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A PRÁTICA DA LEALDADE

No documento Lições de deontologia militar (páginas 96-100)

3 «S I VIS PACEM PARA BELLUM »

3. A PRÁTICA DA LEALDADE

A lealdade pratica-se como fonte primária das virtudes militares.

Com efeito, a disciplina realmente sentida, isto é, a que vem de dentro de cada um e não resulta de meras aparências, tem como suporte essencial a lealdade, já que esta implica o cumprimento de toda e qualquer obrigação que tenha sido livremente assumida, e a carreira das armas é feita por um conjunto de obrigações que impõem, se for necessário, a doação da própria vida.

A lealdade não carece de ser apregoada por quem a pratica, porque basta que, no dia a dia, cada qual vá cumprindo as suas obrigações, desde as mais insignificantes, ou que tal podem parecer, às mais complexas e importantes, dando o melhor de si próprio, isto é, pondo todo o empenho, toda a aptidão, toda a capacidade na execução desses afazeres.

Executar uma obrigação pode, em certas circunstâncias, passar pelo uso de subterfúgios, já que, cada um, sabe exactamente o empenho que pôs, ou não pôs, no seu cumprimento; a prática de uma verdadeira lealdade leva a que, em consciência, cada um não sinta que, podendo ter feito melhor, afinal, só fez o que era de todo necessário para não sofrer reparos por parte de quem deve controlar o cumprimento das obrigações. Os subterfúgios ao cumprimento das nossas

obrigações começam dentro de nós mesmos, só depois é que procuramos encontrar justificações exteriores que expliquem a ausência de verdadeiro empenho.

O homem que já não é capaz de distinguir o subterfúgio ao cumprimento das suas obrigações perdeu o fiel mais importante da vida, porque matou a capacidade crítica ou, se se preferir, deixou morrer a moral dentro de si próprio e tornou-se num ser imoral ou, no mínimo, amoral. Todo o ser humano pode enganar os outros, mas tem por obrigação não se enganar a si próprio.

O militar em geral e, particularmente, o chefe militar tem de ter um apurado sentido crítico tanto dos actos alheios como, em especial, dos seus próprios, porque é sempre responsável pela vida de outros militares. Essa responsabilidade obriga-o a possuir uma atenção aguçada, a qual lhe vai permitir evitar as ciladas que, muitas vezes, acobertadas sob a capa do dever, arrastam para situações pouco claras ou que se não conseguem explicar facilmente. A prática da lealdade não pode levar um militar íntegro a ser ingénuo e a admitir que todos são igualmente leais; também por isso ele tem de ter um apurado sentido crítico.

O militar que praticar a lealdade, quase sempre está ao abrigo de críticas ou reparos e, acima de tudo, de desconfianças.

7.ª LIÇÃO

1.HONRA

Constantemente se ouve, aqui e além, «jurar pela honra», «dar a palavra de honra», dizer que «alguém viu manchada a sua honra», que «foi emporcalhada a honra» desta ou daquela entidade colectiva.

Se estivermos mais atentos ouvimos falar da honra de certas profissões e, muito particularmente, da honra dos militares194; todos nós, cidadãos, temos uma vaga noção de que a honra é qualquer coisa que deve ser preservada, que para cada um é muito importante, que funciona, muitas vezes, como única tábua de salvação195 perante quem nos acusa de algo que

sabemos que não cometemos mas não temos provas que o demonstrem.

Mas, o que é, de facto a honra? Que valor tem para um militar a honra? Por que é que um oficial deve preservar intacta a sua honra?

As respostas a estas perguntas passam pelo conhecimento prévio do conceito de honra. Vamos, por isso, estudá-lo.

1.1.CONCEITO DE HONRA

Do verbo latino honorãre (honrar, ou seja conferir honras a) chegou-se à palavra portuguesa

honra, cujo significado é «sentimento que leva o homem a merecer a consideração pública pelo

cumprimento do dever e pela prática de boas acções»196.

194 No próprio Regulamento de Disciplina Militar, logo no Art.º 4º se diz: «O militar deve regular o seu procedimento pelos ditames da virtude e da honra, [..]»; mais à frente, no dever 23º, torna a afirmar-se: «Zelar pela boa convivência, procurando assegurar a solidariedade e camaradagem entre os militares, sem desrespeito pelas regras de disciplina e da honra, [..]».

