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2 O MOVIMENTO NEGRO E A EDUCAÇÃO ESCOLAR

2.1 MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO POPULAR

Conforme se tem demonstrado, a educação acontece no âmbito dos movimentos sociais, naquilo que concerne aos seus aspectos sociais, políticos e culturais. Foi por meio dos movimentos sociais que os afrodescendentes brasileiros aprenderam a lutar contra o preconceito e a discriminação raciais, incluindo em seu ideário reivindicações que visavam romper com o abandono, exigindo direitos sociais e iguais oportunidades de educação e trabalho (GONÇALVES, 1985, GOMES, 1997).

Esse aspecto de educação mais ampla, que envolve os movimentos sociais, também é evidenciado no Título I, Da Educação, na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996:

Art. 1º - A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

No texto dessa lei, a educação também acontece nos processos formativos dos movimentos sociais. Entendemos movimentos sociais na perspectiva de "ações coletivas de caráter contestador, no âmbito das relações sociais, objetivando a transformação ou a preservação da ordem estabelecida na sociedade" (AMMAN, 1991, p.22).

Deste modo, os movimentos sociais servem como termômetro para avaliar e cobrar dos poderes públicos soluções sobre os problemas que ocorrem na sociedade em vários âmbitos, como, por exemplo, na área da Saúde, Moradia e Educação.

Os movimentos sociais têm acompanhado as transformações ocorridas na educação escolar, que correspondem a períodos de crise na economia, e de mudanças na política nacional.

As reformas educacionais das décadas de 1920 e 1930 (Manifesto dos Pioneiros em 1931), as lutas e propostas dos anos 1940 e 1950 (Movimento em defesa da escola pública) imprimiram uma nova fase à educação brasileira, que exigia do sistema educacional que acompanhasse o crescimento do sistema econômico, elaborando as Diretrizes e Bases para a universalização da escola (GOHN, 2005).

Ainda citando as contribuições de Gohn (2005), “os anos 1960 foram de sonhos e utopias, em torno de propostas de uma sociedade mais justa, igualitária e solidária. Os anos 1970 foram de lutas e resistências coletivas. Os anos 1980 foram de negociações, alianças e pactos [...]” (p. 53 e 54).

No final dos anos de 1970, aconteceu o apogeu da produção sobre a educação popular, quando se iniciaram as primeiras publicações referentes aos movimentos sociais. Os movimentos sociais dos anos de 1980 utilizavam os princípios e métodos da educação popular; foi a era da participação, quando os movimentos sociais começaram a ter um envolvimento mais efetivo nas questões que lhes diziam respeito.

No Brasil, os movimentos sociais, até, pelo menos, a metade da década de 1980, eram vistos sob a ótica norte-americana ou européia, o que em muito prejudicou as análises, uma vez que a realidade brasileira é bastante diversa.

A literatura que discorre sobre os movimentos sociais populares se desenvolveu nas décadas de 1980 e 1990, de certa maneira, tendo foco central às populações oprimidas e carentes da sociedade (GOHN, 2005).

Embora considerando a transversalidade entre a área da Educação e das Ciências Sociais, alguns estudiosos se concentraram em suas áreas de conhecimento e da prática social. Os pesquisadores da área da Educação voltaram- se para a educação popular; e os das Ciências Sociais dedicaram-se aos movimentos sociais.

Os anos 1990 apresentam um novo planejamento da sociedade brasileira, que “aprendeu a organizar e a reivindicar seus direitos de cidadania, a partir da constatação da qualidade de não-cidadão que são na prática" (GOHN, 2005, p. 08), foi auxiliada pela Constituição de 1988. Após a Constituição, a maioria dos movimentos sociais desmobilizou-se, posto que se instaura no Brasil a chamada crise dos movimentos sociais, mais especificamente dos movimentos sociais urbanos.

Sob este aspecto, devemos considerar que toda crise é peculiar a qualquer movimento social em seu processo de construção e atuação. O seu caráter distintivo é transitório e retrocedente. Podem até se estabelecer, provisoriamente, em alguma organização. A organização pode extinguir-se, mas a idéia originária permanecerá. E esta idéia produzirá o ressurgimento do movimento em outro contexto (GOHN, 2005).

Doimo (1995) avalia a crise de forma diferente, atribuindo o refluxo às assessorias, uma vez que os movimentos sociais sofreram uma perda substancial de suas condições de sustentação e de suas fontes de legitimação. Tal argumento torna-se consistente, se levarmos em consideração o afastamento da Igreja, que recua e interioriza-se, com a finalidade de repensar sua atuação; da Universidade, que, com a anistia, reencontra em seu próprio espaço a possibilidade de palavra e ação; da militância de esquerda, que tem todo um campo de trabalho nos novos partidos surgidos com a abertura democrática.

Um outro aspecto relevante foi o surgimento das ONG’s, que passam a se dedicar mais às ações em termos de políticas públicas, passando, elas próprias, a serem militantes, tendo suas próprias causas, ao invés de limitar-se à assessoria aos movimentos.

Essa crise pode ter tido como conseqüências um novo modo de luta e de reivindicações, o que podemos chamar de Novos Movimentos Sociais.

Por "novos" movimentos sociais compreendem-se os movimentos das mulheres, ecológicos, contra a fome, o dos afrodescendentes, índios, e, outros,

sinalizando, em princípio, um distanciamento do caráter classista que se configurava nos movimentos sindicais, operários, em torno do mundo do trabalho, o que não significa que em determinados momentos históricos possam assumir uma contraposição com o sistema econômico e social vigente. Entretanto, os novos movimentos sociais se contrapõem aos "velhos" e historicamente tradicionais movimentos sociais em suas práticas e objetivos (GOHN, 1995).

