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3 PROPOSTAS E INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA UTILIZADAS PELO

3.1 A EDUCAÇÃO E A CULTURA ESCOLAR

Entendemos educação escolar como um processo de aquisição de conhecimentos com o objetivo de formar cidadãos por intermédio da valorização do saber já elaborado e de todas as variáveis apresentadas pelos indivíduos do seu contexto vivido, ou seja, classe social, gênero, etnia e valores culturais. O termo

“cultura” é entendido como um conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos e costumes que distinguem um grupo social.

Entretanto, poderíamos postular que a educação escolar é um processo que exclui e discrimina, ao mesmo tempo. De qual educação escolar estamos falando? Quem a educação escolar discrimina? Baseados em que formulamos esse conceito de educação? Quando mencionamos que a educação escolar exclui, estamos nos referindo às práticas pedagógicas curriculares excludentes, ou seja, da dissociação – existente em muitas escolas – entre ensino e realidade social dos educandos pertencentes aos grupos oprimidos, às minorias sociais, como afrodescendentes, índios, portadores de deficiências físicas, dentre outros. Vêm ao encontro dessa observação alguns estudos, como os de Gonçalves (1985), Figueira (1990) e A. Silva (1995) e demais estudiosos que se dedicam a essa problemática.

Assim, a educação escolar, continuum de educabilidade do ser humano, acontece, sobretudo, na escola. Entendemo-la como uma instituição social construída por sujeitos socioculturais, compreendida como espaço da diversidade para a formação de cidadãos, onde as práticas pedagógicas curriculares têm um papel fundamental e não descartável.

Partindo desta idéia, a escola não pode ser considerada simplesmente como um espaço onde se transmitam conhecimentos, alheia à existência de diferentes relações, as quais, inconscientemente ou não, podem contribuir para disseminação de preconceitos e discriminações, com base em valores e crenças que generalizam a cultura de determinados grupos em detrimento de outros.

Ao contrário, a escola deveria assumir o papel de provedora antes de tudo não de um processo educacional homogeinizador, mas, sim, desenvolver um trabalho mais eficiente quanto à questão multicultural. O educador, como elemento desse processo educacional, voltado para atingir tais objetivos, deve se tornar o facilitador de diálogos e de reflexões crítico-sociais, sempre considerando os fatores condicionantes que colaboram para a perpetuação dessa problemática dentro da cultura escolar.

Fernandes (1978), assim como outros estudiosos, em pesquisa realizada em 1960, detectou que a escola não estava preparada para atender à população afrodescendente. R. Oliveira (1992, 2001), que desenvolveu estudos focalizando o discurso da escola para uma análise sobre a situação educacional dos afrodescendentes, verificou que são

[...] duros empecilhos econômicos, políticos e culturais, para se manter na escola, no trabalho e assegurar um bom relacionamento em quaisquer ambientes nos quais esteja atuando. Por essa razão podemos avaliar que os jovens negros estão intelectualmente e emocionalmente muito mais preparados para ingressar na Universidade e desenvolver quaisquer atividades, pois conseguem vencer muito mais adversidades. Eles vêm superando todos esses obstáculos conseguindo cumprir a trajetória do Ensino Médio e Fundamental. Quem está despreparada, na verdade, é a Escola. É necessário que ela deixe de ser um obstáculo a mais e prepare-se para superar os preconceitos e conviver com a diversidade humana (OLIVEIRA, R., 2002, p. 160-161)

Se observarmos o tempo decorrente entre o estudo de Fernandes (1978) e os de R. Oliveira (1992, 2001, 2002), verificamos que se passaram mais de quarenta anos e a situação dos alunos afrodescendentes não mudou muito. Por isso, não podemos apostar somente na melhoria da escola pública. Precisamos unir todos os esforços e políticas de ação afirmativa para afrodescendentes em todos os níveis de ensino e não somente na educação, mas também no mercado de trabalho.

A pobreza e o racismo são a causa principal da existência de crianças e adolescentes trabalhadores e também estão entre as principais razões que explicam as grandes taxas de evasão e repetência na educação básica.

Assim, quando afirmamos que o estudante negro perde para o estudante branco no vestibular porque não pode pagar o mesmo cursinho preparatório, é comum muitas pessoas interpretarem que a diferença entre os dois é puramente econômica (diga-se: social) e não racial. Contudo, é preciso lembrar que o estudante negro não pode pagar o mesmo cursinho, não porque esteja “socialmente“ incapacitado a alcançar esse nível de renda, mas porque seus pais negros herdaram a discriminação racial no mercado de trabalho sofrida pelos seus avós e bisavós, os quais sempre foram preteridos pelos brancos nas melhores posições (CARVALHO; SEGATO, 2002, p. 44).

No entanto, a educação pode contribuir para o desenvolvimento do país, combatendo as desigualdades sociais e étnicas geradas pela discriminação das minorias sociais, pois ela é e pode ser um processo de cultivo ou de cultura, pode ser sempre algo em permanente mudança e reconstrução, exigindo, por conseguinte, sempre novas descrições, novas análises e novos tratamentos, sem características organizacionais para a finalidade seletiva e sem menosprezo às diferenças individuais para eliminar os considerados “incapazes”, “reprovados”, “repetentes” ou “excluídos”.

