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3 PROPOSTAS E INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA UTILIZADAS PELO

4.3 AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS SUBJACENTES ÀS PRÁTICAS

Para aprofundar o nosso conhecimento na realização de nosso objetivo de conhecer as concepções pedagógicas subjacentes às práticas pedagógicas foram feitos os seguintes questionamentos aos educadores(as) militantes: Que concepções pedagógicas estão presentes na sua atuação como militante do Movimento Negro em Teresina? Que bases teóricas fundamentam tais concepções?

Nós fazemos a leitura das teorias das Ciências Sociais. A princípio, eu utilizei a teoria marxista, que percebe os elementos conflituosos da sociedade, os elementos de dominação, e percebe que esses elementos de dominação eles repercutem e são mantidos através de discursos que visam à manutenção de uma ordem desigual, e as teorias marxistas elas nos dão a possibilidade de fazer a crítica desses discursos. Então, no primeiro momento, foi isso, depois eu fui juntando outros discursos ao discurso marxista e é com esse referencial teórico que eu faço a minha análise e atuação (B. sexo masculino, 38 anos, Afrodescendente, Sujeito do ÌFARADÁ).

Bom, a minha base teórica pedagógica ela passa por essa questão de analisar a sociedade, isso é o primeiro ponto, devido à minha formação de historiador, de cientista social e tudo. O segundo ponto é analisar a sociedade numa perspectiva horizontal, ou seja, buscando compreender as diferenças e as diversidade humanas, esse é um ponto. Uma outra questão é identificar questões pertinentes aos setores sociais mais marginalizados, como negros, mulheres, homossexuais, enfim, portadores de deficiências, são grupos humanos que fazem parte da sociedade, mas ao mesmo instante estão fora da sociedade num processo de rejeição histórica, daí a importância de nós trabalharmos essa condição de uma forma muito mais veemente. Então, a minha base teórica pedagógica é nessa questão, de estar dando sobretudo para a sociedade, mas um discurso que visa dar à pluralidade como algo digno de sobrevivência humana, esse é um processo (S. sexo masculino, 30 anos, Afrodescendente, Coordenador, Sujeito do ÌFARADÁ).

Diante de tal realidade, a atuação docente requer cuidados também pelos seus aspectos práticos, as experiências, que não podem ser menosprezadas porque a educação impregna tão profundamente a existência dos seres humanos que é mais vivenciada do que pensada, como afirma Gadotti (2005). Essa reflexão de Gadotti demonstra que a educação demorou para tornar-se o foco das atenções dos teóricos, ressentindo-se até os dias atuais de maior consistência conceitual.

A Filosofia é a área do conhecimento que, tradicionalmente, tem se ocupado das concepções pedagógicas e, por muito tempo, a Pedagogia e a Filosofia estiveram juntas ocupadas com a Educação. As teorias educacionais são auxiliadas pela reflexão filosófica mostrando as possibilidades da educação, utilizando as contribuições da Antropologia, Sociologia, História e demais ciências. Essas teorias formam no(a) educador(a) uma postura que permeia toda a prática pedagógica, para que a compreendam melhor e possam transformá-la. "E essa postura nos induz a uma atitude de reflexão radical diante dos problemas educacionais, levando-nos a tratá-los de maneira atenta." (GADOTTI, 2005, p.15).

As contribuições de outras ciências para a Educação foram verificadas durante as entrevistas realizadas, quando outros(as) educadores(as) responderam que utilizam as contribuições da História, da Sociologia, da Antropologia e do multiculturalismo51. Considerando-se tais resultados, pode-se afirmar que os(as) educadores(as) militantes deparam-se com problemas e buscam na teoria educacional as respostas possíveis. Assim, avaliam as suas práticas pedagógicas, procuram refletir sobre os pontos positivos e negativos e buscam sempre o aperfeiçoamento das atividades, por intermédio de mais leituras e conversas com outros estudiosos do tema. Essa busca de mais conhecimentos e qualificação também é realizada através de articulações e intercâmbios com outros militantes no âmbito nacional e internacional, devido ao reconhecimento nacional dos dois grupos:

Tem, por exemplo, os eventos nacionais, regionais e estaduais que discutem a questão do negro, normalmente o ÌFARADÁ tem representantes dentro desses fóruns, que levam informação do Piauí, interagem com membros de outros grupos de todo o Brasil ou de outras entidades [...] trazem material impresso e também informações que são valiosas a respeito de tudo o que é discutido [...] quer dizer, há uma troca de experiências nesses fóruns, então de certa forma a gente se mantém interligado ao mundo, não só no Brasil, até eventos de fora a gente toma conhecimento (W. sexo masculino, 29 anos, afrodescendente, Sujeito do ÌFARADÁ).

