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3 A INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA

3.1 O DIREITO À ORIGEM GENÉTICA

No atual cenário de crescimento populacional brasileiro, houve significativa redução das curvas de fertilidade, crescendo a procura pelos métodos de reprodução medicamente assistida como ferramenta para proporcionar o desejo de gerar descendentes, sendo também empregada, dentre as diversas técnicas, a inseminação artificial heteróloga, com a utilização de material genético de terceiro (BARBOZA, 2001).

Sobre a reprodução assistida heteróloga, Silva (2001, p. 85) observa que:

A investigação sociológica das técnicas de procriação medicamente assistida, principalmente na modalidade heteróloga, demonstra que o seu ingresso em muitos países, inclusive no Brasil, se deu de forma clandestina, sem que tivesse assegurado a reflexão de suas consequências por parte dos diversos seguimentos da sociedade civil. Daí porque o aparente consenso que reina nos meios jurídicos em torno do princípio do anonimato do doador de gametas.

Ao refletir sobre o método de reprodução medicamente assistida acima mencionado, Barboza (2001, p. 01-02) aduz que:

[...] a "verdade" biológica deve ser ocultada, pois, na falta de regulamentação jurídica sobre a matéria vem sendo observada a norma deontológica baixada pelo Conselho Federal de Medicina segundo a qual, na esteira do entendimento de alguns

países, a identidade do doador não deve ser revelada. A se manter tal orientação haverá em tais casos uma "dupla paternidade": a jurídica e a biológica.

A possibilidade dessa "dupla paternidade", contudo, não é inédita em nosso ordenamento, eis que presente nos casos de legitimação adotiva e adoção [...].

Nessa esteira, quanto à apuração da paternidade, existem duas demandas que podem ser levadas até o Poder Judiciário (TARTUCE, 2016). Na busca pela paternidade, pode-se propor ação de investigação de paternidade, com o escopo de ser reconhecido o vínculo de parentalidade, acarretando, tal reconhecimento, todos os efeitos jurídicos, inclusive patrimoniais, bem como pode-se ajuizar ação declaratória de ascendência genética, para fins de conhecimento da origem genética do indivíduo, sem desencadear os efeitos jurídicos observados na investigação de paternidade (TARTUCE, 2016).

Diante deste cenário, convém acentuar a importante descoberta científica que fora o DNA, conforme preleciona Barboza (2001, p. 04):

O progresso científico agregou mais um elemento, ainda que não o mais importante, mas, por ora, o que parece imutável, para a identificação do ser humano: o DNA. Talvez tenha se atingido a última fronteira em termos da identificação, na medida em que esse elemento é único e exclusivo de cada pessoa humana, ressalvados os gêmeos univitelinos. A pesquisa do DNA abre um novo campo de efeitos jurídicos, a um só tempo revelando a origem genética do indivíduo e marcando indelevelmente sua passagem. Como a mais legítima e concreta expressão da personalidade, a identidade genética é um direito da personalidade, assim como o nome, e tanto ou mais do que os demais elementos de identificação, a informação da origem genética deve ser tutelada.

Com efeito, Silva (2001, p. 78) tece necessários esclarecimentos acerca do papel do DNA na vida humana, leia-se:

O DNA é uma molécula presente no núcleo das células somáticas e cuja principal função de suas sequências, chamadas genes, é a codificação da informação genética. Todo homem, ao ser concebido, recebe, para cada característica genética, duas informações. Uma que vem da mãe, através do óvulo, e outra proveniente do pai, através do espermatozoide, ambas células germinativas. Portanto, cada genitor colabora com 50% das informações genéticas do filho concebido, que se combinam uma a uma, como um zíper. O exame de DNA, nesse contexto, nada mais é do que a análise de algumas informações genéticas que o filho herdou da mãe e do suposto pai. Em sua aplicação, após apurada a contribuição materna no DNA do filho, é necessário verificar a contrapartida: a contribuição paterna. Se o suposto pai possui as informações genéticas transmitidas ao filho, o resultado de sua contribuição deve ser apresentado em termos de probabilidade de paternidade, porque se trata de análise bastante limitada (apenas algumas poucas informações genéticas são analisadas). Caso contrário, não as possuindo, o resultado é a exclusão da paternidade.

