo mister explicar que:

A colisão ocorre, p. ex., se algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica seja declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele se introduza.

Assim, pode-se concluir que “[...] os princípios têm um peso diferente nos casos concretos, e que o princípio de maior peso é o que prepondera” (ALEXY, 2015 apud BONAVIDES, 2017, p. 286).

“O princípio [...] pode ser relevante, em caso de conflito, para um determinado problema legal, mas não estipula uma solução particular. E quem houver de tomar a decisão levará em conta todos os princípios envolvidos, elegendo um deles [...]” (DWORKIN, 1978

apud BONAVIDES, 2017, p. 289).

Nas claras palavras de Barcellos (2008, p. 55), “[...] a ponderação pode ser descrita como uma técnica de decisão própria para casos difíceis [...], em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado”. A autora (2008, p. 55) continua:

A estrutura geral da subsunção pode ser descrita da seguinte forma: premissa maior – enunciado normativo – incidindo sobre a premissa menor – fatos – e produzindo como consequência a aplicação da norma ao caso concreto. O que ocorre comumente nos casos difíceis, porém, é que convivem, postulando aplicação, diversas premissas maiores igualmente válidas e de mesma hierarquia que, todavia, indicam soluções normativas diversas e muitas vezes contraditórias.

Moraes (2014, p. 30-31), explicando acerca dos limites existentes aos direitos e garantias fundamentais, destaca o denominado princípio da concordância prática ou da harmonização, preconizando que:

Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal [...] não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou convivência das

liberdades públicas).

Desta forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou

da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito,

evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.

Bulos (2012, p. 460) aborda a técnica da ponderação de valores ou interesses versando que este “[...] é o recurso colocado ao dispor do intérprete para que ele avalie qual o bem constitucional que deve prevalecer perante situações de conflito”. De acordo com o autor (2012, p. 460), “Por seu intermédio, procura-se estabelecer o peso relativo de cada um dos princípios contrapostos”.

Desta feita, segundo Bulos (2012), a partir da análise do caso concreto é que se saberá qual dos direitos irá preponderar sobre o outro, uma vez que os bens constitucionais encontram-se todos previstos no mesmo diploma legal, a saber, a Constituição Federal, não havendo hierarquia entre eles.

Em verdade, na técnica da ponderação, “o intérprete analisa qual o bem que deve ceder perante o outro, sempre buscando o resultado socialmente desejável” (BULOS, 2012, p. 460). Na prática, “O exegeta faz concessões recíprocas, sacrificando determinado princípio a fim de priorizar o interesse mais racional para reger o caso concreto” (BULOS, 2012, p. 460). Como bem deslinda Barcellos (2008), a técnica da ponderação é composta por três fases. Na primeira delas, “[...] se identificam os comandos normativos ou as normas relevantes em conflito” (BARCELLOS, 2008, p. 57). Nesse sentido, a autora (2008) comenta que, em alguns casos, apura-se que o conflito ocorre entre interesses contrários e não entre previsões normativas, devendo-se, nesta hipótese, checar-se acerca da viabilidade de reconduzir os ditos interesses às normas do ordenamento jurídico.

“Ainda nesta primeira fase, as diversas indicações normativas devem ser agrupadas em função da solução que estejam sugerindo. Ou seja: informações que indicam a mesma solução devem formar um conjunto de argumentos” (BARCELLOS, 2008, p. 57). Isto é feito para que, posteriormente, o trabalho de comparação entre os dispositivos normativos em conflito seja facilitado (BARCELLOS, 2008).

Ao seguir-se para a segunda etapa, “[...] cabe examinar as circunstâncias concretas do caso e suas repercussões sobre os elementos normativos, daí se dizer que a ponderação depende substancialmente do caso concreto e suas particularidades” (SARMENTO, 2000

apud BARCELLOS, 2008, p. 58).

Por último, tem-se a terceira fase, que, conforme discorre Barcellos (2008) corresponde à fase da decisão. Nesta etapa, “[...] se estará examinando conjuntamente os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos sobre eles, a fim de apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diferentes elementos em disputa” (BARCELLOS, 2008, p. 58).

De fato, essa distribuição de pesos dos elementos em conflito é o que viabiliza definir-se qual dos interesses deve prevalecer, sendo este o diferencial da técnica de ponderação, isto é, o sopesamento dos direitos em colisão (BARCELLOS, 2008).

