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A precarização do trabalho docente diante da privatização

3. SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

3.1. A formação docente e a realidade do ensino superior brasileiro pós-LDB

3.1.2. A precarização do trabalho docente diante da privatização

Como acima mencionado, por meio de Mancebo, Maués e Chaves (2006), uma das consequências da chamada neoprofissionalização do ensino superior foi a precarização do trabalho docente, de modo que não é possível deixá-la de lado na discussão aqui empreendida a respeito da formação de professores, tanto pelo fato de que estes professores estão postos muitas vezes como modelos quanto também pela relação direta que se pode estabelecer entre a maneira na qual o trabalho se realiza e a formação possibilitada para os alunos (tanto no ensino superior quanto na educação básica).

A precarização do trabalho é tema recorrente dentre aqueles que se dedicam ao campo de estudos sobre o trabalho docente. Em seu sentido maior, o termo refere-se à degradação nas condições do direito do trabalho, por meio de flexibilizações – legais ou ilegais - nos regimes de contratação da mão-de-obra, tais como acontece nos temporários, parciais ou terceirizados (ANTUNES; ALVES, 2004).

Tal fenômeno, em seu entendimento recente, liga-se à reestruturação produtiva que dominou a paisagem dos meios de produção nos últimos 30 anos nos EUA e marcadamente nos últimos 20 no Brasil. No caso da precarização do trabalho docente, a discussão é interessante e insere-se tanto dentro do panorama de expansão universitária sobre a qual discorremos acima, como neste panorama social geral que mudou as feições do mundo corporativo e do mercado de trabalho.

Basicamente, temos como fonte da reestruturação produtiva o trabalho que Antunes e Alves (2004) denominam “engenharia da liofilização” pelo grau de enxugamento da estrutura de produção, a convergência de uma série de fenômenos interligados: o crescimento da tecnologia de informação e de formas remotas de comunicação, a mundialização da economia, a globalização de mercados, o encolhimento do modelo tradicional de produção fabril (taylorista- fordista), o encolhimento dos Estados de Bem-Estar Social e mais, a crise do petróleo no fim dos anos 70. Tais aspectos são apontados como responsáveis por uma profunda mudança nas relações de trabalho, a reestruturação produtiva chegou às universidades modificando não apenas as relações docentes com sua atuação, mas também a formação de futuros professores. Porém, de modo diferente esses fatos podem ser vistos nas instituições públicas e nas privadas. Se muitas das universidades particulares nasceram da Reforma do Estado de 1990 e já em si esboçam a vocação que se alinha com a nova realidade do trabalho – que poderia ser resumida à máxima “fazer mais com menos”, nas públicas, sua forma e força foram outros.

Bosi (2007) analisa essencialmente os impactos que a reestruturação teve na atividade docente das IES públicas, marcadamente sob o vértice do princípio produtivista que fora nelas incorporado nestes últimos vinte anos. Ele observa, contudo, que o trabalho intensificado, precário, desregulamentado e flexibilizado já constavam como “elementos cruciais na equação do desenvolvimento do capitalismo no Brasil.” (Bosi, 2007, p.1506). Mas, vale ressaltar que, certamente ele não estava presente na universidade pública, pelo menos na medida que

apresentou seu desenvolvimento no contexto do setor privado na década de 1990 de maneira tão acentuada quanto esta última.

É importante notar que a precarização não está sendo tomada pelo autor apenas como flexibilização ou ausência de contrato trabalhista, mas como mudanças na própria rotina docente que tornam-na mais intensa, e o processo de desvalorização do trabalho docente. Embora haja aspectos contratuais que configurem a precarização – quando Bosi aponta universidades nordestinas que flexibilizaram a contratação ou não possuem Plano de Carreira ou mesmo cita o caso da UNESP que criou o cargo de professor conferencista, contratado por três meses, o foco maior do artigo recai mesmo sobre as mudanças de rotina. Seu ponto de vista será a partir da implementação da visão produtivista sobre o professor e sua produção, inclusive no seu processo formativo. Sem utilizar-se deste termo, sua crítica recai sobre o sistema de metas ao qual o docente passou a ser cobrado e valorizado dentro das universidades públicas, que são, predominantemente, “universidades de pesquisa”, como observou Durham (2002).

