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A PRÁTICA COMO COMPONENTE CURRICULAR NOS DOCUMENTOS OFICIAIS

À luz dos pressupostos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional vi- gente (LDB 9394/96) (BRASIL, 1996), as Resoluções No 1 e 2 do Conselho Nacional

de Educação, datadas de 18 e 19 de fevereiro de 2002, respectivamente, estabelecem normativas específicas para a organização de cursos de licenciatura, em nível superior, com a proposição de Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, bem como a definição de critérios referentes à duração e carga horária dos cursos (BRASIL, 2002a, 2002b).

Na Resolução 1/2002 do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação (CP/CNE) (BRASIL, 2002a), em seu Artigo 15º, consta a necessidade de adequação dos cursos de formação de professores em funcionamento às diretrizes estabelecidas, no prazo de dois anos. Frente às novas regulamentações, tanto instituições de ensino supe- rior que já ofertavam cursos de licenciatura quanto aquelas interessadas na oferta desses

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cursos, viram-se diante da necessidade de organizar e/ou adequar os projetos de cursos de modo a atender as normativas previstas.

Entre os itens que se destacam nas diretrizes para organização dos projetos peda- gógicos, insere-se a definição de carga horária mínima de 2.800 (duas mil e oitocentas) horas para integralização do curso, distribuídas em quatro grandes dimensões, com des- taque para a atribuição de 400 (quatrocentas) horas de prática como uma das compo- nentes, conforme segue no Artigo 1º da Resolução CNE/CP 2/2002:

I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, vi- venciadas ao longo do curso;

II - 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a par- tir do início da segunda metade do curso;

III – 1.800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curricula- res de natureza científico-cultural;

IV - 200 (duzentas) horas para outras formas de atividades acadêmico- -científico-culturais (BRASIL, 2002b, p. 1).

Com o intuito de estabelecer critérios para a dimensão da prática no contex- to da organização curricular dos cursos de licenciatura, a Resolução CNE/CP 1/2002 (BRASIL, 2002a, p. 6), em seu Artigo 12, esclarece que:

§ 1º A prática, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espa- ço isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulado do restante do curso. § 2º A prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor.

§ 3º No interior das áreas ou das disciplinas que constituírem os compo- nentes curriculares de formação, e não apenas nas disciplinas pedagógi- cas, todas terão a sua dimensão de prática.

Atentos a essas orientações, diferentes modos de ver e compreender a formação de professores no tratamento da prática como componente curricular, explicitados no processo de elaboração e/ou reorganização de projetos dos cursos, vêm sendo propostos pelos docentes à frente das licenciaturas nas instituições de ensino superior. Em algumas instituições, o estabelecimento de propostas de organização das 400 horas de prática é comum a todas as licenciaturas ofertadas. Em outras, as orientações para proposição dessas horas são bastante heterogêneas no interior das próprias instituições, variando de um curso para outro. Identificam-se, ainda, casos em que a adequação dos projetos de

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curso com a inserção dessas horas se deu, centralmente, com o aumento da carga horária da disciplina de prática de ensino.

Desde a instauração legal da prática como componente curricular nos cursos de licenciatura, conforme prevê a legislação, as instituições de ensino superior brasileiras vêm propondo e/ou reorganizando seus projetos de curso de modo a contemplar essa questão. Nessa mesma direção, pesquisadores brasileiros vêm adotando a temática como objeto de investigação, necessário à melhoria da organização curricular dos projetos de cursos de licenciatura. Estudo realizado por Diniz-Pereira (2011) revela a preocupação em se estabelecerem compreensões mais apuradas sobre a prática como componente curricular e o estágio supervisionado como elementos distintos no processo formativo. Em síntese, o autor elaborou um quadro-resumo com as principais orientações oriundas da legislação sobre a prática e o estágio, conforme o Quadro 1:

Prática como componente curricular Estágio curricular supervisionado

Mínimo de 400 horas Mínimo de 400 horas

Desde o início do curso A partir da segunda metade do curso Ao longo de todo o processo formativo Em um tempo mais concentrado Em outros espaços (secretarias

de educação, sindicatos, agências

educacionais não escolares, comunidades) Em escolas (mas não apenas em salas de aula) Orientação/supervisão da instituição

formadora Orientação da instituição formadora e supervisão da escola Orientação/supervisão articulada ao

trabalho acadêmico Orientação articulada à prática e ao trabalho acadêmico Tempo de orientação/supervisão: não

definido Tempo de supervisão: que não seja prolongado, mas seja denso e contínuo tempo de orientação: não definido Quadro 1 – Orientações sobre a prática e o estágio na legislação

Fonte: Diniz-Pereira (2011, p. 211).

Embora algumas distinções estejam bem delimitadas, como se pode observar no quadro, a organização desses elementos nos cursos de licenciatura ainda apresenta muitas divergências e fragilidades, reduzindo-se a prática a momentos de inserção na escola, nem sempre bem planejados, e o estágio às estruturas convencionais de inserção na escola, pautadas na observação, participação e regência.