Em síntese, Bulos (2012, p. 462) expõe a seguinte opinião sobre a técnica de ponderação:

[...] o exercício da ponderação é mais demorado e complexo do que a exegese convencional.

Certamente, a técnica surgiu por uma necessidade, e não por um capricho intelectual.

[...]

Para nós, a ponderação, muito mais do que uma técnica decisória, constitui um valiosíssimo princípio de exegese, aplicável perante casos difíceis, impossíveis de ser resolvidos pelo silogismo convencional.

Por seu intermédio, o exegeta realiza o dever de proporcionalidade, balanceando e sopesando bens em disputa, interesses, valores, princípios e normas colidentes.

O referido autor (2012) ainda estatui que não se pode depreender da técnica em estudo que há margem para o intérprete empregar juízo de arbitrariedade em sua prática, faltando senso de proporção. Na realidade, “[...] ao determinar com senso de razoabilidade qual o bem que deve prevalecer, o intérprete harmoniza contradições, eliminando aparentes estados de hierarquia constitucional” (BULOS, 2012, p. 463).

Finalmente, Tartuce (2017) ressalta que a ponderação encontra-se prevista de forma expressa na redação do § 2º do artigo 489 do Novo Código de Processo Civil, que prescreve: “No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão” (BRASIL, 2015).

Isto posto, Dias (2017), avaliando o conflito relativo à investigação de paternidade na reprodução assistida heteróloga, defende a prevalência do direito à identidade genética do filho frente o direito ao anonimato do doador, por entender que o primeiro figura como garantia maior do direito de personalidade de um indivíduo.

Na visão de Ferraz (2008), é importante, contudo, salientar que a natureza de direito fundamental atribuída ao direito à origem genética não garante que este sempre predominará no caso concreto quando contraposto ao sigilo do doador. O direito à identidade genética não é, portanto, absoluto (FERRAZ, 2008).

Para exemplificar que o direito à origem genética, na prática, nem sempre prepondera, a autora supracitada (2008, p.158) destaca o chamado parto anônimo, no qual “[...] concede-se à mãe o direito de entregar seu filho ao Estado, quando do nascimento, assegurando-lhe o direito de exigir que não conste seu nome do registro de nascimento da criança, afastando qualquer efeito jurídico de maternidade”.

Seguindo o mesmo entendimento, Pini (2016, p. 40) é clara ao pontificar que “[...] não é regra que o direito à identidade genética seja deferido de modo a ser revelada a identidade civil do doador, podendo, no caso concreto, o julgador decidir em favor do direito a intimidade, mantendo o sigilo dos dados concernentes à doação”.

Relevante são as ponderações abaixo destacadas feitas por Ferraz (2008, p. 168), conforme pode-se ler:

No exercício da ponderação, o aplicador do direito deverá ter em mente o princípio do melhor interesse da criança, que não necessariamente importará no conhecimento de sua origem biológica, nos casos de inseminação artificial heteróloga. A criança pode, efetivamente, não ter ainda maturidade suficiente para lidar com a questão, podendo até causar dano à integridade psíquica da mesma e abalar o relacionamento com a família, já calcado na afetividade. Por isto, muitos defendem que a informação apenas deve ser fornecida a partir da maioridade do interessado. Outrossim, o julgador deverá valer-se de parecer psicossocial a fim de, no caso concreto, possa avaliar a extensão dos benefícios e danos para as partes envolvidas, procurando, assim, causar o menor dano possível, ao decidir qual o direito fundamental que deverá prevalecer.

Deve-se atentar para o fato de que a mera curiosidade não configura razão suficiente para justificar a revelação da identidade do doador (FERRAZ, 2008). Assim, cabe ao julgador, no caso concreto, fazer ponderações de natureza “éticas, psicológicas e sociais antes de decidir” (FERRAZ, 2008, p. 168).

Portanto, pode-se afirmar que, para o desvendamento da identidade do doador, é necessário que a ausência desta informação tenha causado dano psíquico à pessoa, ou que se trate de circunstância que envolva risco de saúde ou possível relacionamento consanguíneo (FERRAZ, 2008).

