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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO ALEXSSANDRA JALES NOGUEIRA DE OLIVEIRA

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INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

ALEXSSANDRA JALES NOGUEIRA DE OLIVEIRA

A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE NO ÂMBITO DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA: um estudo acerca do direito ao

conhecimento da identidade genética frente ao sigilo do doador

BOA VISTA, RR 2018

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ALEXSSANDRA JALES NOGUEIRA DE OLIVEIRA

A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE NO ÂMBITO DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA: um estudo acerca do direito ao

conhecimento da identidade genética frente ao sigilo do doador

Monografia apresentada como pré-requisito para conclusão do Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Federal de Roraima – UFRR.

Orientadora: Profª. Me. Isete Evangelista Albuquerque.

BOA VISTA, RR 2018

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Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária/Documentalista: Angela Maria Moreira Silva - CRB-11/381-AM

O48a Oliveira, Alexssandra Jales Nogueira de.

A ação de investigação de paternidade no âmbito da reprodução assistida heteróloga : um estudo acerca do direito ao conhecimento da identidade genética frente ao sigilo do doador / Alexssandra Jales Nogueira de Oliveira. – Boa Vista, 2018.

73 f.

Orientadora: Profª. Me. Isete Evangelista Albuquerque.

Monografia (graduação) – Universidade Federal de Roraima, Curso de Bacharel em Direito.

1 – Direito de família. 2 – Investigação de paternidade. 3 – Bioética. 4- Reprodução assistida. I – Título. II – Albuquerque, Isete Evangelista (orientadora).

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ALEXSSANDRA JALES NOGUEIRA DE OLIVEIRA

A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE NO ÂMBITO DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA: um estudo acerca do direito ao

conhecimento da identidade genética frente ao sigilo do doador

Monografia apresentada como pré-requisito para conclusão do Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Federal de Roraima – UFRR. Defendida em 29 de novembro de 2018 e avaliada pela seguinte banca examinadora:

_________________________________________________ Profª. Me. Isete Evangelista Albuquerque

Orientadora/Curso de Direito – UFRR

_________________________________________________ Prof. Gr. Paulo Cézar Dias Menezes

Curso de Direito – UFRR

_________________________________________________ Prof. Me. Rafael Reis Ferreira

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, todos os agradecimentos pertencem à Deus, por despertar a minha fé e direcionar o meu caminho, pois só Ele conhece todas as coisas e sabe o que é melhor. Obrigada Senhor, por toda dificuldade vencida, todas as bênçãos alcançadas e pelo milagre de cada dia com vida.

Uma vida inteira não seria suficiente para agradecer aos meus pais, Maria e Alex, por todo o amor recebido, por cada sacrifício feito, por todos os “sim” para me incentivar e, principalmente, por todos os “não” para me educar. Obrigada pela fé e confiança depositadas em mim. Pai e mãe, amo vocês! Infinitamente obrigada.

Agradeço à minha irmã, Talita, que mesmo tão longe me dá carinho e amor e, por vezes, recebeu meus relatos das inúmeras tarefas da vida acadêmica. Obrigada maninha.

Muito obrigada aos meus tios e padrinhos, Karla e Eurico, cujo lar é oficialmente minha segunda casa. Obrigada pelas incontáveis ajudas.

Também agradeço aos meus tios, Lidiana e Omar, sempre tão prestativos e dispostos a ajudar em tudo. Obrigada pelo carinho.

Aos demais membros da minha família que, de diversas formas, me auxiliaram nesta caminhada, alguns mesmo à distância, meus mais sinceros agradecimentos.

Sem dúvida, merece um gigante agradecimento a pessoa com quem mais convivi nessa jornada, minha amiga Lívia. Obrigada pelas risadas, de alegria e de desespero também, por partilhar as ansiedades e os medos, por sofrer junto nos trabalhos e nas provas, pelos conselhos maravilhosos e pela infalível parceria.

Obrigada à minha amiga Raíssa pelos momentos engraçados, pelos incontáveis trabalhos em grupo e pelo apoio nas horas mais complicadas. Obrigada pela amizade e pelos conselhos dados.

Agradeço também minha orientadora, professora Isete Evangelista Albuquerque, cujos ensinamentos foram imprescindíveis na realização deste trabalho. Obrigada professora pela gentileza de aceitar me orientar nesta monografia, pelo tempo disponibilizado e por responder todas as minhas perguntas e sanar minhas dúvidas. Muito obrigada.

Meus sinceros agradecimentos aos demais colegas de turma, que partilharam essa jornada comigo, e aos demais professores do Curso de Direito, por cada ensinamento repassado e por toda contribuição na minha formação.

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RESUMO

Esta monografia tem como escopo proceder à análise da ação de investigação de paternidade no âmbito da reprodução assistida heteróloga, com estudo do direito à identidade genética frente ao sigilo do doador. O exame da matéria em questão mostra-se relevante em virtude da ausência de regulamentação legal no que concerne às técnicas de reprodução humana assistida no Brasil, o que acaba por despertar inúmeros debates e polêmicas no campo jurídico e também no meio social. Assim, este trabalho tem como escopo apresentar esclarecimentos acerca da ação de investigação de paternidade em sede de reprodução humana assistida heteróloga, ao explanar sobre o direito à identidade genética e o direito à intimidade do doador anônimo. Utilizou-se como abordagem metodológica a pesquisa qualitativa, exploratória, aplicada e bibliográfica, com observância também aos ditames constitucionais, infraconstitucionais e orientações jurisprudenciais atinentes ao assunto. Nota-se que a possibilidade de um indivíduo, nascido a partir do emprego de inseminação artificial heteróloga, requerer, junto ao Poder Judiciário, o desvendamento de sua origem genética esbarra diretamente no direito ao anonimato conferido ao doador de material genético, o qual realiza contribuição para o projeto parental de terceiros, no caso, o casal que recorre a esta técnica, mas dele não faz parte. Assim, vislumbra-se na hipótese a clara ocorrência de um conflito de interesses: de um lado, o filho que deseja conhecer sua ascendência biológica; do outro, o terceiro que doou o sêmen e deseja manter-se no anonimato. Diante deste conflito aparente de direitos, mister se faz a resolução do impasse através da aplicação da técnica de ponderação, sopesando, no caso concreto, os direitos em colisão, com a finalidade de averiguar-se, ante as circunstâncias, qual deles deverá prevalecer. Com efeito, ante a análise da temática em tela, verifica-se que o direito à origem genética, como direito fundamental, sendo compreendido no contexto da dignidade da pessoa humana, deve predominar frente ao direito à intimidade do doador, uma vez que o desconhecimento da origem biológica implicaria em maiores prejuízos ao filho do que aqueles suportados pelo doador com o desvendamento de sua identidade.