Neste movimento, é possível afirmar que a instituição escolar nem sempre poderá ser classificada como mera reprodutora da discriminação, do preconceito racial e do racismo. Por isso, a educação escolar necessita de alguns suportes teóricos e metodológicos que embasem a sua prática, trabalhando os aspectos conjunturais da realidade cotidiana e da cultura dos educandos.

Refletir sobre educação e cultura é justificar o processo educativo, “[...] a responsabilidade de ter que transmitir e perpetuar a experiência humana considerada como cultura [...]” (FORQUIN, 1993, p. 13) entendida também como algo “comunicável e memorável”, tornado público, e que se cristalizou em “saberes cumulativos” e nos “símbolos inteligíveis”. A cultura é o “conteúdo substancial da educação”, que a realiza como “memória viva”. Nesse contexto, cultura não pode ser pensada sem educação e “[...] toda reflexão sobre uma desemboca imediatamente na consideração da outra.” (p. 14). São as faces de uma mesma moeda que se complementam. Tal concepção se reforça pelo fato de que

Quer se tome a palavra ‘educação’ no sentido amplo, de formação e socialização do indivíduo, quer se a restrinja unicamente ao domínio escolar, é necessário reconhecer que, se toda educação é sempre educação de alguém por alguém, ela supõe sempre também, necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de alguma coisa: conhecimentos, competências, crenças, hábitos, valores, que constituem o que se chama precisamente de ‘conteúdo’ da educação. Devido ao fato de que este conteúdo parece irredutível ao que há de particular e de contingente na experiência subjetiva ou intersubjetiva imediata, constituindo antes, a moldura, o suporte e a forma de toda experiência individual possível, devido, então, a que este conteúdo que se transmite na educação é sempre alguma coisa que nos precede, nos ultrapassa e nos institui enquanto sujeitos humanos, pode-se perfeitamente dar-lhe o nome de cultura. (FORQUIN, 1993, p. 10).

Como decorrência dessa reflexão sobre o conceito de cultura, as instituições sociais são os suportes sociológicos da cultura porque constituem o principal canal de conservação e inovação dos valores e conhecimentos. E, a escola, institucionalmente considerada, constitui um local de representações de culturas. Sendo assim, a escola é um dos suportes da cultura, consistindo em um “[...] processo de produção de símbolos, de representações e de significados.” (LOPES, Alice, 1999, p. 68).

Os processos pedagógicos não são neutros e, como tal, os debates sobre cultura escolar devem ser feitos numa concepção de alteridade e em decorrência, de sua presença nas relações que se estabelecem no espaço escolar. O espaço, como diz Certeau (1994, p. 202), “é um lugar praticado”, portanto, as expressões culturais dos alunos devem ser inquiridas sempre em relação com seus pares, pais, professores, comunidade e sociedade, isto é, numa relação de alteridade. Nesse sentido, Laplantine (1988, p. 21) afirma:

De fato, presos a uma única cultura, somos não apenas cegos à dos outros, mas míopes quando se trata da nossa. A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos ‘evidente’. Aos poucos, notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de ‘natural’. Começamos, então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos, a nos espiar. O conhecimento (antropológico) da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única.

Tal constatação é de extrema importância no espaço escolar, pois nele os embates entre os diferentes sujeitos que o compõem são freqüentes. Vivenciando o dia-a-dia escolar, percebe-se o quanto as diferenças culturais entre alunos, professores, direção, merendeiras e serventes influenciam nas relações estabelecidas em tal espaço.

Nesse sentido, a escola, como espaço sociocultural, é marcada por um dinamismo do fazer cotidiano, concretizado por seres humanos trabalhadores de diferentes sexos, idades e etnias, ou seja, discentes, docentes e outros. Cada um traz consigo, ao chegar à escola, experiências vivenciadas nos mais diferentes espaços sociais (todos sujeitos sociais e históricos, atores na história) e pode enriquecer o contexto escolar exercendo legitimamente a condição de cidadão valorizado em sua diversidade.

Portanto, o papel da educação e da escola no desenvolvimento das relações humanas vem se tornando cada dia mais importante, pois é no cotidiano escolar que se desenvolvem atitudes refletidas nas diferentes culturas, onde estão incluídas diferentes linguagens, ações, valores e crenças que permeiam todas as relações sociais no seio do processo educativo. É no cotidiano escolar que se pode

discutir e criar melhores condições de se relacionar com o outro, aprendendo a conviver, olhando e conhecendo a si próprio e a outros com respeito.

A realidade escolar, pois, demanda uma prática pedagógica crítica e anti- racista que proporcione aos sujeitos novas maneiras de entender como conquistar uma forma de redefinição cultural e de experiências nas relações múltiplas de diferenças, levando à resistência a ideologias e a práticas discriminatórias.