A política que a partir dos anos 90 empurra a universidade brasileira para maior produtividade foi tomada como reflexo puro e simples do princípio produtivista, que considera qualidade como quantidade, o que nos parece uma distorção. Nem tudo nesta política é desastroso – a ideia da avaliação também não, mas a proposta e sua apresentação diante das condições de realização do trabalho docente geram desconforto e produtivismo no âmbito das universidades. Nem toda avaliação docente é quantitativa e nem toda avaliação qualitativa é boa e justa, mas vemos uma cobrança intensa por produções “em série” de teses e dissertações, além de artigos e pesquisas que não promovem o conhecimento refletido, mas sim uma “massa de novas informações”.

Em nosso entendimento, Eunice Durham (2002) consegue trazer determinada visão do atual funcionamento da universidade pública, dando uma ideia melhor da estrutura universitária e da racionalidade de seus recentes sistemas avaliativos. Segundo ela, o modelo USP é o de uma universidade voltada à pesquisa, o que é extremamente caro e demanda muitos recursos. A avaliação de seu desempenho tem sua justiça, quando se refere à distribuição dos recursos e afirma que:

Quem trabalhou no sistema federal, como eu, sabe que o nível de irracionalidade é intolerável quando se verifica que instituições sem nenhuma produção científica e com número irrisório de alunos têm orçamentos maiores do que outras nas quais a matrícula é elevada e a pesquisa está consolidada. (...) Não estou defendendo um produtivismo capitalista para as instituições públicas de ensino superior: defendo apenas maior racionalidade no uso de recursos públicos, com um sistema de avaliação permanente para evitar mão-de-obra ociosa e gastos desnecessários a fim de canalizar verbas para ampliação do atendimento à população e a provisão de melhores salários. (p.43)

Compreendemos, portanto, como necessária uma diferenciação entre tornar a universidade mais produtiva e a lógica do produtivismo que introduz metas elevadas demais, cobranças irracionais e toma qualidade como quantidade, transformando este sistema universitário num “balcão de vendas” em que as competências são medidas e avaliadas por metro.

Assim, as referências e as discussões, além das observações no cotidiano da formação de professores, levam à consideração de que um fator importante que tem interferido significativamente na formação de professores é a deterioração da rotina de trabalho do professor o tornando precário, o que vai ao encontro das ponderações de Mancebo, Maués e Chaves (2006), já mencionadas como o aumento na carga de horas em sala, a falta de autonomia no processo de ensino, a falta de valor do docente diante da instituição e dos alunos (descartabilidade do professor, falta de suporte institucional em questões disciplinares, clientelismo etc.), as exigências descabidas no processo de aprendizagem (ex. ter de elevar a nota do curso do Provão ou do ENADE sem condições reais de trabalho para isso), além dos dilemas éticos constantes (como afrouxar requisitos acadêmicos mínimos para com os alunos, uso de material apostilado etc.) e pouco estímulo ao desenvolvimento profissional, inclusive gerando sentimentos negativos nos próprios alunos que estão sendo formados.

Neste campo, França e Lucena (2009) afirmam que “na busca de melhoria da qualidade de educação houve na verdade uma transposição do viés ideológico empresarial para o setor educacional tais como: processo de flexibilização e precarização das relações de emprego e trabalho.” (p.10), no qual podemos notar ainda a afirmação de que, a partir da reforma dos anos 90, houve uma expansão de instituições privadas “organizadas como empresas comerciais, nas

quais inexistem condições para a produção de conhecimento e onde o ensino volta-se para a formação em carreiras que exigem pequenos investimentos [...]” (p.15-16).

Assim parece-nos clara a transformação da universidade, conforme apontada no capitulo anterior em organização, ou “universidade operacional” conforme aponta Marilena Chauí (1999) interferindo diretamente na formação que acontece no seu interior e tornando precário, não apenas o trabalho dos professores, mas distanciando também qualquer possibilidade formativa no âmbito destas “instituições”, que cada vez mais se caracterizam pela presença das condições sociais nas quais estão inseridas.

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