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ABSTRACT

This monograph aims to analyze the action of paternity research in the field of assisted heterologous reproduction, with a study of the right to genetic identity in the face of donor secrecy. The examination of the matter in question is relevant due to the absence of legal regulations regarding human reproduction techniques assisted in Brazil, which ends up provoking numerous debates and controversies in the legal field and also in the social environment. Thus, this work has as scope to present clarifications about the action of paternity research in assisted heterologous human reproduction, when explaining about the right to genetic identity and the right to privacy of the anonymous donor. The methodological approach was qualitative, exploratory, applied and bibliographical research, observing also the constitutional, infraconstitutional and jurisprudential guidelines related to the subject. It is noted that the possibility of an individual, born from the use of heterologous artificial insemination, to request, together with the Judiciary, the unraveling of their genetic origin runs directly against the right to anonymity granted to the donor of genetic material, which makes a contribution for the third-party parental project, in this case, the couple that uses this technique, but it is not part of it. Thus, a clear conflict of interest can be seen in the hypothesis: on the one hand, the son who wishes to know his / her biological ancestry; on the other, the third who donated the semen and wishes to remain anonymous. Faced with this apparent conflict of rights, it is necessary to resolve the impasse through the application of the weighting technique, weighing, in this case, the rights in collision, with the purpose of ascertaining, under the circumstances, which of them should prevail. In view of the analysis of the subject matter on the screen, the right to genetic origin, as a fundamental right, to be understood in the context of the dignity of the human person, must prevail over the right to privacy of the donor, since the lack of knowledge of biological origin would imply in greater losses to the child than those borne by the donor with the unmasking of his identity.

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LISTA DE ABREVIATURAS § – Parágrafo AC – Apelação Cível Art. – Artigo CC – Código Civil CF/88 – Constituição Federal de 1988 CFM – Conselho Federal de Medicina CNJ – Conselho Nacional de Justiça

CPC/2015 – Código de Processo Civil de 2015 Des. – Desembargador

FIV – Fecundação in vitro

GIFT – Gametha Intra Fallopian Transfer IA – Inseminação artificial

Min. – Ministro nº – Número

RA – Reprodução assistida Rel. – Relator

REsp – Recurso Especial

STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça SUS – Sistema Único de Saúde

TJRS – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul TJSC – Tribuna de Justiça do Estado de Santa Catarina UFRR – Universidade Federal de Roraima

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...09

2 O DIREITO À DESCENDÊNCIA E A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA...12

2.1 O DIREITO À REPRODUÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO...13

2.2 AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA...19

2.3 A REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA...24

2.4 A AMPLIAÇÃO DO DIREITO À REPRODUÇÃO ÀS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS E HOMOAFETIVAS...26

3 A INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA...31

3.1 O DIREITO À ORIGEM GENÉTICA...34

3.2 O ANONIMATO DO DOADOR DE MATERIAL GENÉTICO...43

4 IDENTIDADE GENÉTICA VERSUS SIGILO DO DOADOR: O CONFLITO APARENTE DE DIREITOS E A TÉCNICA DE PONDERAÇÃO...48

4.1 A PONDERAÇÃO COMO MÉTODO PARA RESOLUÇÃO DO CONFLITO...57

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...64

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1 INTRODUÇÃO

A presente monografia apresentou como delimitação temática a ação de investigação de paternidade no âmbito da reprodução assistida heteróloga, com o estudo do direito ao conhecimento da identidade genética frente ao sigilo do doador. Foram abordados, neste contexto, os ditames constitucionais e a legislação infraconstitucional acerca do tema, bem como as disposições constantes da Resolução nº 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina e da jurisprudência pertinente ao assunto. Como delimitação espaço-temporal observou-se o território brasileiro a partir da Constituição Federal de 1988.

Nota-se, pois, que o tema analisado nesta monografia encontra-se inserido na seara do Direito de Família, sendo mister realçar que a família figura como instituto basilar da sociedade, recebendo, em virtude disto, especial atenção pela Constituição Federal de 1988, conforme vislumbra-se em seu artigo 226.

De fato, constata-se que o ideal de configuração familiar passou por relevantes modificações no decorrer dos tempos, ante as transformações verificadas no meio social. Desta forma, houve uma ampliação do conceito de família, o qual passou a abranger em seu núcleo outras formações, a exemplo das famílias monoparentais e homoafetivas.

Frente a esta nova realidade, a problemática em torno da produção de descendentes ante os novos parâmetros familiares, supracitados, acarretou uma enorme evolução no campo da ciência, dando origem às técnicas de reprodução humana assistida.

Sabe-se que as aludidas técnicas de procriação surgiram como ferramentas empregadas com o escopo de tornar possível a realização do direito à descendência de casais que, por motivo de infertilidade ou esterilidade, não conseguiam, pela via natural, gerar filhos. Com efeito, existem duas espécies de reprodução humana assistida, a saber: homológa e heteróloga. Esta pesquisa versou sobre a reprodução assistida heteróloga, procedendo à análise do direito à identidade genética do filho gerado pelo citado procedimento em contraposição ao direito ao anonimato do terceiro que doou o material genético para a realização da inseminação artificial.

Ante o acima exposto, brotou-se a seguinte problemática: De que forma é legítimo o direito do filho, havido mediante técnica de reprodução humana assistida heteróloga, buscar por via judicial, através da ação de investigação de paternidade, conhecer sua origem genética, em detrimento do sigilo conferido à identidade do doador?

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Com o presente trabalho, objetivou-se examinar a ação de investigação de paternidade em sede de reprodução humana assistida heteróloga. Ademais, como objetivos específicos, procedeu-se a uma breve explanação acerca dos principais conceitos e definições concernentes à inseminação artificial heteróloga e seus procedimentos, abordou-se a ação de investigação de paternidade no direito brasileiro e a possibilidade de utilização da citada ferramenta judicial nos casos de reprodução assistida heteróloga, bem como discutiu-se o direito ao conhecimento da identidade genética atribuído ao filho oriundo deste procedimento, refletindo-se se há viabilidade de quebra do sigilo da identidade do doador.

Este estudo nasceu da reflexão sobre a utilização da ação de investigação de paternidade enquanto instrumento jurídico necessário ao conhecimento da origem biológica de indivíduo nascido através da reprodução assistida heteróloga, não obstante o anonimato conferido ao doador de sêmen.

A análise da temática em tela revelou-se de suma importância do ponto de vista jurídico e social, sobretudo levando-se em conta o papel vital exercido pelo núcleo familiar na sociedade contemporânea, a qual, não obstante todas as inovações tecnológicas e as modificações no âmbito das relações sociais, continua representando o cerne de cada indivíduo.

Desta maneira, a incorporação dos novos modelos de família observados na realidade social deve ser efetivada o quanto antes pelo ordenamento jurídico, o qual deve estar preparado para as novas demandas judiciais oriundas de tais alterações na seara familiar.

Além disso, a carência de normatização no que tange aos procedimentos de reprodução humana assistida demonstra a necessidade de se aprofundarem os estudos jurídicos dedicados às referidas técnicas, em especial, à inseminação artificial heteróloga.

No mais, mostra-se salutar a discussão em torno da possibilidade de indivíduo nascido através de técnica de reprodução assistida heteróloga propor, perante o Poder Judiciário, a demanda de investigação de paternidade para fins de apurar sua origem genética, uma vez que, nesta hipótese, vislumbra-se o conflito de dois direitos: de um lado o direito do filho em conhecer sua identidade genética; em oposição, tem-se o direito ao anonimato do doador de sêmen.

Por tal motivo, depreende-se que a matéria estudada traduz-se sensível e, por isso, dá origem a debates polêmicos, tanto no meio social como no âmbito jurídico, em razão de tratar da filiação não-biológica e da filiação biológica.