Versa Ferraz (2008) sobre os efeitos negativos que tal revelação pode acarretar, para explicar que tal ato apenas deverá acontecer nas hipóteses destacadas acima. Diz a autora (2008, p. 169):

A intimidade do doador e suas relações familiares podem ser profundamente afetadas com tal revelação. Basta exemplificar o caso de um doador que fez a

doação, ainda quando solteiro e veio, posteriormente, a casar-se, tendo filhos, surpreendendo-se ao ser procurado por um filho biológico, fruto da doação do seu sêmen, que procura estabelecer com ele e com os irmãos novos vínculos afetivos. Sem dúvida, neste caso, a relação com a esposa poderia ser abalada, igualmente com os filhos, vendo-se o pai biológico forçado, ainda que por questões morais, a manter contato com uma pessoa que lhe é totalmente estranha e em relação a qual nunca quis saber sequer se nasceu, nem muito menos estabelecer qualquer laço afetivo. Por outro lado, o pai biológico também poderia querer relacionar-se com um filho biológico, tumultuando a relação dos mesmos com os pais socioafetivos.

Para Welter (2003, p. 229), “O anonimato deve ser desocultado em caso de interesse do filho, mediante ação de investigação de paternidade ou de maternidade [...]”. Assim, o referido autor (2003, p. 232) é enfático ao asseverar:

[...] a paternidade ou a maternidade também pode ser investigada, pois tanto o filho quanto o pai biológicos têm o sagrado, natural e constitucional direito de saber a sua origem, a sua ancestralidade, que faz parte da personalidade e dos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana. Porém, essa investigação, se já existente a paternidade e/ou a maternidade socioafetiva, estará restrita aos três efeitos jurídicos, quais sejam: 1. por necessidade psicológica ao conhecimento da origem genética; 2. para segregar os impedimentos do casamento; 3. para preservar a saúde e vida dos pais e do filho biológicos, nas graves doenças genéticas.

Com relação à possibilidade de relacionamento consanguíneo entre descendentes de um mesmo doador ou entre este e uma filha, cumpre salientar que tal hipótese soa perfeitamente plausível frente aos avanços tecnológicos, principalmente através da internet e as redes sociais, consoante elucida Ferraz (2008).

Sobre isso, a autora supracitada (2008, p. 145-146) apresenta a narração, abaixo transcrita:

Reportagem exibida em programa televisivo da Rede Globo narrou a história de cinco irmãos de mães diferentes, concebidos por meio de inseminação heteróloga na qual as mães utilizaram um doador anônimo de sêmen. Eles se encontraram através de um site da internet que cruzou os seus DNA’s e constatou que possuíam o mesmo pai. Embora morassem em locais totalmente diversos, seu encontro foi possível por meio da internet. Uma das possíveis consequências seria a hipótese da manutenção de relações incestuosas entre esses irmãos, ou mesmo entre pai/doador e filha, sem que os mesmos soubessem da sua consanguinidade. Portanto, a dificuldade de que, na prática, tais pessoas se encontrem diminuiu sensivelmente, em face desta quebra de fronteiras.

Embora compreenda-se que o direito à identidade genética não será sempre absoluto, é fato inegável que o conhecimento da origem genética contribui significativamente para a ligação do sujeito com seu íntimo, isto é, com ele mesmo (BARBOZA, 2001).

Ademais, Dias (2017) adverte que não basta que o filho tenha acesso às informações genéticas do terceiro que doou sêmen, sendo necessário assegurar-lhe também o conhecimento de sua identidade, através da denominada ação declaratória de ascendência genética.

Diga-se, ainda, que o vínculo socioafetivo com o pai registral não obsta que o filho persiga a paternidade biológica, sendo possível até mesmo incluir-se esta última em seu

registro de nascimento, sem prejuízo da paternidade socioafetiva (DIAS, 2017). Corroborando este entendimento apresenta-se o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO PELA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E ILEGITIMIDADE DA

REPRESENTANTE DA AUTORA. RECURSO DA AUTORA.

RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA GENITORA DA AUTORA LHE REPRESENTAR EM JUÍZO, VISTO INEXISTIR CONFLITO DE INTERESSES. REPRESENTAÇÃO CONFORME ARTIGO 1.634, DO CÓDIGO CIVIL. DIREITO PERSONALÍSSIMO DOS SUJEITOS DIRETAMENTE ENVOLVIDOS NA RELAÇÃO PARENTAL. EXEGESE DO ARTIGO 27 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. EVIDENCIADO O INTERESSE DE AGIR DA FILHA A FIM DE VER ESCLARECIDA SUA ASCENDÊNCIA BIOLÓGICA. EXISTÊNCIA DE LAÇOS AFETIVOS COM O PAI REGISTRAL

QUE NÃO SE AFIGURA OBSTÁCULO INTRANSPONÍVEL AO

RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. POSSIBILIDADE DO REGISTRO CIVIL DA MULTIPARENTALIDADE. PRECEDENTE UNÂNIME DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL DESTA CORTE. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS A ORIGEM PARA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. SENTENÇA CASSADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. – “A preexistência da paternidade socioafetiva não impede a declaração judicial da paternidade biológica, com todas as consequências dela decorrentes, inclusive as de natureza patrimonial” (TJ-SC – AC: 20160157016 Joinville 2016.015701-6, Relator: Denise Volpato, Data de Julgamento: 19/04/2016, Sexta Câmara de Direito Civil).

