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A primazia do local e o ‘retorno do sujeito’: novas formas de abordar o

Secção 2. Do crescimento ao desenvolvimento: diferentes conceptualizações e

2.4. A primazia do local e o ‘retorno do sujeito’: novas formas de abordar o

que fornecem o principal enquadramento teórico à nossa posterior reflexão empírica, sendo que estão estreitamente ligados à emergência de dois conceitos fundamentais: o Paradigma Territorialista e a abordagem ‘a partir de baixo’ do Desenvolvimento.

2.4. A primazia do local e o ‘retorno do sujeito’: novas formas de abordar o Desenvolvimento

Em inícios dos anos 70 há uma ruptura com o pensamento vigente emergindo um novo paradigma de Desenvolvimento ‘a partir de baixo’ (Stöhr,1981). Esta abordagem parecia ser a única alternativa para os países mais pobres. Uma das questões que se coloca a estes países e suas regiões, é como iriam transformar os antigos padrões sectoriais e espaciais de Desenvolvimento ‘a partir de cima’ para incorporar os novos

elementos trazidos ‘a partir de baixo’ e, assim, reduzir as desigualdades sociais e espaciais que ameaçavam fragmentar o mundo.

O Desenvolvimento passa então a ser considerado um processo integral de alargamento de oportunidades, para os grupos individuais e sociais, mas também para as comunidades de pequena e média escala organizadas em territórios específicos, em que são mobilizados recursos e capacidades direccionados para a concretização de um bem comum a nível de políticas sociais e económicas.

Ao mesmo tempo, existe um aumento do incentivo a um desenvolvimento da auto- confiança destes países, que inicialmente se manifesta a nível da unidade nacional, mas nos anos 80 já se verifica também a nível regional e até comunitário (incidência nas comunidades rurais). Esta mudança de pensamento passa não só pelo esforço dos países abandonarem o antigo sistema de Desenvolvimento com concentração de poder, como também mudar o sistema de valores dominante que é orientado para objectivos materiais e racionais e apoiado por sistemas de organização e interacção de larga escala. Uma vez que o objectivo do novo paradigma é o total desenvolvimento dos recursos naturais e humanos de uma região, as estratégias alternativas de Desenvolvimento ‘a partir de baixo’ surgem, inicialmente, para satisfazer de uma forma equitativa as necessidades básicas de toda a população para, só depois, responderem a uma diversidade de objectivos de Desenvolvimento mais abrangentes, comprometendo uma maior participação por parte da respectiva comunidade.

O Desenvolvimento ‘a partir de baixo’ não significa uma negação dos objectivos de crescimento, o que seria inadequado perante as grandes necessidades materiais da maioria dos países em desenvolvimento. Baseia o seu crescimento económico na mobilização integrada dos recursos existentes a nível regional em vez de importá-los do mercado mundial.

Aposta, assim, na mobilização das capacidades endógenas, únicas capazes de fazer um levantamento de necessidades reais na procura de respostas adaptadas ao contexto. Mudanças no tecido societal induzidas por agentes externos não favorecem a criação de estruturas igualitárias, mas sim a imposição de modelos dominantes.

O novo paradigma de Desenvolvimento deve estar directamente relacionado com as condições culturais, históricas e institucionais do país ou região a que diz respeito. Não existe, portanto, uma receita única para a implementação destas estratégias, mas o

princípio orientador é que o Desenvolvimento do território deve ser baseado na mobilização dos seus recursos humanos, naturais e institucionais, sendo que existem elementos que são componentes essenciais para as estratégias de Desenvolvimento ‘a partir de baixo’, das quais destacamos: a introdução de novas estruturas territorialistas para favorecer o processo de tomada de decisão mais equitativo ao nível dos recursos humanos e naturais; dar prioridade a projectos para satisfação de necessidades básicas da população (comida, casa, saúde, entre outros); desenvolvimento de actividades produtivas; melhoria da comunicação entre meio rural e urbano; e promoção de uma estrutura societal equitativa e consciência colectiva.