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Cumpre enfatizar que este trabalho não teve por escopo esgotar a temática em exame, propondo-se, na verdade, a promover um estudo dos principais pontos relativos à ação de investigação de paternidade no contexto da reprodução artificial heteróloga.

Impende registrar que, com relação ao tipo de pesquisa desenvolvida, esta caracterizou-se por ser do tipo qualitativa e, no que tange aos seus objetivos, a presente pesquisa constituiu-se do tipo exploratória, considerando o levantamento de materiais bibliográficos e jurisprudencial efetuado ao longo do estudo.

Ademais, no que diz respeito à natureza da pesquisa, neste trabalho foi adotado o modelo de pesquisa aplicada, tendo sido empregada a metodologia composta essencialmente por pesquisa bibliográfica.

Desta maneira, foi feita a utilização de livros, artigos, monografias, fontes legislativas e compreensões jurisprudenciais vinculadas ao tema, bem como se usou recursos tecnológicos. Para isto, utilizou-se neste estudo a norma culta da Língua Portuguesa.

Para melhor elucidação e compreensão da temática examinada, mostrou-se necessária a divisão desta monografia em três capítulos: o primeiro, o direito à descendência e a reprodução humana assistida; o segundo, a investigação de paternidade na reprodução assistida heteróloga; e o terceiro e último capítulo, a identidade genética versus sigilo do doador.

No primeiro capítulo, foi explicitado acerca do direito à reprodução e seu enquadramento no ordenamento jurídico brasileiro, com referência aos ditames constitucionais, previsões no Código Civil Brasileiro e na Lei nº 9.263/96, que regulamenta o planejamento familiar.

O referido capítulo também tratou das técnicas de reprodução humana assistida e as principais motivações que levam as pessoas a procurarem tais métodos, bem como explanou sobre as espécies de reprodução medicamente assistida. Ademais, explicou-se sobre a reprodução assistida heteróloga, centro de estudo deste trabalho, e seus principais aspectos, além de terem sido abordados os debates acerca da ampliação do direito à reprodução às famílias monoparentais e homoafetivas.

Por sua vez, no segundo capítulo discorreu-se sobre o direito à origem genética pertencente ao indivíduo fruto da reprodução assistida heteróloga, analisando-se a importância deste direito. Apresentou-se, ainda, os pontos mais importantes relativos ao direito ao anonimato do doador de material genético, com observância aos dispositivos da Resolução nº 2.168/2017 concernentes ao assunto.

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Finalmente, o terceiro e último capítulo é onde se encontra o núcleo deste estudo, uma vez que na referida seção desenvolveu-se a discussão acerca da identidade genética em contraponto com o sigilo do doador, analisando-se o conflito aparente desses direitos e a viabilidade de solução do caso através do emprego da técnica de ponderação.

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2 O DIREITO À DESCENDÊNCIA E A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

Preliminarmente, é essencial destacar que não há como falar de geração de descendentes através da utilização das técnicas de reprodução humana assistida sem tecer, previamente, breves esclarecimentos acerca do instituto da família, sua importância na sociedade atual e as alterações ocorridas nos últimos tempos.

Ao versar acerca da atuação fundamental desempenhada pela família, Monteiro (2004, p. 01) aduz:

Todo homem, ao nascer, torna-se membro integrante de uma entidade natural, o organismo familiar. A ela conserva-se ligado durante a sua existência, embora venha a constituir nova família.

O aludido autor (2004, p. 01) ainda enfatiza que “Dentre todas as instituições, públicas ou privadas, a da família reveste-se da maior significação. Ela representa, sem contestação, o núcleo fundamental, a base mais sólida em que repousa toda a organização social”.

Como consequência desta relevância, foi reconhecida à entidade familiar especial atenção em âmbito constitucional, uma vez que o caput do artigo 226 determina que “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (BRASIL, 1988).

Pode-se afirmar que todo ser humano tem o direito de constituir uma família e, segundo a vontade de seus membros, decidir sobre a produção dos descendentes.

Com efeito, Farias e Rosenvald (2017, p. 42) asseveram que “[...] família é o lugar

adequado em que o ser humano nasce inserido e, merecendo uma especial proteção do Estado, desenvolve a sua personalidade em busca da felicidade e da realização pessoal”.

A família constitui o núcleo ideal para o total desenvolvimento do ser humano, figurando como meio que permite a realização completa do homem (DINIZ, 2011).

Acerca das significativas alterações sofridas pelo núcleo familiar no decorrer dos tempos e suas consequências, é necessário destacar os ensinamentos de Lisboa (2009, p. 06-07), que reflete sobre a questão:

Os movimentos de emancipação e de liberação social da mulher e dos jovens, a partir do final do século XIX, trouxeram consequências consideráveis sobre as relações familiares em geral, fazendo-se sentir, um século após:

a) maior aceitação das uniões informais entre o homem e a mulher, culminando, no direito brasileiro, com o reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar;

b) maior condescendência da chamada “moral pública”;

c) possibilidade de extinção do casamento por motivos outros, além da morte ou do adultério, em relação que o atual Código estabelece de forma meramente

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d) maior proteção para a mulher, consagrando-se o princípio da igualdade entre o

homem e a mulher nas relações familiares, e não somente genericamente, como se

costumava dispor dentre os direitos e garantias fundamentais;

e) maior proteção para os filhos, consagrando-se o princípio da igualdade entre os

filhos, pouco importando a sua origem, legítima (concebido durante as justas

núpcias) ou não, prestigiando-se tanto a filiação biológica como a filiação

solidária;e

f) a nova personalização das relações familiares, buscando-se o asseguramento dos

direitos da personalidade de cada integrante da família.

Por conseguinte, “Busca-se hoje o asseguramento dos direitos da personalidade de

cada integrante da família, pouco importando se ele é o genitor, a genitora, ou algum filho havido ou não havido do casamento” (LISBOA, 2009, p. 09).

Gagliano e Pamplona Filho (2017) advertem que é necessário compreender que a família não se apresenta, hoje, como um fim em si mesmo, mas sim como um meio para a busca pela felicidade, isto é, um ambiente de realização pessoal de cada indivíduo.

Tendo em vista esses escopos precípuos da família citados pelos mencionados autores, isto é, garantia dos direitos da personalidade e busca pela felicidade de seus membros, proceder-se-á à análise, neste primeiro capítulo da monografia, do direito à descendência e das técnicas de reprodução humana assistida, no contexto destas novas funções do instituto da família.

2.1 O DIREITO À REPRODUÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O direito à reprodução, analisado no contexto das técnicas de reprodução medicamente assistidas, encontra-se inserido no campo de pesquisa da bioética, que “[...] encontra-se indissoluvelmente relacionada com os direitos da personalidade [...]” (LISBOA, 2009, p. 249).

Observa-se, no âmbito doutrinário, que o direito à reprodução é compreendido como pertencente à categoria dos direitos da personalidade, de modo que “O direito a procriar pode ser classificado como um direito de personalidade a ser exercido preferencialmente pelo casal, protegido pelo Estado [...]” (BARROS, 2007, p. 12).

