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P ÁTRIA E PATRIOTISMO

No documento Lições de deontologia militar (páginas 121-124)

 Sistema de radar secundário de vigilância (SRS).

1. P ÁTRIA E PATRIOTISMO

A palavra Pátria é daquelas que na vida militar se ouve pronunciar muito frequentemente - é o amor da Pátria, é morrer pela Pátria, é defender a Pátria, é honrar a Pátria, é engrandecer a

Pátria, é o símbolo da Pátria, enfim, é uma constante referência que parece balizar a actividade castrense.

Na verdade, toda a acção das forças armadas modernas só tem consistência nesse marco, só encontra o seu ponto de apoio nessa base que domina e envolve todos os cidadãos conscientes e, muito em particular, os militares. A Pátria o que é, afinal?

Se, com efeito, Pátria é um conceito que tem um forte significado para os militares - ainda que o não saibam explicar, plenamente - patriotismo é, para todos em geral, o que se sente pela Pátria. Dado que estamos em presença de vocábulos que fazem o dia a dia da actividade castrense, convirá que procuremos delimitar os conceitos, para que saibamos do que realmente estamos a falar.

1.1.CONCEITO DE PÁTRIA

Pátria é a terra dos pais, ou seja, a terra dos antepassados. Note-se que não há Pátria sem solo, sem território, mas também, não há Pátria sem antepassados. Então, quase se poderia dizer que Pátria é o mesmo que Nação e, contudo, arrisco-me a afirmar que, embora com alguns traços de semelhança, Pátria e Nação são conceitos e realidades distintos.

Nação é um conceito político que define uma relação entre um território, um povo, um passado comum e um desejo de permanência no presente e no futuro; Pátria é o conceito afectivo de Nação. Assim, poderíamos dizer que Pátria é a identidade afectiva da Nação ou o reconhecimento do passado de um Povo que se identificou, ao longo do tempo, com um território e que nele aspira a viver um futuro comum, livre e grandioso.

Na verdade é quase impossível falar de Pátria esquecendo o Povo e, acima de tudo, a sua História; é a recordação dos feitos - bons e maus - dos antepassados que sedimenta a consciência

do presente. Um homem que não conhece as suas origens, as suas raízes, a sua família, não sente uma identificação com o passado, daí que lhe seja possível viver o presente e o futuro de uma forma totalmente indiferente, ao sabor dos acontecimentos. O passado obriga o futuro, através do presente; por isso é imprescindível, para haver uma Pátria, que exista uma História para ser contada e que a actualidade - qualquer que ela seja - represente a continuidade lógica do lado dignificante do passado. Em resumo, o passado e a História são elementos indissociáveis da

Pátria.

Se é certo que uma Nação pode não ter território - porque assenta a coesão entre o Povo na existência de uma Cultura - já não se admite a existência de uma Pátria sem a ligação a esse elemento de instalação constante e permanente de uma comunidade. A Pátria, antes do mais, é um pedaço de solo, que os antepassados regaram com suor, donde foram retirando o alimento, e onde enterraram os seus mortos. Já Virgílio, poeta latino, dizia: Nos patriam fugimus, nos dulcia

linquimos arva, ou seja, «fugimos da pátria, abandonamos os doces campos».

É essa profunda identificação à terra, ao solo, que é reconhecido como pertença comum, que determina a noção material de Pátria. Foi dentro desse espaço que se foram construindo as esperanças comuns; é esse espaço que se quer transmitir aos vindouros. Se é certo que se torna, por vezes, difícil explicar o sentido imaterial de Pátria, já, no entanto, a sua noção material é fácil de ser entendida, porque ela é visível nos contornos das fronteiras.

Podemos, agora, com alguma segurança, dizer que Pátria é a simbiose entre o território habitado por um Povo, o sentimento de posse colectiva desse mesmo território, a História desse Povo ligada ao território e o perene desejo de continuidade do passado no futuro.

1.2.CONCEITO DE PATRIOTISMO

Patriotismo é o amor da Pátria.

Como vamos ver o Patriotismo, sendo o amor da Pátria, é mais do que isso, porque é um sentimento complexo, é um dever e pode ser uma devoção.