Em vista disso, o reconhecimento da socioafetividade e a viabilidade de se estabelecer o elo biológico entre indivíduos, com a utilização do exame de DNA, gerou, em consequência, verdadeiro paradoxo, pois, “Nunca como antes foi tão fácil descobrir a verdade

genética” (DIAS, 2017, p. 177).

A disseminação do exame de DNA, entre a população, fez surgir uma avalanche de demandas judiciais para fixação da paternidade biológica, seja para investigar a paternidade,

seja para desconstituir a paternidade já existente em razão da presunção prevista na legislação (BARBOZA, 2001).

Acerca da matéria em exame, o Supremo Tribunal Federal proferiu o seguinte entendimento:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES

SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO.

SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO COMO CENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO-POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS REALIDADES FAMILIARES A MODELOS PRÉ-CONCEBIDOS. ATIPICIDADE CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, § 3º, CRFB) E FAMÍLIA MONOPARENTAL (ART. 226, § 4º, CRFB).VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227, § 6º, CRFB).

PARENTALIDADE PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU AFETIVA.

NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA AMPLA. MULTIPLICIDADE DE

VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE.

POSSIBILIDADE. PLURIPARENTALIDADE. PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL (ART. 226, § 7º, CRFB). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO A CASOS SEMELHANTES. [...] 11. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser (RE 898.060, Relator (a): Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, DJe – 187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017).

Ao analisar-se a busca pela paternidade no âmbito da reprodução assistida heteróloga, verifica-se que a criança gerada por esta técnica foi, em verdade, planejada e desejada, devendo construir vínculo afetivo com a família (PINI, 2016). Contudo, é inegável que existe a hipótese de que este ser gerado a partir da inseminação artificial heteróloga queira, no futuro, desvendar sua origem genética, por inúmeros motivos, sendo tal fato absolutamente compreensível (PINI, 2016).

Neste momento, cabe, primeiramente, explicitar no que consiste a identidade genética de uma pessoa. Sobre o assunto, Naves (2010, p. 117) explana:

O conceito de identidade genética traz em seu bojo a correspondência ao genoma de cada ser humano, ou seja, o fundamento biológico ínsito a cada um. Constata-se que todos têm um genoma irrepetível, salvo os casos de gêmeos monozigóticos, que, embora apresentem identidade de material genético nuclear, podem distinguir-se pelo DNA mitocondrial.

O direito à identidade afigura-se como um direito à diferença, sendo vedadas a repetibilidade programada e a alteração dessa base biológica, a não ser, no último caso, se se tratar de escopos terapêuticos.

A identidade genética compõe um nível prévio à identidade pessoal, atuando como seu substrato.

A identidade genética afigura-se como um dos diversos elementos que definem uma pessoa, pois “Desde a concepção, os dados genéticos determinarão características do ser humano, que serão desenvolvidas e modificadas durante sua vida” (NAVES, 2010, p. 118). Essas informações serão herdadas pelos descendentes através das células germinativas, os gametas, que se unirão aos gametas de outra pessoa e formarão um novo indivíduo, este com identidade única também (NAVES, 2010).

Para Dias (2017), a toda pessoa é facultado o direito de investigar sua origem, com a finalidade de assegurar o livre desenvolvimento de sua personalidade, já que:

Até na reprodução assistida, em que é utilizado material genético de doadores anônimos, persiste o sonho de saber quem é, enfim, o pai ou a mãe “de verdade”. Conhecer o vínculo biológico, ainda que não haja a mínima intenção de “trocar” de pai ou de mãe, vez por outra corresponde a um simples desejo. Mera curiosidade. Mas às vezes vai além.

Por isso a busca de identificação da ascendência genética não pode ser negada nunca. Mesmo quando existem pais registrais ou pais afetivos. Atende a um punhado de princípios fundamentais que dizem com o respeito à dignidade e os

direitos de personalidade. Os reflexos desse reconhecimento são de várias ordens e

de parte a parte: tanto para os filhos quanto para os genitores.