Ao versarem sobre o processo de afirmação dos direitos da personalidade no mundo, Monteiro e Pinto (2012, p. 106) explicam que:

O respeito à pessoa afirmou-se no mundo na segunda metade do século XX, especialmente nas duas últimas décadas, quando os valores próprios de cada pessoa ganharam força extraordinária e foram incorporados às mais diversas legislações. Nunca se procurou tanto preservá-los e fazê-los valer como exteriorização da dignidade humana, física e moral.

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Ainda sem o devido aprofundamento, pode-se adiantar que direitos de personalidade são aqueles que têm por objeto os diversos aspectos da pessoa humana. São direitos de personalidade a vida, a integridade física, a integridade psíquica, o nome, a honra, a imagem, pois todos são projeções da pessoa humana (NAVES, 2010, p. 17).

Ademais, o referido autor (2010) defende ainda que sejam os direitos da personalidade entendidos como expressões da autonomia privada, como ferramenta de autodeterminação.

Segundo preleciona Monteiro (2004, p. 17-18), os direitos da personalidade podem ser definidos da seguinte maneira:

[...] são aqueles direitos subjetivos irrenunciáveis e intransmissíveis em regra, salvo disposição em contrário, [...] inatos ou originários, essenciais, oponíveis erga omnes e imprescritíveis, que conceituamos como as faculdades que têm por objeto os modos de ser físicos ou morais da pessoa em si e em suas projeções sociais, com vistas à proteção da essência da personalidade.

É importante ressaltar que os direitos da personalidade encontram previsão na Parte Geral do Código Civil de 2002, compreendidos entre os artigos 11 e 21 do aludido dispositivo.

O artigo 11 da legislação civil apresenta as principais características atribuídas aos direitos da personalidade, dispondo que “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária” (BRASIL, 2002).

Nessa esteira, Tartuce (2017, p. 111), ao versar sobre as características dos direitos da personalidade explica que:

Partindo para a análise de suas características, os direitos da personalidade são tidos como intransmissíveis, irrenunciáveis, extrapatrimoniais e vitalícios, eis que comuns à própria existência da pessoa. Tratam-se ainda de direitos subjetivos, inerentes à pessoa (inatos), tidos como absolutos, indisponíveis, imprescritíveis e impenhoráveis.

Percebe-se que o direito à reprodução encontra-se inserido entre tais direitos, estando também vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana, o qual se traduz nas relações familiares “[...] pela proteção da vida e da integridade biopsíquica dos membros da família, consubstanciada no respeito e asseguramento dos seus direitos da personalidade” (LISBOA, 2009, p. 15).

Essa relação existente entre o princípio supracitado e os direitos da personalidade pode ser evidenciada no texto do Enunciado nº 274 do Conselho da Justiça Federal, o qual prevê que “Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana)”.

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Meditando as palavras do Enunciado acima mencionado, Tartuce (2017, p. 99) conclui que “[...] Em suma, existem outros direitos da personalidade tutelados no sistema, como aqueles constantes do Texto Maior. O rol do Código Civil é meramente exemplificativo (numerus apertus) e não taxativo (numerus clausus)”.

Extrai-se que a ausência de citação expressa do direito à reprodução na legislação civil brasileira não obsta o reconhecimento de tal direito, uma vez que o rol dos direitos da personalidade contido no Código Civil não é taxativo.

Gonçalves (2011, p. 187) corrobora com este entendimento asseverando que:

É ilimitado o número de direitos da personalidade, malgrado o Código Civil, nos arts. 11 a 21, tenha se referido expressamente apenas a alguns. Reputa-se tal rol meramente exemplificativo, pois não esgota o seu elenco, visto ser impossível imaginar-se um numerus clausus nesse campo.

Pelo exposto, pode-se afirmar que a mulher que se submete às técnicas de reprodução humana assistida faz valer um direito da personalidade, a saber, seu direito à reprodução, este norteado pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Ademais, aquele que doa material genético para fins de realização de inseminação artificial não viola o próprio corpo, porque o conteúdo doado pode ser qualificado como tecido (BARROS, 2007).

Sobre a origem dos direitos reprodutivos, Cândido (2007, online) assevera que:

Na França, em 1955, surgiu o primeiro movimento objetivando a regularização do Direito ao planejamento familiar, sendo este considerado o Direito à regulação de fecundidade e não ao controle de natalidade. Foi neste momento que a compreensão de Direitos Reprodutivos começou a ganhar os contornos que hoje possui.

O debate acerca do direito à reprodução fora objeto de análise da Convenção Internacional do Cairo (1994, p. 43), que tratou expressamente do assunto e trouxe a seguinte previsão:

Princípio 8

Toda pessoa tem direito ao gozo do mais alto padrão possível de saúde física e mental. Os estados devem tomar todas as devidas providências para assegurar, na base da igualdade de homens e mulheres, o acesso universal aos serviços de assistência médica, inclusive os relacionados com saúde reprodutiva, que inclui planejamento familiar e saúde sexual. Programas de assistência à saúde reprodutiva devem prestar a mais ampla variedade de serviços sem qualquer forma de coerção. Todo casal e indivíduo têm o direito básico de decidir livre e responsavelmente sobre o número e o espaçamento de seus filhos e ter informação, educação e meios de o fazer.

Vislumbra-se, ainda, no texto da aludida convenção (1994, p. 62-63) o preceito abaixo:

7.3 Tendo em vista a definição supra, os direitos de reprodução abrangem certos direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos e em outros documentos de acordos. Esses direitos se baseiam no reconhecido direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de seus

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filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais alto padrão de saúde sexual e de reprodução. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência, conforme expresso em documentos sobre direitos humanos. No exercício desse direito, devem levar em consideração as necessidades de seus filhos atuais e futuros e suas responsabilidades para com a comunidade. A promoção do exercício responsável desses direitos por todo indivíduo deve ser a base fundamental de políticas e programas de governos e da comunidade na área da saúde reprodutiva, inclusive o planejamento familiar.

No mais, pode-se inferir que a garantia do direito em análise consta na Declaração Universal dos Direitos do Homem (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1948, online), a qual traz previsão, em seu artigo 16, no sentido de que “Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução”.

Depreende-se que ao utilizar a expressão “fundar uma família”, o referido documento contemplou o direito à reprodução, ou seja, o direito de gerar descendentes está ai incluso.

É possível se afirmar ainda que tal direito guarda relação com o direito ao planejamento familiar, uma vez que se trata de um direito reprodutivo, consoante vislumbra-se na redação do artigo 226, § 7º, da Constituição Federal (DINIZ, 2017).

O dispositivo constitucional acima aludido expressa o seguinte regramento:

Art. 226 [...]

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 1988).

O dispositivo acima indicado disciplina a reprodução humana em âmbito nacional, sendo atribuição do casal, unidos pelo casamento ou união estável, decidir acerca da procriação, com observância aos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (BARROS, 2007).

Além do mais, ainda tratando do § 7º do artigo 226 do texto constitucional, a autora supracitada (2007, p. 10) elucida que o “Citado dispositivo constitucional estabeleceu um direito ao planejamento familiar fundado na liberdade de deliberação do casal, o único a poder fixar o número de filhos”.