Sobre a matéria, apresenta-se também o entendimento jurisprudencial abaixo separado:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESENÇA DA RELAÇÃO DE SOCIOAFETIVIDADE. DETERMINAÇÃO DO PAI BIOLÓGICO ATRAVÉS DO EXAME DE DNA. MANUTENÇÃO DO REGISTRO COM A DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. POSSIBILIDADE. TEORIA TRIDIMENSIONAL. Mesmo havendo pai registral, o filho tem o direito constitucional de buscar sua filiação biológica (CF, § 6º do art. 227), pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor uma à outra. Ambas as paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e ontológica. APELO PROVIDO (TJRS – AC: 70029363918 Comarca de Santa Maria, Relator: Des. Claudir Fidélis Faccenda, Data de Julgamento: 14/10/2009, Oitava Câmara Cível).

Porém, é válido apontar que, segundo Ferraz (2008), averiguando-se no caso a ocorrência de paternidade socioafetiva, não caberia ao filho, oriundo de reprodução assistida heteróloga, requerer os efeitos típicos do estado de filiação em face do pai biológico, como o nome, alimentos, direitos sucessórios e outros.

Na visão da mesma autora (2008, p. 150), tratando-se de busca pela paternidade biológica no âmbito da reprodução assistida heteróloga, há que se diferenciar o direito à origem biológica e o direito à filiação, conforme explicação:

Inegável, portanto, que os efeitos causados pelo reconhecimento do direito à origem genética não se confundem com os próprios da relação de filiação. Por conseguinte, o filho que busca conhecer seus pais biológicos, no caso da inseminação heteróloga, não pode esperar que sejam imputadas aos mesmos às obrigações decorrentes da filiação [...].

As novas perspectivas do direito de família não mais permitem confundir a verdade biológica com a filiação. A presunção de paternidade do marido ou companheiro que autorizou sua mulher a engravidar com sêmen de outro homem, em relação ao filho assim concebido demonstra que o biologismo não se sobrepõe à socioafetividade. O fato de se conhecer sua origem genética não é hábil a desconstruir um estado de filiação já existente.

Por tudo isto, devem ser diferenciados o direito à origem biológica e o direito à filiação.

Em consonância com tal entendimento expressa Barboza (2001, p. 05):

Por conseguinte, o reconhecimento de um direito à identidade genética, que não gera parentesco e seus “temidos” efeitos patrimoniais, em nada afronta nossas tradições jurídicas.

De realce que, a não criação de parentesco surge como forma razoável de harmonização dos interesses eventualmente em conflito: se for assegurado legalmente o sigilo sobre a identidade do doador nos casos de reprodução assistida, em atenção à privacidade daquele, certamente esta deverá ceder em face dos princípios indicados que se sobrepõem. Contudo, ressalvados estarão os direitos de terceiros (doadores, pai biológicos) que nenhum ônus, ao menos patrimonial, sofrerão com a revelação de sua identidade.

Depreende-se, pois, que é direito da pessoa advinda de técnica de reprodução assistida heteróloga conhecer sua identidade genética (BARROS, 2007). Em outras palavras, “O nascido por inseminação artificial heteróloga tem o direito de saber quem é o seu pai biológico e propor a competente ação de investigação de paternidade” (BARROS, 2007, p. 118).

Para ratificar este entendimento, Barros (2007, p. 120) apresenta, a título de sugestão

lege ferenda, a minuta de projeto disciplinando a reprodução assistida heteróloga, prevendo

sobre o tema em debate:

Artigo 9º

Da paternidade do doador de sêmen.

O doador de sêmen pode ser havido como pai da criança que vier a nascer, dependendo tal circunstância da propositura da ação de investigação de paternidade, proposta pelo filho nascido por inseminação artificial.

Logo, conforme disciplina Ferraz (2008), pode-se preceituar que o desejo de conhecer a origem biológica traduz-se como um anseio natural do ser humano, não podendo, por isso, ser negado, em face de sua relevância como direito de personalidade.

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