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3 PROPOSTAS E INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA UTILIZADAS PELO

3.2 A PRÁTICA PEDAGÓGICA E O CURRÍCULO ESCOLAR

A prática pedagógica é um dos elementos básicos do currículo, assim também como o aluno, os objetivos, os conteúdos didáticos, a metodologia, a

avaliação da prática educativa e a relação professor-aluno. Neste estudo, concordamos com Maria Cunha (1989, p. 105), quando define a prática pedagógica como sendo “[...] a descrição do cotidiano do professor na preparação e execução de seu ensino”. Ou seja, são as atividades realizadas pelo professor em relação ao processo de ensino e aprendizagem. Também fazem parte desse contexto as relações sociais estabelecidas na escola, o material didático utilizado, a avaliação dos alunos, como o planejamento de ensino é realizado, enfim, são as intenções que o professor idealiza e o que ele realiza no dia-a-dia.

É o que Veiga (1994) também diz quando trata da prática pedagógica reflexiva, que se caracteriza pela unidade entre teoria e prática (entre o que o professor sabe e pensa e o que ele faz), tendo como eixo definidor de suas ações a consciência e a prática social. Nesta prática, existe flexibilidade e criatividade nas ações didáticas, o professor procurando compreender a realidade sobre a qual vai trabalhar. Esse professor procura produzir um novo ser humano e uma nova sociedade, com uma nova visão de mundo.

A prática pedagógica reflexiva é um processo de trabalho a ser realizado pelo professor e pelo aluno, orientando-se por objetivos comuns. Acontece em torno da consciência por parte do professor da importância social de seu trabalho e criticidade de sua prática pedagógica, buscando superar o autoritarismo e procurando exercer uma ação recíproca entre educador e educando.

Ao tratarmos da prática pedagógica, percebemos a importância do currículo dos cursos de formação de professores(as) e do trabalho dos profissionais das escolas, que precisam discutir vários aspectos da realidade concreta, para que possamos entender que as diferenças étnicas e culturais formam a diversidade, ou seja, representam riquezas de experiências e de vidas.

A maior parte dos profissionais da educação não reconhece a reprodução e a produção de atitudes preconceituosas, mas estudos como o de Duarte (2000) e o de Sousa (2001) apontam condutas que demonstram a falta de neutralidade do sistema educacional. Esses estudos mostram a existência de mecanismos presentes no Sistema Educacional que tendem a confinar os afrodescendentes na base da hierarquia social, assim como a seguinte situação:

[...] os professores alegam pouco preparo para abordar questões que tratam de discriminação, preconceito, diferenças culturais, em sala de aula. Uma pesquisa efetuada com docentes da área de História, Estudos Sociais, mostrou que a falta de formação e informação é apontada como um dos principais obstáculos para abordar esses temas. (PINTO, 1993, p. 44).

Por outro lado, as manifestações de racismo que afloram no sistema educacional também podem ser causadas pelas formas como são trabalhados o planejamento de ensino e a avaliação. De acordo com a nossa observação, geralmente, nas escolas públicas, o planejamento, quando é feito, desconsidera a escola como um projeto coletivo e compartilhado de trabalho (GOMES, A., 1999) e não relaciona a realidade dos alunos e os conteúdos que deveriam ser explorados. Nos planos de curso das disciplinas, grande parte dos professores e coordenadores preocupa-se somente com o cumprimento da carga horária, não considerando relevante os objetivos a serem atingidos e nem realizam uma verdadeira avaliação, pois não existe, em boa parte das escolas, recuperação paralela voltada para os conteúdos que os alunos sentem maior dificuldade em aprender e os professores, de ensinar; ou seja, os alunos são somente rotulados e não avaliados.

A maioria dos conteúdos de ensino é extraída dos livros didáticos sem nenhum questionamento por parte de professores e coordenadores, e são inúmeras as formas de discriminação transmitidas pelos livros didáticos. Isto acontece porque, para muitos profissionais, o livro didático não é um recurso e, sim, um roteiro.

No entanto, se o professor é consciente e sensível, apesar de sua formação, consegue superar os problemas com muita persistência e força de vontade, fazendo de cada dia de trabalho um aprendizado constante, que necessita de avaliação contínua, em busca de uma prática pedagógica mais eficaz juntamente com a comunidade escolar.