No que diz respeito ao direito ao planejamento familiar destacado na seara constitucional, Diniz (2017, p. 186) explana:

O planejamento familiar é livre decisão do casal (CC, art. 1.565, § 2º), cabendo ao Estado tão somente propiciar meios educacionais e científicos para o exercício desse direito, não podendo haver controle público ou privado. Ao Estado compete,

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portanto, estabelecer uma política de reprodução humana que respeite os direitos fundamentais, garantindo a todos a saúde. [...] O planejamento familiar não é planejamento populacional, porque não deve induzir o comportamento social ou o sexual, nem deliberar quantos filhos o casal pode ou deve ter. Mas a Lei n. 9.029/95 admite a oferta de serviços de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados por meio de instituições públicas ou privadas, submetidas ao Sistema único de Saúde. O casal é o titular do direito reprodutivo, cabendo a ele, ante o princípio da liberdade de decisão, planejar sua família, no que atina ao fato de ter ou não filhos, ao número destes e ao espaçamento entre as gestações.

Sobre a relação existente entre o planejamento familiar e o direito à reprodução artificial, Ferraz (2008, p. 83) explica:

Impende ressaltar que a Constituição não faz nenhuma menção às famílias formadas pelo emprego das técnicas de reprodução humana assistida, em distinção à procriação natural.

Se se garante o direito de formar uma família, através da concepção natural, há de se reconhecer o direito daqueles que, por razões médicas, não podem procriar naturalmente, a também formarem uma família. Nessa linha, o direito a constituir família inclui o direito de procriar, inclusive artificialmente.

O mesmo entendimento também pode ser retirado das lições de Farias e Rosenvald (2017, p. 584), que lecionam:

Ademais, a afirmação do planejamento familiar como obrigação positiva imposta ao Estado traz consigo, como corolário, o reconhecimento de um direito (constitucional) à concepção. Um direito de ser pai e mãe, seja através de critério natural (relacionamento sexual), seja por meio de critério artificial (fertilização medicamente assistida).

Sobre o papel a ser desempenhado pelo Estado frente ao direito ao planejamento familiar, esclarece Lisboa (2009, p. 17-18) que:

O Estado deve proporcionar o mínimo indispensável para que o planejamento familiar possa ser realizado a contento, fornecendo os recursos educacionais e científicos que se fizerem necessários para tanto.

No que se refere à constituição, à limitação e ao aumento da prole, o planejamento familiar deverá se orientar por ações preventivas e educativas correlacionadas com o acesso pleno à informação e às técnicas e meios possíveis de regulação da fecundidade humana [...].

Além disso, a centralização do poder decisório do planejamento familiar na vontade do casal não impede que a ele seja dado o conhecimento necessário da fecundação e seus efeitos por parte de instituições públicas e privadas, cuja atuação se submete à fiscalização e controle pelo SUS – Sistema Único de Saúde.

Garante-se, desse modo, o acesso aos métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, assegurada a liberdade de opção.

O Código Civil de 2002 também cuidou expressamente do planejamento familiar, conforme consta do §2º do artigo 1.565, prevendo que “O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas” (BRASIL, 2002).

Por isso, pode-se alegar que não pode o Estado interferir no planejamento familiar, cabendo-lhe apenas intervir para efetivar direitos e garantias, já que:

(20)

Nas relações de família, a regra geral é a autonomia privada, com a liberdade de atuação do titular. A intervenção estatal somente será justificável quando for necessário para garantir os direitos (em especial, os direitos fundamentais reconhecidos em sede constitucional) de cada titular, que estejam periclitando. É o exemplo da atuação do Estado para impor a um relutante genitor o reconhecimento da paternidade de seu rebento, através de uma decisão judicial em ação de reconhecimento de filho (investigação de paternidade). Também é o exemplo da imposição de obrigação alimentícia a um pai que abandona materialmente o seu filho. Em tais hipóteses, impõe-se a atuação estatal para evitar a violação frontal a direitos e garantias reconhecidos aos titulares. Em síntese apertada, porém completa: o Estado somente deve interferir nas entidades familiares para efetivar a promoção dos direitos e garantias (especialmente, os fundamentais) dos seus componentes, assegurando a dignidade (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 48).

Sobre essa não intervenção do Estado no planejamento familiar, Diniz (2009, p. 1096) argumenta que:

Quanto ao planejamento familiar, caberá ao Estado tão-somente propiciar meios educacionais (p.ex., campanha de informação, educação sexual nas escolas), financeiros e científicos (p. ex., distribuição de contraceptivos e atendimento ginecológico nos centros de saúde) para o exercício desse direito, não podendo haver controle público ou privado da natalidade. Ao Estado compete, portanto, estabelecer uma política de reprodução humana que respeite os direitos fundamentais, garantindo a todos a saúde. O planejamento familiar não é planejamento populacional, porque não se deve induzir o comportamento social ou sexual, nem deliberar o número de filhos do casal. Só é admitida a oferta de serviços de aconselhamento realizados por meio de instituições públicas ou privadas, submetidas ao Sistema Único de Saúde.

Na oportunidade, pontua-se que o regramento constante no § 2º do artigo 1.565 da legislação civil brasileira também se aplica aos conviventes em união estável, de acordo com o Enunciado 99 da Jornada de Direito Civil (FARIAS; ROSENVALD, 2017).

Convém assinalar que o instituto do planejamento familiar é regulado pela Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que, além de compreender este direito como sendo “[...] o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal” (BRASIL, 1996), conforme caput de seu artigo 2º, ainda aborda expressamente o dever do Estado em garantir o direito à reprodução da seguinte forma:

Art. 3º O planejamento familiar é parte integrante do conjunto de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde.

Parágrafo único - As instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde, em todos os seus níveis, na prestação das ações previstas no caput, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre outras:

I - a assistência à concepção e contracepção; (BRASIL, 1996).

Ademais, a referida lei, em seu artigo 4º, enfatiza que:

Art. 4º O planejamento familiar orienta-se por ações preventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade (BRASIL, 1996).

(21)

Embora seja admitido em suas vertentes positivas e negativas, o direito à reprodução não é absoluto, alegando, os que duvidam da existência de tal direito, que este será sempre limitado pelos direitos pertencentes ao filho por nascer (BARBOSA, 2004 apud BARROS, 2007).

Seguindo o entendimento acima retratado, Diniz (2017, p. 183) instrui que:

Como todo direito impõe obrigações, que constituem seus limites, no exercício dos direitos reprodutivos, os casais e os indivíduos devem considerar as necessidades de seus filhos nascidos e por nascer, bem como seus deveres para com a comunidade. Logo, os direitos reprodutivos não são absolutos, pois os direitos da prole e o bem comum impõem seus limites. Por isso não se pode falar de uma liberdade procriadora exercida de qualquer maneira, mas de uma liberdade responsável.

Ante o exposto, dúvidas não há de que “O direito à descendência é uma espécie de direito de personalidade, porque implícito o direito de fundar uma família e procriar” (BARROS, 2007, p. 10), sendo possível aos casais recorrerem à reprodução humana artificial, amparados nos princípios da dignidade da pessoa humana, do planejamento familiar e da paternidade responsável.

Portanto, “Todos têm direito à concepção e à descendência [...], podendo exercê-lo por via de ato sexual ou fertilização assistida, em caso de infertilidade” (DINIZ, 2017, p. 184). Assim, “O casal estéril tem direito à filiação por meio de reprodução assistida desde que isso não venha a colocar em risco a saúde da paciente e do possível descendente” (DINIZ, 2017, p. 184).