Os(as) educadores(as) militantes demonstraram empenho e fundamentação teórica e prática nas atividades pedagógicas desenvolvidas, como percebemos no depoimento abaixo:

[...] o ‘Coisa de Nêgo’ tem trabalhado muito com oficinas de canto, de percussão, de dança, de estética negra, palestras sobre a questão das religiões de matrizes africanas, as mais variadas temáticas. Mesmo quando você trabalha a percussão que você vai colocar o que são os instrumentos, você tem que fundamentar qual é a importância desses instrumentos, por que que se trabalha isso e por que como negros nós precisamos buscar nos identificar com isso, o que nos identifica, qual o elo de ligação. Então assim, mesmo as oficinas que aparentemente elas não tem essa capacidade formadora no sentido dessa consciência, ela exercita para isso, porque possibilita a teoria e a prática. Sempre, em qualquer oficina, a gente sempre norteia a partir dessa consciência de negritude. (S.

51 Alguns educadores militantes tiveram mais dificuldade em falar das concepções pedagógicas,

devido à formação deles, no entanto, para captarmos algum sinal a respeito do assunto, perguntamos que teorias utilizavam ou quais autores eles liam como referencial teórico.

sexo feminino, 44 anos, afrodescendente, Sujeito do "Coisa de Nêgo).

A fundamentação teórica é fortalecida e aprofundada por intermédio de leituras e discussões nos grupos de estudo e discussões internas das entidades, principalmente sobre os temas mais solicitados para serem discutidos pelas instituições de ensino.

Como auxílio dessas teorias pedagógicas, os(as) professores(as) começam a perceber que suas práticas não existem isoladamente, mas adquirem significado e coerência na medida em que estão vinculadas a uma ou várias teorias pedagógicas sistematizadas e essas passam a informar e a dar uma certa ordenação, um certo sentido às práticas dos(as) educadores(as).

A fundamentação prática é realizada pelos relatos de experiências dos(as) militantes, pois, de acordo com o público atendido, muitas vezes, somente a teoria afasta um pouco. Os(as) educadores(as) acreditam e confirmam que essa técnica de relato de experiências vividas sensibiliza e atrai mais o público, além de abrir uma porta de diálogo e de entendimento bem mais simples, como demonstra a seguinte fala:

Normalmente tem um estudo prévio, a preparação do material que vai ser exposto, mas nós costumamos utilizar muito de experiências próprias de dentro do próprio movimento, quer dizer, muitas vezes a teoria afasta um pouco. De acordo com o público para o qual a gente está falando ela pode afastar um pouco porque não é um assunto muito estudado em colégios e em outras entidades, mas quando nós falamos de experiências, de notícias, por exemplo, que saem na imprensa a respeito do negro, da discriminação ou de outros assuntos polêmicos, como as cotas, a atenção do público ela é maior, e aí abre uma porta de diálogo e de entendimento bem mais simples, a partir dos exemplos. (W. sexo masculino, 29 anos, afrodescendente, Sujeito do ÌFARADÁ).

Nesses casos, quando existia essa técnica de relato de experiências, os(as) educadores(as) não desprezavam a parte teórica e escrita, mas distribuíam textos para que as pessoas mais interessadas se sentissem à vontade para poderem ir mais além, lendo e pesquisando:

[...] eu já tive essa experiência no TEAR, que é o Consórcio da Juventude, onde eu fui convidada pelo grupo Afro Afoxá para ministrar uma disciplina de nome Políticas Públicas de Inclusão Social, e eu vi que a bibliografia que eu tinha programado no plano da aula não teria como eu passar aquele texto porque eles não liam para acompanhar, eles escutavam mais eu falando e eles entrando no debate, é a melhor forma que eu acho que tem que começar, mas nunca podemos menosprezar uma apostilha [sic], a gente fala sobre o assunto e aí você passa os textos. E num curso de formação que a gente fez agora no ÌFARADÁ teve isso, a gente não encheu as pessoas que foram lá para fazer o curso com os textos longos, só foi alguns textos de três páginas, quatro, para essas poderem ler e sentir a vontade de ir mais além e pesquisar sobre o que ele estava tendo acesso nos textos. (A. sexo feminino, 30 anos, Afrodescendente, Sujeito do ÌFARADÁ).

É importante também ressaltar que as teorias da educação que vêm embasar as concepções pedagógicas adotadas num determinado contexto, num determinado período da história nem sempre refletem as ideologias e objetivos desse contexto. Algumas delas surgem exatamente com o objetivo de romper com o que está estabelecido. Segundo Freire (1979, p.28), a educação implica numa busca contínua do homem em ser mais, portanto "[...] o homem deve ser sujeito de sua própria educação. Não pode ser objeto dela. Por isso ninguém educa ninguém!". Assim, a educação pode tornar-se um caminho de libertação na construção de uma sociedade mais humana, procurando possibilitar o desenvolvimento de uma consciência crítica, que recusa as posições passivas (FREIRE, 1983).

Para Freire (1979), não se deve ter uma visão ingênua da escola como espaço e tempo para a constituição do conhecimento, escola é um espaço de luta entre classes. Discutindo essa questão, salienta o papel do(a) educador(a), a partir da posição que este(a) assume diante do conflito social e atesta a importância dos conteúdos das disciplinas e a maneira como os utiliza, propiciando ou não, a manutenção da estratificação social.