No que diz respeito à correlação existente entre o direito de conhecimento dos dados genéticos e os direitos da personalidade, Naves (2010, p. 47-48) disciplina que:

Há, aparentemente, perfeita correspondência entre os dados genéticos, a definição e as características dos direitos de personalidade. Aqueles são informações vitais para o desenvolvimento da vida humana; são necessários, já que toda a matéria viva é regida, biologicamente, pelas informações de seus genes; são vitalícios, pois se constituem em bens que acompanham o curso da vida humana; são indisponíveis e intransmissíveis, pois sua disposição ou transmissão implicaria na cessação da vida de seu titular; e, por fim, são extrapatrimoniais, devido à impossibilidade de avaliação econômica, por isso são considerados bens fora do comércio.

Se os direitos de personalidade são bens definidores da própria pessoa, por isso projeção jurídica do ser, os dados genéticos encaixar-se-iam perfeitamente nessa categoria.

Logo, em princípio, também se poderia afirmar que os dados são direitos subjetivos, já que, pela doutrina tradicional, todos os direitos de personalidade o são, garantindo uma esfera de ação a seu titular.

Com relação à essencialidade do conhecimento da identidade genética, Gomes e Sordi (2001, p. 171) afirmam que “O genoma humano se insere dentro dos direitos da personalidade, representando a própria identidade do ser humano”.

Faz-se mister atentar para os seguintes ensinamentos de Dias (2017, p. 177), que enquadra o direto à identidade genética como um direto da personalidade, compreendido no contexto do princípio da dignidade da pessoa humana, asseverando que a busca da identidade genética:

[...] funda-se no direito personalíssimo, indisponível e imprescritível em face do

princípio constitucional da dignidade humana. O conhecimento do estado de filiação biológico atende ao direito de personalidade que independe do estado de

origem biológica é assegurado ao adotado (ECA 48), sem quaisquer efeitos

registrais e sem que lhe seja assegurado direito algum perante os pais biológicos.

Barboza (2001) compartilha do mesmo entendimento, enfatizando que a Constituição Federal de 1988 elegeu a dignidade da pessoa humana como valor primordial, sendo mister deixar-se para trás o antigo ponto de vista patrimonialista para identificar o indivíduo no meio social em prol do reconhecimento da identidade como integrante da dignidade do ser humano. Isto posto, a autora (2001, p. 04) conclui claramente ser “Imperativo reconhecer-se, nesses termos, um direito à identidade genética, como direito da personalidade, inscrito igualmente dentre os direitos fundamentais”.

Sobre o direito ao conhecimento da origem genética, apresenta-se jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E PETIÇÃO DE HERANÇA. VÍNCULO BIOLÓGICO. PTERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. DIREITOS SUCESSÓRIOS. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 1.593; 1.604 E 1.609 do Código Civil; ART. 48 do ECA; e do ART. 1º da Lei 8.560/92. 1. Ação de petição de herança, ajuizada em 07.03.2008. Recurso especial concluso ao Gabinete em 25.08.2011. 2. Discussão relativa à possibilidade do vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica. 3. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho. 4. A prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade, quando é inequívoco (i) o conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o declararam no registro de nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto, cuidado, assistência moral, patrimonial e respeito, construída ao longo dos anos. 5. Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão. 6. O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. 7. A paternidade traz em seu bojo diversas responsabilidades, sejam de ordem moral ou patrimonial, devendo ser assegurados os direitos sucessórios decorrentes da comprovação do estado de filiação. 8. Todos os filhos são iguais, não sendo admitida qualquer distinção entre eles, sendo desinfluente a existência, ou não, de qualquer contribuição para a formação do patrimônio familiar. 9. Recurso especial desprovido (STJ – Resp: 1274240 SC 2011/0204523-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 08/10/2013, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/10/2013).