195 Devo dizer que, quando eu próprio fui Cadete na Academia Militar, a palavra de honra funcionava como último baluarte do aluno perante os oficiais, quando este não tinha explicação para qualquer acusação injusta ou falsa; perante a palavra de honra de um aluno todas as acusações se silenciavam. Todavia, se se descobria que o aluno havia invocado falsamente a sua honra, sobre ele caía uma pesada pena disciplinar que o colocava em boa posição para ser expulso.

Temos, por conseguinte, que o cumprimento do dever e a prática de boas acções faz com que cada um venha a merecer a consideração pública (respeito), ou seja, que possua honra. Podemos, por conseguinte, dizer que honra é, à falta de público reconhecimento do

cumprimento do dever e da prática de boas acções, a geral presunção do merecimento de respeito pelo cumprimento do dever e da prática de boas acções.

Por outras palavras, pode dizer-se que honra é, simultaneamente, o merecimento da consideração pública pelo cumprimento do dever e pela prática de boas acções, quando tal se torna conhecido de todos, e a possibilidade de merecer a consideração pública pelo cumprimento do dever e pela prática de boas acções, quando tal não é do conhecimento de todos. No geral a honra é, então, uma presunção que deixa de existir quando se verifica que

alguém não possui condições para merecê-la.

Vejamos, agora, as questões deixadas em aberto antes de elaborar o conceito de honra.

Jurar pela honra corresponde a alguém comprometer o merecimento do respeito público, que vinha possuindo por presunção, se não cumprir aquilo que promete fazer.

Dar a palavra de honra equivale a alguém garantir alguma coisa dando como penhor o merecimento do respeito público que vem possuindo ou que se presume que, de facto, merece. Alguém ver manchada a sua honra não é mais do que ver reduzido o respeito público que vem merecendo ou, por outro lado, ver que já se não pode presumir o merecimento de respeito público197.

«O militar deve regular o seu procedimento pelos ditames da virtude e da honra, [...]». O que aqui se pretende dizer é que o comportamento do militar deve ter sempre como padrão as boas

qualidades cívicas e respeito público, o qual se alcança pelo cumprimento do dever e pela prática de boas acções.

«Zelar pela boa convivência, procurando assegurar a solidariedade e camaradagem entre os militares, sem desrespeito pelas regras de disciplina e da honra, [...]» é o que se enuncia no dever 23.º do Art.º 4.º do RDM. Por outras palavras pretende-se dizer que o militar deve ter

como preocupação a boa convivência com os outros militares, através do desenvolvimento da solidariedade e da camaradagem sem que para tal provoque faltas disciplinares nem se gerem situações capazes de levar à perda do respeito público.

197 É possível compreender a razão pela qual se identifica virgindade com honra. Com efeito, uma mulher que perde a sua virgindade de uma forma que a coloque em risco de ser menos credora do respeito público vê-se desonrada, ou seja, vê-se sujeita a ter uma imagem pública menos respeitável.

Face aos exemplos que acabamos de referir, estamos, agora, aptos a estabelecer o conceito de honra militar como sendo a geral presunção, tanto no meio castrense como no meio civil, do merecimento de respeito, que é devido a todo e qualquer militar, pelo cumprimento do dever e pela prática de acções louváveis em defesa da comunidade198.

Estamos aptos a entender a grande preocupação que existe no meio da comunidade militar no tocante ao culto e preservação da honra.

Na verdade, a honra militar corresponde à admissão da utilidade da instituição castrense e, mais ainda, ao reconhecimento do seu valor; cultivar a honra obriga ao culto do dever e, acima de tudo, ao seu cumprimento sem reticências. Assim, quanto mais se praticar o culto do dever e

quanto mais conhecimento público houver desse culto, mais se fundamenta e amplia a honra militar.

Daqui ressalta a importância dos crimes que atentam contra a honra militar, ou seja, daquelas acções que praticadas por militares contribuem para que se perca o merecimento do respeito público. Convirá estudar esses crimes que estão tipificados no Código de Justiça Militar.

No documento Lições de deontologia militar (páginas 96-100)