Diante dessa realidade, são necessários estudos e intervenções pedagógicas que discutam as práticas pedagógicas e as matérias curriculares diárias dos alunos, como forma de descentralizar a cultura eurocêntrica, que é bastante acentuada nos conteúdos de ensino, e valorizar os grupos oprimidos e negados, principalmente nas escolas públicas onde o contigente de alunos afrodescendentes é maior. A esse respeito Santomé (1995, p. 170) afirma:

É preciso diminuir essa distância mediante uma discriminação positiva mediante uma intensificação da ajuda àquelas crianças que se, agora, mostram ‘déficits’ culturais ou ‘atrasos’ importantes isso não se deve à sua idiossincrasia genética, mas ao fato de que lhes faltaram oportunidades para desenvolver aquelas destrezas e conhecimentos que a instituição escolar exige e valoriza. Isso obriga a incorporar como conteúdos do currículo a história e a cultura das minorias oprimidas e/ou sem poder.

Essa postura diante da realidade das escolas reflete-se nas relações sociais, no planejamento de ensino, na metodologia das aulas e na utilização do material didático. Em outras palavras, a percepção, a sensibilidade e a conscientização dos profissionais da educação sobre a realidade da sociedade e das escolas induz o seu comportamento diante da elaboração e execução do currículo escolar, send7o mais evidenciado no currículo oculto.

Especialistas como Apple (1982) dividem o currículo escolar em currículo explícito e currículo oculto. O currículo explícito consiste no processo de educação onde são mencionados os objetivos que se deseja alcançar. Esse processo inclui as manifestações que são verbalizadas e escritas e que, na maioria das vezes, na realidade não são praticadas, mas são identificáveis através do discurso e de documentos técnico-pedagógicos. O currículo oculto é composto de normas e valores que estão implícitos no fazer escolar e são efetivamente transmitidos pelas escolas. Habitualmente, não são mencionados na apresentação dos fins e objetivos da escola. É através do currículo oculto que a escola reproduz um modelo social, ou

seja, a reprodução da cultura dominante é transmitida, principalmente, através do currículo oculto. Nas escolas,

[...] o currículo oculto serve para reforçar as regras que cercam a natureza e os usos dos conflitos. Estabelece uma rede de suposições que, quando interiorizadas pelos estudantes, determinam os limites de legitimidade. Esse processo é realizado não tanto pelos exemplos explícitos que mostram o valor negativo do conflito, mas pela ausência quase total de exemplos que mostram a importância do conflito intelectual e normativo em áreas de conhecimento. (APPLE, 1982, p. 132).

Voltada para as implicações do currículo oculto nas práticas pedagógicas, a Nova Sociologia da Educação (NSE) ou Sociologia do Currículo foi iniciada na Inglaterra por Michael Young e outros estudiosos, nos primórdios da década de 1970. O interesse na história do currículo remonta à primeira fase da NSE:

A historialização do currículo era uma estratégia central de enquadramento teórico da Nova Sociologia da Educação, na exata medida em que a perspectiva histórica permitia expor a arbitrariedade dos processos de seleção e organização do conhecimento escolar e educacional. (SILVA, T., 1995a, p. 7).

A NSE está voltada para o exame das relações entre currículo e estrutura social, currículo e cultura, currículo e poder, currículo e ideologia e currículo e controle social, procurando entender a favor de quem o currículo trabalha e como fazê-lo trabalhar à favor dos grupos oprimidos. Para isso, discute-se o que contribui, tanto no currículo explícito como no currículo oculto, para a reprodução de desigualdades sociais.

Nos Estados Unidos, o desenvolvimento do campo da NSE aconteceu por volta do início da década de 1970, como na Inglaterra e teve como precursores autores associados à orientação neomarxista, cujos representantes mais conhecidos no Brasil são Michael Apple e Henri Giroux.

A segunda fase da NSE é marcada pelos Estudos Culturais, também originados na Inglaterra. Os Estudos Culturais tratam da diversidade dentro de cada cultura e das diferentes culturas, sua multiplicidade e complexidade. São também estudos orientados pela hipótese de que entre as diferentes culturas existem relações de poder e dominação que devem ser questionadas.

Sem se ligar a nenhuma tradição disciplinar tradicional, os Estudos Culturais tiram proveito dos instrumentos de disciplinas como a Antropologia, os estudos literários, a História, a Comunicação e a Sociologia para estudar os mecanismos, as estratégias e as políticas de formação de identidades sociais. O racismo, o etnocentrismo, o machismo, os preconceitos, os nacionalismos, e o multicultuarlismo tão importantes para a escola, para a educação e para o currículo, só podem ser analisadas, produtivamente, a partir de uma perspectiva que leve em conta as importantes compreensões proporcionadas pelo campo dos Estudos Culturais (SILVA, T., 1995a).