Pini (2016, p. 29) chama atenção para as principais diferenças existentes entre direitos fundamentais e direitos da personalidade, os quais não devem ser confundidos:

Quando se trata de direito à identidade genética, logo vêm à mente os direitos fundamentais (ou humanos) e os direitos da personalidade e, consequentemente, a diferenciação teórica. Os direitos fundamentais são gênero, enquanto os da personalidade são espécie, isto é, os primeiros contém os últimos, não se restringindo a eles. Além disso, a previsão dos direitos fundamentais é feita na Constituição Federal, a saber, principalmente, nos artigos 5 a 17, ao passo que os

direitos da personalidade estão elencados no Código Civil em seus artigos 11 a 21, este critério ignora o conteúdo de cada artigo, e mostra-se insuficiente pois não abrange a legislação extraordinária. Pode-se, por fim, perceber que enquanto os direitos da personalidade consistem em comandos aos particulares, os direitos fundamentais são determinações voltadas aos legisladores.

No estudo dos direitos fundamentais, é salutar acentuar que a doutrina, em sua maioria, defende que, com o desenvolvimento do Estado globalizado, ante a significativa evolução tecnológica e da área da biologia, ocorrera o nascimento dos chamados direitos fundamentais de quarta geração, não havendo, contudo, consenso quando à existência e ao conteúdo desses direitos (FERRAZ, 2008).

De qualquer forma, para aqueles que defendem a existência dos direitos fundamentais de quarta geração, estes compreendem “[...] os direitos relativos à manipulação genética, relacionados à biotecnologia e à bioengenharia, tratando de discussões sobre a vida e a morte, pressupondo sempre um debate ético prévio” (FERRAZ, 2008, p. 130).

Ao tratar das gerações dos direitos fundamentais, Pini (2016, p. 30-31) destaca que:

A quarta geração dos direitos humanos é aquela altamente influenciada pela globalização, e ainda está em desenvolvimento, sendo a mais atual dentre as quatro. Engloba os direitos decorrentes da engenharia genética, biotecnologia, direitos tecnológicos e de informação.

Bobbio (2004, p. 05-06) traduz os direitos fundamentais de quarta geração como sendo aqueles “[...] referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo”.

Convém exaltar as considerações de Bulos (2012, p. 526) sobre tal geração de direitos fundamentais, o qual ilustra:

Referimo-nos aos direitos fundamentais de quarta geração, relativos à saúde, informática, softwares, biociências, eutanásia, alimentos transgênicos, sucessão dos filhos gerados por inseminação artificial, clonagens, dentre outros acontecimentos ligados à engenharia genética.

O aludido autor (2012, p. 526) ainda informa que “No plano legislativo, a proteção dos direitos de quarta geração encontrou guarida na Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005, a chamada Lei de Biossegurança, que proibiu a clonagem humana”.

Ademais, consoante já exposto, o direito ao conhecimento da origem genética deve ser analisado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que:

O direito à ascendência genética é corolário do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, sendo portanto indisponível, irrenunciável, imprescritível, com possibilidade de ser exercido somente pela própria pessoa quando decida realizar a persecução pela sua origem, não podendo ser obstaculizado pelo pai, mãe ou ainda pela lei (PINI, 2016, p. 32).

Segundo preleciona Novelino (2017, p. 261), “A dignidade, em si, não é um direito, mas uma qualidade intrínseca a todo ser humano, independentemente de sua origem, sexo,

idade, condição social ou qualquer outro requisito”. O autor (2017) ainda clarifica que, assim considerada, a dignidade não pode ser entendida como algo relativo.

Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana pode-se afirmar:

A dignidade da pessoa humana é uma referência constitucional unificadora dos direitos fundamentais inerentes à espécie humana, ou seja, daqueles direitos que visam garantir o conforto existencial das pessoas, protegendo-as de sofrimentos evitáveis na esfera social (CHIMENTI et al., 2009, p. 34).

Infere-se, pois, que “[...] pela consagração do princípio da dignidade humana, a pessoa humana ocupa lugar de destaque, sendo o valor máximo do ordenamento jurídico e, assim, merecedora de tutela em todas as relações jurídicas que integre” (FERRAZ, 2008, p. 138).