Assinale-se que a diferenciação dos “Novos” Movimentos Sociais dos “Velhos” Movimentos Sociais pode estar no processo de distanciamento do caráter classista que era característica dos movimentos sindicais.

No entanto, não obstante as crises, que sempre geram mudanças, houve a luta na busca de melhores condições de vida, através de reivindicações, ou seja, na busca de cidadania.

A questão da cidadania, dos anos 70 aos dias atuais, foi o elo histórico entre movimentos sociais e educação. A cidadania tem sido o horizonte para o qual os movimentos sociais apontam, quando reivindicam uma educação pública de qualidade.

No século XVII, com o Liberalismo, a cidadania era questão de direitos naturais imprescritíveis e dos direitos da nação. A propriedade dava a plena liberdade e a plena cidadania.

No século XVIII, o Racionalismo ilustrado traz a questão da cidadania como uma questão educativa. As diferenças sociais eram vistas como diferenças de capacidade.

Com a consolidação do capitalismo, ainda no século XVIII, a educação passa a ser pensada como mecanismo de controle social. Ou seja, a única educação que interessava era a formação e produção da mercadoria para o trabalho e a formação do cidadão passivo.

No século XIX, a cidadania é dirigida a todos, para disciplinar e domesticar. No século XX, a questão da cidadania passa a ser competência do Estado e deixa de ser conquista da sociedade civil.

A crise econômica, política e social gera um novo conceito de cidadania, a cidadania coletiva. A crise também gera um novo ator histórico enquanto agente de mobilização e pressão por mudanças sociais: os movimentos sociais (GOHN, 1988).

A cidadania coletiva se constrói no cotidiano, através do processo de identidade político-cultural que as lutas cotidianas dos movimentos populares geram.

Os movimentos populares são uma extensão das práticas educativas desenvolvidas pelos programas de educação popular progressistas. Nos movimentos sociais a educação é auto-construída no processo; e o educativo surge de diferentes fontes (GOHN, 2005).

Os movimentos sociais, das diferentes camadas sociais, com suas demandas, organizações, práticas e estruturas, possuem um caráter educativo, assimilável aos seus participantes e à sociedade mais ampla. Os resultados deste processo traduzem-se em modos e formas de construção da cidadania político-social brasileira (GOHN, 2005, p. 111).

O caráter educativo dos movimentos sociais é construído de várias formas, em vários planos e com várias dimensões que se articulam e não determinam nenhum grau de prioridade. Podemos ver, a seguir, uma caracterização das dimensões do caráter educativo dos movimentos sociais, de acordo com as concepções de Gohn (2005):

1 A Dimensão da Organização Política – essa dimensão sofre influências de assessorias técnicas, políticas e religiosas que atuam junto aos grupos populares. Organizam-se táticas e estratégias para a obtenção do bem por ser um direito social.

2 A Dimensão da Cultura Política – nessa dimensão, as experiências do passado servem de aprendizado para a leitura do contexto do presente formando uma força social coletiva organizada.

3 A Dimensão Espacial-Temporal – essa dimensão possibilita uma grande articulação entre o chamado saber popular e o saber científico, técnico, codificado. As categorias tempo e espaço são muito importantes no imaginário popular, ajudando sua articulação na construção de pontos de resistência à hegemonia dominante.

Destacam-se duas questões: a educativa e a pedagógica. A educativa é um processo cujo produto é realimentador de novos processos. A pedagógica são os instrumentos utilizados no processo. A metodologia da ação é construída segundo as necessidades que a conjuntura lhes coloca. A construção é coletiva.

As relações que são vivenciadas nos processos educativos e pedagógicos definem a qualidade do trabalho, para onde ele está levando (BEZERRA, 1986).

Dessa forma, o caráter educativo das lutas dos movimentos sociais, como um processo constituído de várias formas e fases, passou por crises, gerando uma nova forma de diálogo com a sociedade, seus grupos e seus problemas.

Assim, para compreendermos os movimentos sociais, precisamos estar inseridos no contexto em que estão reivindicando ações em prol de determinados grupos oprimidos.

Gohn (2000), quando realiza um mapeamento do cenário dos movimentos sociais no Brasil (1927-1997), aponta que o Movimento Negro veio emergir no cenário nacional no 2º ciclo (1985-1989), que foi o de institucionalização de movimentos de temas específicos; e no 3º ciclo (1990-1997), quando ocorreu a emergência de novos atores e a desmobilização de movimentos populares.

No entanto, acreditamos que uma vez que os Movimentos Negros estão presentes em toda a história da humanidade, eles sempre se manifestaram; provavelmente não tenham sido visibilizados e legitimados. Devemos compreendê- los como fenômenos inerentes aos processos de mudança, pois são resultados de um “conflito”, que geram, consequentemente, mudanças no funcionamento da sociedade. Geram conflito porque indivíduos ou grupos que não estão de acordo com determinada situação buscam maneiras de modificá-la. Então, o Conflito é o primeiro elemento formador dos Movimentos Sociais (TOMAZI, 1993).

A seguir, discutiremos o Movimento Negro e a Educação Escolar, enfocando o surgimento dos movimentos negros e todo um contexto de lutas e preocupações com o processo educacional.