Os Estudos Culturais podem orientar as ações educativas comprometidas com a construção de uma escola democrática fundada na convivência entre identidades culturais e sociais múltiplas. Mas, para que isso ocorra, é necessário que sejam questionadas as relações de poder assimétricas que se manifestam nas atitudes preconceituosas e excludentes em relação aos grupos oprimidos, como mulheres, homossexuais e afrodescendentes.

Um ponto de partida desse processo de democratização da escola pode ser o questionamento das reivindicações de universalidade pelas manifestações culturais européias para, em seguida, contestarmos as narrativas eurocêntricas ainda dominantes na educação escolar brasileira, como bem demonstram os materiais didáticos e os processos formativos de professores nas universidades.

As contribuições mais importantes dos Estudos Culturais em Educação, no Brasil, parecem ser aquelas que têm possibilitado a extensão das noções de Educação, de Pedagogia e de currículo para além dos muros da escola; a desnaturalização dos discursos de teorias e disciplinas instaladas no aparato escolar; a visibilidade de dispositivos disciplinares em ação na escola e fora dela; e a ampliação e complexificação das discussões sobre identidade e diferença e sobre processos de subjetivação. Tais análises têm chamado a atenção, sobretudo, para novos temas, problemas e questões que passam a ser objeto de discussão no currículo e na Pedagogia.

No Brasil, a preocupação com a reprodução das desigualdades sociais nas escolas passou a ser mais evidenciada somente a partir de 1990, quando a NSE e os Estudos Culturais começaram a ser reconhecidos com algumas teorias que se haviam firmado em países desenvolvidos e que passaram a ser utilizadas para a análise dos problemas curriculares brasileiros (MOREIRA, 1998). A tese de

doutorado de Moreira (1990), serviu de inspiração para estudos posteriores. Foi nesta época que as obras de Apple (1992) e Giroux (1986) se tornaram conhecidas no nosso país. Dessa forma, começou-se a pensar sobre a adequação do currículo às classes e grupos mais excluídos, sobretudo pela pobreza material.

Moreira (1996) procurou entender, por meio de entrevistas, como especialistas em currículo percebiam os rumos do campo que ajudam a construir. Suas falas sugeriram uma situação de crise. A opinião dominante era que os avanços teóricos afetam pouco a prática docente. Embora privilegiando o campo no meio acadêmico, as discussões travadas dificilmente chegam à escola, deixando de contribuir para a renovação das práticas pedagógicas, efeitos diretos desse processo.

Na escola, examinando algumas das relações entre a reprodução de modelos sociais dominantes numa sociedade e o currículo oculto, observamos que os alunos aprendem tacitamente algumas normas sociais identificáveis, principalmente por essas normas fazerem parte do cotidiano das escolas, como nas aulas, no material didático, nas festividades do calendário escolar e nas relações sociais, constituindo entraves marcantes para o processo de ensino e aprendizagem.

Como exemplo dessas "normas sociais identificáveis", podemos citar a existência de poucos afrodescendentes na profissão de modelo e sua pouca representatividade nos meios de comunicação social, como televisão, revistas e jornais, assim como a quase inexistência de gravuras ou fotografias de pessoas afrodescendentes nos livros didáticos utilizados na escola. Estes fatos representam uma regra implícita que é introjetada nos alunos através de uma norma falsamente neutra. Explicando melhor, os afrodescendentes não são representados significativamente na mídia e em nossa sociedade, por isso não precisam aparecer nos livros didáticos e nos cartazes da escola, somente quando se trata de escravidão, de empregados domésticos. Na maioria das vezes, são retratados de forma estereotipada. Assim, o que está implicitamente transmitida é a idéia de que o afrodescendente não pode se profissionalizar em áreas de prestígio social, que são incapazes de serem profissionais com qualificações formais.

Por isso, as críticas do Movimento Negro ao sistema educacional não se restringem a manifestações e discursos. Os educadores militantes e não militantes, nacionais e internacionais, ao longo do tempo, vêm construindo pedagogias para o combate ao racismo, direcionadas à educação escolar inclusiva. Trataremos, a

seguir, de algumas propostas e intervenções pedagógicas utilizadas pelo Movimento Negro.

3.3 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COM ÊNFASE NA