Consoante já dito, o direito à reprodução guarda íntima correlação com o desenvolvimento dos métodos de reprodução humana assistida, estas resultantes da notável evolução científica ocorridas nas últimas décadas.

2.2 AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

As evoluções na área da engenharia genética encontram, sem dúvida, como ponto de partida o trabalho de Gregor Johann Mendel,que é considerado o “pai da genética” e, através de seus estudos com ervilhas, desvendou as regras que guiam o processo da hereditariedade, com as chamadas Leis de Mendel, determinando as bases da genética tal qual se conhece hoje (ALBANO, 2004).

Nessa senda, Albano (2004, p. 04), ao versar sobre a evolução das pesquisas com genes humanos, expõe o seguinte relato:

A partir da redescoberta das leis de Mendel e dos estudos de Morgan, observou-se um grande interesse, no início do século XX, por pesquisas genéticas, culminando,

(22)

em 1953, com o trabalho de James Dewey Watson e Francis Harry Compton Crick – descobridores da estrutura do DNA em dupla hélice.

De fato, o desenvolvimento da engenharia genética possibilitou a evolução da ciência até resultar nas técnicas de reprodução humana assistida (ALMEIDA, 2000 apud FERRAZ, 2008).

França (2001, p. 328) esclarece que “Em 1790, o médico inglês John Hunter realizou, com êxito, numa mulher, essa operação pela primeira vez. No entanto, somente em 1978 nascia o primeiro “bebê proveta”, Louise Brown [...]”.

Averigua-se, pois, que as técnicas de reprodução humana assistida apresentam-se como procedimentos que têm por escopo facilitar a produção de descendentes de homens e mulheres que detenham algum obstáculo para tal, isto é, problemas de infertilidade e esterilidade (PESSÔA, 2015).

No que tange aos impedimentos para procriação acima mencionados, ou seja, infertilidade e esterilidade, é fundamental explicar que:

[...] a infertilidade não se confunde com esterilidade. O termo infertilidade indica que a condição pode ser tratada e revertida, podendo ser um problema temporário. Já o termo esterilidade é aplicado a uma incapacidade permanente e irreversível. Na maioria das vezes, no entanto, os termos são utilizados indistintamente [...] (FERRAZ, 2008, p. 37).

A reprodução humana, em sua forma natural, guarda dependência com a fertilidade do casal, esta compreendida como a capacidade fisiológica de reproduzir-se, existindo, na contramão desta, a esterilidade, caracterizada como um empecilho que impede a geração de descendentes por duas pessoas, podendo acarretar uma crise existencial dos envolvidos, bem como atingir o relacionamento do casal (BARROS, 2007).

No mais, a referida autora (2007, p. 46) ainda enfatiza:

[...] podemos afirmar não existir um direito à reprodução assistida ou artificial enquanto medida não terapêutica. Estas técnicas são reservadas às pessoas que apresentem um problema de infertilidade, fecundidade, ou seja, portadora de doença grave transmissível hereditariamente.

Em verdade, a reprodução assistida qualifica-se como medida auxiliadora frente aos obstáculos para procriar, de acordo com o texto da Resolução nº 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina, segundo o qual “As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação”. Este documento ainda prevê que “As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para o (a) paciente ou o possível descendente”.

(23)

Diante do surgimento destas técnicas, originaram-se, em diversos países, comissões com a finalidade de estudar os principais aspectos advindos dessas inovadoras metodologias (ALBANO, 2004).

Com relação ao ingresso dessas técnicas no Brasil, pertinente ressaltar que:

É interessante notar como, no Brasil, a introdução dessas novas tecnologias de reprodução assistida ocorreu de forma diversa, quando comparada com a de outros países. Após o nascimento do primeiro bebê por fertilização in vitro em nosso país, despertou-se um maior interesse público na importação desse tipo de tecnologia, sendo esta a tônica das discussões sobre o processo de implantação dessa nova e promissora metodologia em nosso país e não, propriamente, as suas implicações éticas. Além disso, não foi só a tecnologia biomédica que o Brasil importou, mas as teorias éticas e bioéticas. Dessa forma, só depois de oito anos é que houve uma manifestação do Conselho Federal de Medicina nesse sentido.

[...]

Além disso, convém ressaltar que, no Brasil, a reprodução assistida é realizada quase exclusivamente no serviço privado, embora a nova Lei de Planejamento Familiar obrigue o Sistema Único de Saúde (SUS) a oferecer esse serviço a todos os casais inférteis (ALBANO, 2004, p. 75-76).

Em síntese, constata-se que a reprodução humana assistida consiste no conjunto de operações que visam à união artificial dos gametas do homem e da mulher, resultando no nascimento de um novo ser humano (DINIZ, 2017).

Ao explanar sobre o tema, Diniz (2017, p. 711) ensina que tais técnicas podem ocorrer através dos métodos ZIFT e GIFT, da seguinte forma:

A ectogênese ou fertilização in vitro concretiza-se pelo método ZIFT (Zibot Intra

Fallopian Transfer), que consiste na retirada de óvulo da mulher para fecundá-lo na

proveta, com sêmen do marido ou de outro homem, para depois introduzir o embrião no seu útero ou no de outra. Como se vê, difere da inseminação artificial, que se processa mediante o método GIFT (Gametha Intra Fallopian Transfer), referindo-se à fecundação in vivo, ou seja, à inoculação do sêmen na mulher, sem que haja qualquer manipulação externa de óvulo ou de embrião.

Cumpre dizer que o emprego dos métodos ZIFT ou GIFT resulta indiferente na análise dos problemas relacionados à paternidade na reprodução assistida heteróloga (BARROS, 2007).

Ao discorrer sobre as técnicas de reprodução humana assistida, Barros (2007, p. 33) destaca que:

A reprodução assistida recorre a duas técnicas: a inseminação artificial (IA) que recolhe o sêmen e o introduz no interior da mulher favorecendo a fecundação e a fecundação in vitro (FIV) que recolhe os gametas masculinos e femininos isoladamente, realiza a fecundação no laboratório e transfere o embrião para o útero.

Nessa perspectiva, Diniz (2017, p. 717) traz importante lição acerca da inseminação artificial, afirmando que:

Ter-se-á a inseminação artificial quando o casal não puder procriar, por haver obstáculo à ascensão dos elementos fertilizantes pelo ato sexual, como esterilidade, deficiência na ejaculação, malformação congênita, pseudo-hermafroditismo, escassez de espermatozoides, obstrução do colo uterino, doença hereditária etc.

(24)

Mostra-se oportuno acentuar que há dois princípios que norteiam a utilização das técnicas de reprodução medicamente assistidas, sendo eles que:

[...] informam o recurso à técnica da inseminação artificial. O primeiro é o direito reconhecido à criança de ter uma família estável com uma dupla figura de genitores, o que reserva o recurso dessa técnica aos casais ou aos conviventes.

O segundo princípio é o da necessidade terapêutica, critério geral de admissibilidade do tratamento de inseminação artificial, destinado a superar problemas decorrentes de situações de infertilidade ou de doenças graves transmissíveis geneticamente, hipóteses que justificariam o recurso a essas técnicas (BARROS, 2007, p. 39-40).