Importa salientar que, segundo Gomes e Sordi (2001), a dignidade da pessoa humana pode ser entendida sob dois viés básicos, quais sejam: primeiramente, como termo comparativo, dirigindo-se à alguém que mereça o qualitativo de digno, estando tal acepção vinculada ao comportamento humano; e segundamente, pode ser compreendido como uma qualidade atrelada ao sujeito que se diz digno.

Santos (1993 apud GOMES e SORDI, 2001, p. 180) argumenta que:

[...] o princípio da dignidade da pessoa aparece indicado, ora como princípio da personalidade, ora como princípio da individualidade, e nos obriga a um compromisso inafastável: o do absoluto e irrestrito respeito à identidade e à integridade de todo ser humano. Isso porque o homem é sujeito de direitos; não é jamais objeto de direito e, muito menos, objeto mais ou menos livremente manipulável.

Pode-se afirmar, desta maneira, que a identidade genética figura como uma expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, buscando ser consagrado no ordenamento jurídico brasileiro (FRAJNDLICH, 2011 apud PINI, 2016).

Além disso, registre-se que “É um bem fundamental a ser tutelado e consagrado pelo Direito Constitucional, abrangendo debates em torno do reconhecimento da origem genética do ser humano como um direito de personalidade do indivíduo” (FRAJNDLICH, 2011 apud PINI, 2016, p. 33).

Nessa perspectiva, dúvidas não há de que o direito à identidade genética é um direito da personalidade, embora não elencado expressamente na legislação, constituindo uma subespécie do direito à identidade (FERRAZ, 2008).

Diga-se, ainda, que Otero (1999 apud BARROS, 2007), buscando dar densidade ao direito à identidade genética, relacionou dito direito com três realidades, a saber: humanidade, verdade biológica e liberdade técnico-científica.

O vínculo entre direito à identidade genética e humanidade “[...] indica ter o legislador procurado garantir a identidade genética do ser humano, o que exclui do âmbito de

proteção da norma qualquer referência à outra identidade genética, que não a humana” (OTERO, 1999 apud BARROS, 2007, p. 67).

“Por outro lado, a aproximação entre identidade e individualidade genética de cada ser humano, baseada na singularidade e irrepetibilidade do genoma de cada indivíduo, conduziu a inadmissibilidade da clonagem humana” (OTERO, 1999 apud BARROS, 2007, p. 67).

A inviolabilidade do patrimônio genético do ser humano, expressão direta de sua identidade genética, acarreta dois efeitos: a) a proibição de práticas que almejem a produção de seres híbridos ou quiméricos, modificados geneticamente e destituídos de uma completa ou perfeita identidade humana; e b) a vedação de práticas de manipulação genética que tenham por escopo a criação de seres sem sexo ou dotados de ambos os sexos simultaneamente (OTERO, 1999 apud BARROS, 2007).

Seguindo ainda os ensinamentos de Otero (1999 apud BARROS, 2007, p. 68-69), deve-se pontuar que:

Por sua vez, a associação entre identidade genética e verdade biológica conduz ao

princípio geral de verdade biológica, o que impede a lei ordinária de afastar-se do

critério da verdade biológica. Assim, poder-se-ia criticar algumas das soluções sobre filiação consagradas em diplomas reguladores das técnicas de procriação assistida, que se afastam do critério biológico. A consagração constitucional de um princípio

geral de verdade biológica produziria três efeitos:

a) as regras de filiação devem basear-se essencialmente em critérios biológicos. A conjugação entre o direito à identidade pessoal e a garantia de identidade genética dos seres humanos determinaria a formação de dois novos direitos fundamentais: i) o direito de cada novo ser conhecer e estabelecer a sua ascendência biológica direta; ii) o direito de cada progenitor a conhecer e estabelecer a sua descendência biológica direta;

b) impor a omissão, destruir a possibilidade de reconstituir ou negar a ligação biológica entre dois seres, falseando ou escondendo a verdade biológica, sempre

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