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Formação de professores mediante alterações do panorama

3. SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

3.1. A formação docente e a realidade do ensino superior brasileiro pós-LDB

3.1.1. Formação de professores mediante alterações do panorama

O docente passou a ser visto como um trabalhador do sistema produtivo-industrial, deixando de lado a questão da formação do intelectual e da diferenciação do seu trabalho, também intelectualizado. Um risco frequente é a adoção de “técnicas de dar aula” e a utilização desta como formação única para que substitua a construção de uma consciência crítica e autônoma, no âmbito da possibilidade de formação do professor. Estas questões conforme apresentadas no capitulo anterior que discute a pseudoformação podem demonstrar que a manutenção da técnica pela técnica, sem que esta seja vista como instrumento de formação possibilita simplesmente a instrumentalização do professor e não uma possibilidade formativa de maneira ampla e emancipada.

Mas, vale ressaltar que essa discussão não pode ser ampliada de maneira distanciada da sociedade na qual ela se insere, inclusive, pois não depende apenas de determinações pedagógicas (como já apontou Adorno (1959/1972) no texto da Teoria da Pseudoformação), mas sim de uma configuração maior marcada pelo próprio contexto social e político no qual o processo educativo está inserido. Comentando também essa relação entre o contexto social e institucional na formação docente Gatti (2011, p. 23) contribui para a compreensão do panorama afirmando que:

[...] nas sociedades contemporâneas, o individuo é elemento considerado como essencial para a organização sociopolítica, e a realização dessa condição funda-se na ideia dos direitos humanos. A educação consagrada como direito subjetivo inalienável das pessoas encontra, nesse cenário, seu grande suporte, e as fortes reivindicações e as lutas por uma educação de qualidade para todos é a expressão da busca por esse direito. A análise e o questionamento de políticas implementadas por diferentes níveis de governo, em um país de constituição federativa como é o Brasil, traduzem novas perspectivas de vida e demandas sociais.

A autora aponta uma possibilidade de reflexão sobre os motivos que levam o indivíduo a buscar e requerer sua formação, independente das condições, como direito que deve ser respeitado, mas incapacitado de refletir sobre a própria formação acaba, mais uma vez, enganado pela falácia dos cursos atuais (tanto no ensino superior, como um todo, quanto também nas licenciaturas, em particular). Sabemos também que a precarização no processo formativo se dá pelas políticas que favorecem a própria mercantilização da educação, não apenas como formação, mas como produto oferecido para atender a esta “nova demanda”.

Todo o processo de mercantilização da educação, bem como a transformação da educação em mercadoria, tem suas raízes tanto em práticas sociais e econômicas, como também ficam sugestionadas nas leis e textos presentes em documentos oficiais. Esse processo afeta a constituição do trabalho docente, bem como a própria formação dos professores visto que o contexto altera não apenas o trabalho, mas como também as finalidades exigidas da formação. Assim, Mancebo, Maués e Chaves (2006, p. 47) chamam a atenção para o fato de que

[...] cabe destacar que as atividades docentes se vêem duplamente atingidas pelas novas ordenações assumidas pelo Estado brasileiro e as decorrentes políticas implementadas para a educação superior: por um lado, o docente é configurado enquanto trabalhador de um sistema produtivo-industrial, imerso numa nova organização do trabalho; por outro lado, o produto do seu trabalho – “força de trabalho competente” e “tecnologia e conhecimento científico”, fundamentais na dinâmica do novo funcionamento socioprodutivo – também é afetado.

Como características deste processo, Mancebo, Maués e Chaves (2006, p. 47) continuam demonstrando que surgem algumas outras consequências que podem aqui serem apresentadas

como: a precarização do trabalho, a intensificação do regime de trabalho (aumentando o sofrimento subjetivo, neutralizando a mobilização coletiva e aprofundando o individualismo competitivo), a flexibilização do trabalho (desempenhando diversas funções que antes eram feitas por outras pessoas e gerando assim um excesso de tarefas), a submissão a rigorosos sistemas avaliativos (buscando medir a eficiência do professor e sua produtividade que são objetivadas em índices publicados como marca da competência – tanto do professor do ensino superior quanto do professor da educação básica), o ensino e neoprofissionalização do sistema de educação, especialmente a superior e a produção de conhecimento economicamente útil, ou seja, comercializável. A ação docente se percebe inserida num contexto de prevalência da racionalidade instrumental, valorizando apenas os aspectos relacionados com a técnica como formação de professores.

Grande parte das instituições de ensino superior não acompanhou o preceito da lei (de atendimento à formação com bases calcadas no ensino e na pesquisa) e manteve o ensino universitário de transmissão informativa e reprodução de saberes, sem estrutura para pesquisa e pós-graduação consolidadas, com exceção de algumas grandes universidades, públicas em sua maioria. Isso se deveu também ao fato de que a obrigatoriedade se mantém para as universidades, que não são (pelo menos no conjunto brasileiro) o conjunto da maioria dentre as IES (Instituições de Ensino Superior). Aliás, segundo dados do censo do ensino superior apenas 8% das instituições de ensino superior são universidades, sendo que 5,8% são centros universitários e 1,7 referem-se aos IFs e Cefets citados na apresentação deste trabalho. A partir destes dados, pode-se constatar também que 84,6% das instituições são configuradas como faculdades isoladas, cujo caráter privado prevalece. (BRASIL, 2014, p. 50).

Ainda como consequência de todo este processo a mercantilização da produção científica surge como resultado do processo de privatização e precarização do ensino superior e, consequentemente, da formação de professores e do trabalho docente. Os próprios pesquisadores tem que se ocupar em promover visibilidade à sua pesquisa e seu departamento para levantar fundos para si ou para a própria instituição, além do que a demanda do mercado pelo conhecimento não se refere a qualquer produção tecnológica e científica, mas àquela que direta ou indiretamente possa incrementar a concorrência intercapitalista. Durhan (2002) em um discurso afirma que:

Em nosso país essas universidades [referindo-se à pesquisa e à universidade crítica] precisam ser públicas por que as particulares são financiadas pela cobrança de matrículas, e se os alunos concordam em pagar pelo custo do ensino, certamente não concordarão em financiar a pesquisa, nem terão recursos para isso. As mantenedoras que lucram com o ensino não tem interesse em investir em pesquisa. (p. 38).

Desta forma, ela reafirma o Estado como financiador necessário de uma possibilidade de educação livre, tanto do mercado como também dos interesses privados. Ressaltando também que, por meio dessa afirmação, a autora confirma o fato de que as instituições privadas não estão interessadas em financiar a pesquisa e que, no âmbito da lógica do capital, a formação como tal perde seu valor e se torna precária. Mas aqui apresentamos algumas questões: Será realmente possível, diante da configuração atual do próprio Estado também marcado pelas características neoliberais? A formação em geral, e a formação de professores em particular, encontram saídas neste processo?

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