Deveras, a inseminação artificial pode ser de dois tipos, quais sejam: a homóloga e a heteróloga (LISBOA, 2009).

Para Lisboa (2009, p. 250), “Dá-se a inseminação homóloga, também chamada de

auto-inseminação, quando o sêmen utilizado advier do próprio cônjuge ou convivente”. É

aquela, em suma, cujo material genético empregado é originário do próprio casal que deseja ter filhos (LISBOA, 2009).

Este tipo de reprodução assistida é indicado nas hipóteses de hipofertilidade, perturbações das relações sexuais e esterilidade secundária após tratamento esterilizante (LISBOA, 2009).

Quanto aos efeitos jurídicos provocados pela reprodução assistida homóloga, Diniz (2017, p. 719)assinala:

Em regra, a inseminação artificial homóloga não fere princípios jurídicos, embora possa acarretar alguns problemas ético-jurídicos, apesar de ter o filho os componentes genéticos do marido (convivente) e da mulher (companheira).

A coleta do material e sua utilização dependerá de anuência expressa dos interessados, ligados pelo matrimônio ou união estável, uma vez que têm propriedade das partes destacadas de seu corpo, como sêmen e óvulo; logo, deverão estar vivos, por ocasião da inseminação, manifestando por escrito, em formulário especial, sua vontade, após prévio esclarecimento do processo a que se submeterão [...].

Já a reprodução assistida heteróloga é a “realizada a partir do esperma de terceiro” (LISBOA, 2009, p. 250), tema deste estudo, que será analisada em tópico subsequente.

Antes, porém, importa acentuar que, em nível nacional, verifica-se certa deficiência do ordenamento jurídico com relação às técnicas de reprodução humana assistida, havendo muitas lacunas (PINI, 2016).

Acerca dessa carência normativa:

Atualmente, como já dito, a legislação brasileira carece de regulamentação para o tema, estando regido, apenas, pela Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05), pelo Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/09) e pela Resolução nº 2.121/2015, cabe ressaltar que encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o projeto de lei 1.184 de 2003, que veio em substituição ao projeto do Senado Federal 90 de 1999 (PINI, 2016, p. 17).

O Conselho Federal de Medicina tem papel fundamental diante da ausência normativa das técnicas de reprodução humana no Brasil, tanto é que:

(25)

O CFM vem, desde o ano de 1992, suprindo as lacunas normativas com relação à reprodução assistida, e sua primeira resolução sobre o tema, Resolução nº 1.358/92, continha normas éticas para o emprego de técnicas de procriação assistida [...] (PINI, 2016, p. 19).

Esclareça-se que a Resolução supracitada foi revogada pela Resolução nº 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina. Dentre as previsões constantes nesta resolução, pode-se frisar:

6. É proibida a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana.

7. Quanto ao número de embriões a serem transferidos, fazem-se as seguintes determinações de acordo com a idade: a) mulheres até 35 anos: até 2 embriões; b) mulheres entre 36 e 39 anos: até 3 embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até 4 embriões; d) nas situações de doação de oócitos e embriões, considera-se a idade da doadora no momento da coleta dos oócitos. O número de embriões a serem transferidos não pode ser superior a quatro.

8. Em caso de gravidez múltipla decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.

As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infectocontagiosas, pela coleta, pelo manuseio, pela conservação, pela distribuição, pela transferência e pelo descarte de material biológico humano dos pacientes das técnicas de RA.

Ademais, é essencial frisar que há previsão do tema também, embora insuficiente, no Código Civil, que tratou da reprodução assistida em seu artigo 1.597, incisos III a V, in

verbis:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...]

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido (BRASIL, 2002).

Não obstante os dispositivos acima citados, mostra-se oportuno trazer à baila a reflexão de Pini (2016, p. 20), no seguinte sentido:

[...] o Brasil ainda tem muito o que avançar no quesito legislativo das Técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistidas, ainda que seja impossível exaurir todas as questões relativas a ela, não pode o legislador se abster de regulamentá-la, carecendo, portanto, da legislação pelo Congresso Nacional de lei específica, não ficando à mercê da técnica supletiva do CFM de editar resoluções.

É sabido que as técnicas de reprodução humana assistida são resultado da evolução biotecnológica ocorrida nos últimos tempos, a qual não demonstra ainda sinais de paralisação (LISBOA, 2009). Por tal motivo, impera a necessidade de que o sistema jurídico brasileiro regule tais técnicas.

(26)

2.3 A REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA

Reprodução assistida heteróloga “é aquela que contém material genético proveniente de pessoa estranha aos cônjuges”, sendo apropriada quando se tratar de “caso de esterilidade masculina definitiva ou em razão de doenças hereditárias” (LISBOA, 2009, p. 253).

Em verdade, consiste num procedimento não natural de fecundação, pois é necessária a doação de sêmen por pessoa estranha, sendo esse material genético recolhido de um banco de sêmen (PESSÔA, 2015).

Historicamente, esse tipo de reprodução assistida é objeto de grandes polêmicas e discussões, a exemplo da decisão dos tribunais ingleses que “Em outras oportunidades (Caso Russel x Russel, 1924, e Oxford x Oxford, 1921), declararam que a prática de inseminação artificial heteróloga se constitui em crime de adultério” (CASTILHO NETO, 1975, p. 45).

Dentre as polêmicas decisões judiciais em âmbito internacional acerca da reprodução assistida heteróloga, o aludido autor (1975, p. 46)destaca:

No caso STRNAD (Corte Suprema do Condado de Nova Iorque, 1947), o casal tinha sido judicialmente separado e o cônjuge mulher requereu ao Tribunal a restrição de direito de visita do pai, alegando que a filha era resultante de inseminação heteróloga. A Corte indeferiu o pedido, entendendo que a criança havia sido potencialmente adotada pelo marido ou semi-adotada pelo marido, que tinha, em consequência, os mesmos direitos reconhecidos ao pai adotivo.

No caso HOCH (Illinois, 1949), o divórcio foi concedido com fundamento na existência de crime de adultério verificado pela prática da IAD (heteróloga).

Finalmente, no Caso DOORNBOS, a Corte declarou que a prática IAD configurava o crime de adultério e que o filho dele proveniente deveria ser considerado ilegítimo.

Em âmbito nacional, o artigo 53 do Código de Ética Médica de 1965 afirmava que “A inseminação artificial heteróloga não é permitida, a homóloga poderá ser praticada se houver o consentimento expresso dos cônjuges” (CASTILHO NETO, 1975, p. 47).

Discute-se aqui que o ser humano advindo de tal procedimento resulta da fusão de gametas de terceiro alheio ao casal, fato este que pode acarretar o desequilíbrio da estrutura básica do instituto do casamento, subtraindo-se as funções biológica e institucional deste (LISBOA, 2009).

Nesse sentido, França (2007, p. 329) apresenta importante reflexão sobre a inseminação artificial heteróloga, qual seja:

A fecundação heteróloga afeta várias pessoas ao mesmo tempo, cujas funções, responsabilidades, direitos e reações temos que avaliar com todo cuidado, a fim de darmos uma definição mais precisa. Essas pessoas são: a mulher, o esposo (quando existe), o médico, o doador, a esposa do doador (quando existe), o filho que venha a nascer e a sociedade (pessoa moral).