O Patriotismo enquanto sentimento resulta de uma adesão natural ao meio ambiente que nos rodeia, ao todo, que sentimos como nosso; começa na rua onde vivemos a primeira infância, passa pela escola onde aprendemos as primeiras letras, pelos nossos amigos de aventuras, pelos nossos pais e irmãos. O Patriotismo enquanto sentimento preenche-nos a memória de boas recordações pessoais e identifica-se com tudo o que nos é querido, saudoso e simpático. Assim, o Patriotismo passa por coisas e pessoas e faz que ambas se tornem no ambiente que sentimos como familiar e altamente protector.

Curiosamente esta forma de manifestação do Patriotismo pode cair com relativa facilidade em situações que se devem evitar, tais como a exaltação exagerada da Pátria própria reduzindo e ridicularizando as Pátrias de outros; só através de uma boa educação cívica se evitam tais excessos. A dignidade da nossa Pátria passa pela aceitação e pelo respeito da Pátria dos outros. Se o Patriotismo enquanto sentimento é, na prática, espontâneo, porque nasce em cada um de nós de acordo com a nossa capacidade sentimental, ou seja, com a maior ou menor facilidade para amar e para ter carência, ou não, de afecto, o Patriotismo enquanto dever resulta da expressão de uma vontade. Poder-se-ia dizer que o Patriotismo-dever é o Patriotismo-

sentimento depois de disciplinado. Na verdade, cada um de nós tem o dever de amar a Pátria, porque ela é a raiz de nós mesmos; mas, cada um de nós tem o dever de amar a Pátria, porque ela representa o esforço de outros para ser o que é e para que nós possamos usufruir dela tal como se apresenta. Amar a Pátria torna-se, assim, numa obrigação de todo e de qualquer cidadão bem formado.

Contudo, o dever de amar a Pátria não nos aparece isolado como um sentimento que deve ser desenvolvido, porque fica bem, porque devemos essa caridade à comunidade onde nascemos. O dever de amar a Pátria existe e impõe-se a cada cidadão e a todos em geral, porque a Pátria tem de ser servida. Com efeito, a perenidade da Pátria passa pela disponibilidade, sem excepção, de todos os cidadãos a servirem quando e como for necessário. Queremos com isto dizer que o amor da Pátria enquanto dever é universal, isto é, não admite recusas, substituições ou excepções. O Patriotismo-dever encontra o fundamento para a universalidade no facto de a Pátria, enquanto Nação, estar disponível para proteger o indivíduo isolado sempre que este corra riscos pessoais.

O Patriotismo enquanto devoção é um sentimento que encontra a sua base e a sua lógica na tradição religiosa. Com efeito, a Pátria acaba assumindo o papel da divindade a quem são devidos sacrifícios respeitáveis e justos, quando e sempre que necessários. O culto da Pátria, ou seja o Patriotismo-devoção passa pelo reconhecimento da Pátria como geradora de uma identidade em cada um de nós. Na verdade, foi o facto de nascermos num determinado ambiente social, político, histórico, linguístico e económico que determinou o que somos hoje e agora; esse ambiente mais não é do que a Pátria. Esta torna-se, assim, no útero onde a sociedade gera os seus filhos, ou seja, a Pátria assume socialmente uma função semelhante à da Mãe de cada indivíduo: transmite-lhe uma certa matriz genética.

Ora, em todas as sociedades e em todas as culturas, em maior ou menor grau, a Mãe representa para os filhos a fonte da Vida e, por isso, torna-se credora de uma veneração e de um respeito muito especiais. A Mãe e a função maternal são dignas de respeito e de sacrifício de todos,

porque ela gera, transporta, alimenta e educa na primeira infância o filho e este é, de facto, a continuação de todo o grupo social.

Esta analogia define o Patriotismo-devoção que passa pelo amor à Pátria enquanto esta é Mãe, educadora e primeira protectora. É uma devoção, porque se reconhece na Pátria a dádiva daquilo que somos e a garantia de continuarmos a ser iguais.

Chegado a este ponto podemos delimitar o conceito de Patriotismo dizendo que é o amor pela Pátria, traduzido como sentimento espontâneo, como dever universalmente aceite e como devoção praticada por reconhecimento.

No documento Lições de deontologia militar (páginas 121-124)