A implementação de um novo paradigma ‘a partir de baixo’ só é possível graças à nova mudança de paradigma em meados dos anos 70: o paradigma Territorialista. A emergência de novas lógicas, para além de outros factores de espacialização, vem mergulhar o modelo do ‘fordismo’, vigente até então, numa profunda crise.

A falência do ‘fordismo’ foi inevitável pela sua falta de credibilidade, o que gera mudanças no início da década de 70, das quais destacamos: a falência dos mecanismos de regulação macro-económica e nacional que dão lugar ao incentivo de formas de regulação diferenciadas de base local; a desvalorização das economias de escala e externas após a descoberta das vantagens das economias das pequenas séries e da descentralização e/ou segmentação dos processos produtivos; e a rápida aceleração dos ritmos de informação e comunicação e revolução nas suas formas, tendo como principais consequências a mudança da ‘sociedade da matéria’ para a ‘sociedade de informação’.

Em termos espaciais estas e outras transformações vão traduzir-se numa crise de base territorial nacional e na emergência de novas territorialidades10. A expansão do capitalismo, enquanto sistema económico, social, político, cultural e, cada vez mais, de informação e comunicação, não era compatível com a rigidez de base territorial nacional.

Este defendeu o alargamento dos espaços de actuação da própria dinâmica da sociedade e foi em resposta a este crescimento além fronteiras que se verifica uma nova diversificação territorial, que conduziu à descoberta do espaço-território. A pouco e

pouco o capitalismo foi-se libertando da sua base nacional e afirmando-se, progressivamente, como inter-nacional, trans-nacional e mundial (Amaro, 1990:40).

É neste contexto que surgem processos de Desenvolvimento Descentralizado, ou seja, desencadeado ‘a partir de baixo’, assente nas capacidades endógenas das comunidades e em confronto com as lógicas e os agentes centralizadores e uniformizadores predominantes até então.

Surge assim a designação de Paradigma Territorialista, que destaca as novas dimensões territoriais do Desenvolvimento e a concepção de territórios diversificados, em oposição à de território. Por território entende-se o espaço apropriado, organizado e

reconhecido, de um ponto de vista político, social, económico e ideológico, por um grupo ou classe social em nome da população que nela habita e trabalha e com ele se identifica (Amaro, 1990:9).

Das principais características do Paradigma Territorialista destacamos: assentar numa visão integrada e diferenciada do Desenvolvimento; a importância das comunidades locais na identificação das suas necessidades e confiança nas suas capacidades para a definição do Desenvolvimento; a valorização das identidades regionais e locais; o estabelecimento de redes de solidariedade e de comunicação, formais e informais, económicas, culturais, sociais, políticas e institucionais entre comunidades, regiões, países e entre todas estas dimensões espaciais, numa perspectiva sistémica;

O paradigma Territorialista assenta na realização conjunta de quatro princípios fundamentais: Participação, Autonomia, Solidariedade e Diferença. A percepção dos diversos países e suas populações da existência dessa diferença na abordagem do Desenvolvimento, impulsiona a emergência de um trabalho sólido feito a partir da base, da vontade e da participação da população.

Este modelo é mais humano e valoriza o que cada cultura tem de melhor, sendo o seu Desenvolvimento baseado nas suas raízes e não em modelos importados. Ele emerge através do envolvimento dos indivíduos no seu próprio destino, da importância da análise micro e da valorização do saber endógeno.

Por todas as suas características adequa-se a muitos dos países em Desenvolvimento, que lutam pela reconstrução do seu tecido social, económico e político e onde a importação de modelos do exterior não é eficaz e apenas cria mais divisões e rivalidades.

No entanto, a implementação desta proposta originou críticas e um certo cepticismo por parte do mundo desenvolvido. A questão que se colocava era se a sua concretização significaria a redução das tensões e competição a nível internacional e se, assim, também surtiria efeito entre países, regiões e, em última instância, a nível individual.

2.5. O conceito de Desenvolvimento Comunitário como método prático alternativo