(27)

Diniz (2017) elenca uma série de consequências jurídicas e morais decorrentes desta técnica, dentre elas: a causa de desequilíbrio na estrutura básica do matrimônio, uma vez que contraria tal formação no que tange ao pressuposto biológico da concepção, a qual decorre do ato sexual entre o pai e a mãe; origem de dúvidas acerca da disponibilidade do material genético do homem, pois, na hipótese deste ter esposa ou companheira e esta não anuir com a doação, questiona-se se esta poderia pleitear a dissolução do casamento e demandar reparação civil por injúria grave; frente à ausência de consentimento do marido, indaga-se se este seria motivo justificador da separação do casal por adultério casto ou da seringa, por configuração de injúria grave, geradora de ação de responsabilidade civil por dano moral; a estranheza de se introduzir na família uma pessoa que não detém material genético do marido, comprometendo a transcendência genética; a possibilidade de arrependimento do marido posteriormente à realização do procedimento, acarretando em pedido de aborto ou em infanticídio, rejeição ou abandono após o nascimento; a hipótese de impugnação da paternidade, o que resultará numa paternidade incerta em relação ao filho, em virtude do sigilo da identidade do doador de sêmen; consequentemente, a negação do direito à identidade do filho advindo da reprodução assistida heteróloga, com grave impacto psicológico; a verificação de perigo em razão do encobrimento da descendência, porque, uma vez legalizada a prática, pode ocorrer a generalização desta técnica, aumento da possibilidade de ocorrência de incesto entre pessoas geradas pelo mesmo doador ou de filha do doador com ele mesmo; a eventualidade de reclamação judicial, por parte do terceiro doador, da paternidade do filho gerado, rompendo-se o anonimato; e, por fim, a existência de conflito de paternidade, estando de um lado o pai jurídico e do outro o genético.

Não obstante as diversas críticas direcionadas a esta técnica de reprodução assistida, Lisboa (2009, p. 253) defende a prática de tal procedimento, ao afirmar:

Não creio que deva ser impedida essa prática, quando os cônjuges, de comum acordo, resolvam se valer do método da inseminação artificial heteróloga para ter filhos. O cônjuge varão, ao se deparar com essa situação, simplesmente estará se valendo de um meio para superar os efeitos que um problema orgânico de esterilidade possam causar no relacionamento.

A reprodução assistida heteróloga também mostra-se viável através da utilização de material genético doado por indivíduo do sexo feminino, ou seja, com óvulo desta terceira pessoa (LISBOA, 2009). Contudo, ressalta-se que o presente estudo analisará apenas as hipóteses em que o doador do conteúdo genético for do sexo masculino.

No mais, diante do questionamento sobre quem pode recorrer ao método de reprodução assistida heteróloga, tem-se que “[...] o casal é a resposta à pergunta de quem pode

(28)

se beneficiar das técnicas de reprodução artificial heteróloga. O casal pode beneficiar-se das técnicas de reprodução assistida” (BARROS, 2007, p. 53).

Para corroborar tal entendimento, mostra-se oportuno exaltar posicionamento no seguinte sentido:

Guilherme Calmon Nogueira da Gama ressalta que devem ser consideradas as espécies de famílias para definir as que podem beneficiar-se das técnicas de reprodução assistidas. A idéia subjacente é a de verificar os tipos de família que podem recorrer a esta técnica, que, segundo ele, foi reservada preferencialmente aos cônjuges ou aos conviventes, muito embora reconheça que a resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.358/92 não proíbe a mulher solteira ou viúva de recorrer ao uso de algumas das técnicas de reprodução assistida [...] (GAMA, 2003, apud BARROS, 2007, p. 49).

A Resolução nº 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina estatui que:

1 - Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA, desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos, conforme legislação vigente.

4. O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de RA. Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico e ético. O documento de consentimento livre e esclarecido será elaborado em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, obtida a partir de discussão bilateral entre as pessoas envolvidas nas técnicas de reprodução assistida.

5. As técnicas de RA não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto para evitar doenças no possível descendente.

Neste ponto, convém explicar que incumbe à clínica, que realizará o procedimento de reprodução assistida heteróloga, responsabilizar-se objetivamente pela qualidade do material genético utilizado, sendo esta responsabilidade qualificada pelo vício que atinja a segurança ou a saúde da paciente, tendo como respaldo legal os artigos 12 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor, porque existente, no caso, uma relação de consumo entre o casal que recorreu à técnica e a clínica (BARROS, 2007).

2.4 A AMPLIAÇÃO DO DIREITO À REPRODUÇÃO ÀS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS E HOMOAFETIVAS

Os modelos familiares variam de acordo com as perspectivas do espaço e do tempo, com a pretensão de saciar as expectativas da sociedade e do próprio ser humano (FARIAS; ROSENVALD, 2017).

(29)

Com relação a esse processo de evolução das estruturas familiares, Farias e Rosenvald (2017, p. 35) ressaltam:

[...] a sociedade avançou, passaram a viger novos valores e o desenvolvimento científico atingiu limites nunca antes imaginados, admitindo-se, exempli gratia, a concepção artificial do ser humano, sem presença do elemento sexual.

[...]

Os novos valores que inspiram a sociedade contemporânea sobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família. A arquitetura da sociedade moderna impõe um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora.

Em continuação ao conteúdo acima demonstrado, revela-se oportuno também apontar o seguinte:

Ao colocar em xeque a estruturação familiar tradicional, a contemporaneidade (em meio às inúmeras novidades tecnológicas, científicas e culturais) permitiu entender a família como uma organização subjetiva fundamental para a construção individual da felicidade. E, nesse passo, forçoso é reconhecer que, além da família tradicional, fundada no casamento, outros arranjos familiares cumprem a função que a sociedade contemporânea destinou à família: entidade de transmissão da cultura e formação da pessoa humana digna (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 37).

No campo doutrinário que trata das técnicas de reprodução humana assistida, há debates acerca da possibilidade de emprego destes métodos de geração de descendentes nos casos de ser a mulher solteira e na hipótese de casais homoafetivos.

A Constituição Federal reconhece a família monoparental como entidade familiar em seu artigo 226, § 4º, in verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (BRASIL, 1988).

Entidade familiar é todo grupo de indivíduos que constitui uma família (LISBOA, 2009).

Nessa linha, acentua-se a lição de Farias e Rosenvald (2017, p. 74-75) que defendem a não taxatividade do rol constitucional no que tange às entidades familiares, nas seguintes palavras:

[...] é mister, de antemão, esclarecer a importância do preâmbulo do texto constitucional. Cuida-se de um compromisso antecipado e solene, que, junto com os princípios e garantias fundamentais e sociais, formam as cláusulas pétreas da Constituição. A Carta Magna estabelece em seu preâmbulo que, instituído o Estado Democrático, a sua destinação tende a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Fica claro, portanto, que a interpretação de todo o texto constitucional deve ser fincada nos princípios da

liberdade e igualdade, e despida de qualquer preconceito, porque tem como “pano

de fundo” o macroprincípio da dignidade da pessoa humana, assegurado logo pelo art. 1º, III, como princípio fundamental da República.

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