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Sobre a apropriação de elementos constitutivos da organização do ensino, Ri- beiro (2011) desenvolveu uma pesquisa sobre a aprendizagem de futuros professores de matemática nas disciplinas de prática de ensino e estágio, tendo como fulcro explicitar indicadores de um movimento formativo na direção da práxis docente. Dentre as con- siderações decorrentes da pesquisa, evidenciou-se que a aprendizagem da docência não se concretiza em momentos isolados, cabendo aos professores formadores na universi- dade a necessidade de “[...] compreender um modo de organização do ensino para que o futuro professor desenvolva a aprendizagem da docência” (RIBEIRO, 2011, p. 166).

Se, por um lado, a pesquisa desenvolvida destacou as disciplinas de prática de ensi- no e estágio como momentos privilegiados no processo de formação do professor, por ou- tro, procurou revelar elementos necessários à compreensão do movimento formativo para a docência com base no entendimento de que “[...] acreditar que a formação do professor acontece apenas em intervalos independentes ou num espaço bem determinado é negar o movimento social, histórico e cultural de constituição de cada sujeito” (FIORENTINI; CASTRO, 2003, p. 124). Nessa direção, a investigação realizada, além de possibilitar o estabelecimento de indicativos para o processo formativo em prática de ensino e estágio, constituiu-se motor de novas situações desencadeadoras de pesquisa.

Nesse campo se insere a problemática da prática como componente curricular nos cursos de licenciatura, em consonância com a observação de Formosinho (2009, p. 116) de que “[...] a análise de formação prática dos professores no âmbito da formação inicial é uma boa porta de entrada para revisitar a problemática de formação inicial de professores”. Diante da normatização da prática como componente curricular nos cursos de li- cenciatura ofertados no país, decorrem algumas questões de investigação: como essa prá- tica vem sendo incorporada nos projetos de curso? Que situações de ensino caracterizam a incorporação da prática como componente curricular? Essas inquietações nos remetem à necessidade de aprofundar a compreensão do conceito de prática em consonância com as diretrizes legais que amparam a sua proposição na formação inicial docente.

Ao situar as situações em que se insere a prática no interior dos cursos de licencia- tura, as Diretrizes Curriculares definidas pela Resolução 1/2002 do CNE/CP, em seu Artigo 13 § 1º, destacam que “A prática será desenvolvida com ênfase nos procedimentos

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de observação e reflexão, visando à atuação em situações contextualizadas, com o registro dessas observações realizadas e a resolução de situações-problema” (BRASIL, 2002a, p. 6).

Ao mesmo tempo em que as diretrizes contemplam a preocupação com a for- mação do professor evidenciando atenção à necessária articulação teoria-prática, res- salta-se a importância da constituição de novas qualidades para a formação ensejada pela inserção da prática como componente curricular em oposição a um tendencioso praticismo, ainda comum e presente em alguns programas de formação, um praticismo que não leva o futuro professor a uma compreensão mais profunda sobre a sua profissão e, de modo geral, pautado em processos de reflexão esvaziados, sem conteúdo, como critica Contreras (2002). Com essa observação, pretende-se esclarecer que a simples atribuição de carga horária de prática no conjunto de disciplinas do curso como um todo ou a inclusão de algumas disciplinas específicas de prática ao longo do curso, por si só, não subsidia a melhoria do processo formativo.

Com a implementação da resolução que prevê a prática como componente cur- ricular nas licenciaturas, cada curso ou instituição de ensino superior foi adotando di- ferentes estratégias para sua incorporação. No campo específico da licenciatura em ma- temática, objeto deste estudo, a realidade não é diferente. Estudos realizados por Gatti (2010) sobre propostas curriculares de cursos de formação inicial de professores em três licenciaturas – letras, matemática e ciências biológicas – revelam dissonâncias entre os projetos pedagógicos. Segundo a pesquisadora, ao analisar uma amostra de 31 cursos de licenciatura em matemática, destacou-se que:

A questão das práticas exigidas pelas diretrizes curriculares desses cursos mostra-se problemática, pois ora se coloca que estão embutidas em diver- sas disciplinas, sem especificação clara, ora aparecem em separado, mas com ementas muito vagas. Na maior parte dos ementários analisados não foi observada uma articulação entre as disciplinas de formação específi- cas (conteúdos da área disciplinar) e a formação pedagógica (conteúdos para a docência) (GATTI, 2010, p. 1373-1374).

Considerando as diretrizes legais e as várias discussões acerca da prática como um dos temas de investigação sobre a formação inicial de professores na atualidade (FOR- MOSINHO, 2001; MOURA, 2004; FIORENTINI; NACARATO, 2005; FORMO- SINHO; NIZA, 2009; RIBEIRO, 2011), destaca-se a notoriedade do entendimento do lugar da prática como um dos componentes da formação dos professores e que esta deve

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estar presente desde o início do curso. Cumpre-nos, então, compreender mais amplamen- te a essência do conceito de prática de modo a favorecer o processo de aprendizagem da docência na formação inicial rumo à constituição da práxis (VÁZQUEZ, 2007).

SOBRE O CONCEITO DE PRÁTICA (E SUA RELAÇÃO COM A