A Pedagogia de Paulo Freire tem por fim a conscientização. O primordial é a consciência das relações sociais e a educação é um ato político. A educadora militante, abaixo, tem sua prática apoiada nas concepções da Pedagogia Libertadora e da Pedagogia do oprimido (FREIRE, 1987):

Acredito que educação não se faz apenas na escola e sim em todos os espaços que favorecem a aquisição do conhecimento, do saber e da formação se uma consciência crítica e comprometida com a realidade social. Assim, a minha concepção da ação militante é de

uma Pedagogia Libertadora. De uma certa forma, somos todos descendentes do mestre Paulo Freire e sua ‘educação como prática de liberdade’. Educação para a consciência política e sua ‘Pedagogia do oprimido’. Esta é também a referência da educação inclusiva que hoje se faz tão atual. Esperamos que não seja apenas uma moda passageira. (F. sexo feminino, 46 anos, Afrodescendente, Sujeito do “Coisa de Nêgo”).

Essas posturas reflexivas do(a) educador(a) revelam diferentes concepções pedagógicas. Tais posturas reflexivas têm por fundamentação os pressupostos da Pedagogia do Oprimido, Educação Multicultural e da Pedagogia Interétnica. Vejamos o que expressa o educador militante abaixo:

Eu comecei com o marxismo, de 1996 até 1998 eu tinha uma visão muito marxista da história. Confesso que hoje o marxismo para mim não é algo tão veemente, hoje eu trabalho mais essa questão do multiculturalismo, é uma vertente [...]. essa questão de você estar trabalhando a diversidade humana [...] o multiculturalismo passa a ser uma ação que hoje eu estou trabalhando mais, dentro dessa questão de se trabalhar a questão das culturas como uma resposta política de buscar valorizar uma sociedade, sobretudo para os núcleos sociais mais à margem desse processo histórico. (S. sexo masculino, 30 anos, Afrodescendente, Coordenador, Sujeito do ÌFARADÁ).

Ao se fazer uma análise das concepções teóricas subjacentes à prática pedagógica, verifica-se que as diferentes tendências continuam presentes no fazer docente dos(as) educadores(as) em geral. Elas se interrelacionam nessa prática de tal forma que um(a) mesmo(a) professor(a) poderá apresentar, em diferentes momentos de seu trabalho, características de todas as tendências (SAVIANI, 1983a).

As concepções da Pedagogia do Oprimido, Educação Multicultural e da Pedagogia Interétnica possuem um viés comum, partem do pressuposto que "[...] os povos oprimidos não devem abrir mão do seu fazer revolucionário, ao denunciarem as estruturas sociais injustas e ao anunciarem um mundo mais justo, os homens assumem uma posição libertadora." (CRUZ, 1989, p. 76).

Um exemplo, desse fato é que devido à formação precária dos profissionais da educação, destacada no depoimento dos sujeitos dos grupos, os materiais produzidos pelos(as) educadores(as) militantes são lançados e discutidos nas escolas e os resultados das pesquisas realizadas pelas organizações são debatidos em cursos e oficinas, o que demonstra a utilização dos métodos de

pesquisas sobre o preconceito e sobre o racismo (o Sociológico, o de Análise da Linguagem Ordinária e o Semiológico), dos métodos operacionais de combate ao racismo (o Curricular, o Etnodramático e o da Comunicação Total) e os aspectos estruturais (Psicológico, Histórico, Sociológico, Axiológico e o Antropobiológico) propostos pela Pedagogia Interétnica (v. Cap. 3).

Assim, pelo resultado desse estudo podemos inferir que as concepções pedagógicas subjacentes à prática pedagógica das entidades do Movimento Negro, consciente ou inconscientemente, são oriundas da Pedagogia Interétnica, que tem como um dos procedimentos metodológicos o procedimento dialético que:

[...] permite uma visão de conjunto da realidade, a partir de uma consciência crítica e transformadora. O método dialético possibilita uma compreensão profunda do sistema capitalista, especialmente no que tange ao processo de educação burguesa, detectando os conteúdos ideológicos de natureza classista e racista, veiculados através do aparelho escolar, da família e da sociedade como um todo. (CRUZ, 1989, p. 69).

O método dialético baseia-se também no materialismo dialético e histórico marxista que não concebe a dialética tão-somente do homem, mas também do mundo e da sociedade. A fecundidade do método dialético permite o despertar de uma consciência crítica da sociedade, especificamente do processo educacional, superando, assim, as posturas tradicionais e autoritárias que sempre nortearam as relações pedagógicas, possibilitando o diálogo entre educadores(as) e educandos(as) comprometidos com o processo de transformação social, atuando, assim, como sujeitos produtores da história e transformadores do mundo (CRUZ, 1989).

A ênfase na relação dialética entre educação e sociedade implica a adoção do método dialético na prática pedagógica da sala de aula (SAVIANI, 1983b).

Acreditamos na necessidade da formação de uma consciência crítica na sociedade, que conceba a educação como um processo social de combate a opressão e para a valorização da diversidade étnica e cultural, e a Pedagogia Interétnica pode estar plenamente comprometida com este processo de libertação.

4.4 Material didático utilizado e produzido pelas entidades do Movimento Negro e as