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Profissionalismo versus voluntariado: Conjugação de competências técnicas e

No documento Rádios comunitárias e desenvolvimento local (páginas 105-108)

Secção 4. As Rádios Comunitárias em Timor-Leste – Um exercício de liberdade e

4.5. Profissionalismo versus voluntariado: Conjugação de competências técnicas e

A selecção dos primeiros voluntários da RCL passou pelo contacto com jovens em idade escolar e a frequentar o sistema de ensino. Foram-lhes explicados os objectivos de uma RC e em que consiste o trabalho voluntário:

“Aos jovens (…) da Escola Secundária não fiz entrevistas porque os

conheço, são três alunos meus. O que fiz foi explicar-lhes o que é um voluntário, que não vai haver dinheiro para lhes pagar...” (E1)

Apesar de o trabalho voluntário não ser remunerado, os três jovens seleccionados para iniciar o projecto foram muito receptivos a participar:

“Receberam com muito entusiasmo esta oportunidade para desenvolver um

projecto que era a primeira vez no tempo de transição, porque no tempo da Indonésia não havia RC neste distrito. Eles percebem a importância da RC para a comunidade, e nos primeiros 3 a 6 meses eles trabalham com entusiasmo, têm formação…” (E1)

Passados três anos sobre o momento inicial de selecção, as opiniões relativas ao carácter voluntário, ou seja, não remunerado, dos colaboradores da rádio gera alguma controvérsia:

“sei que no mundo inteiro o voluntário não recebe, mas nós temos de nos

arranjar para pelo menos recebermos um subsídio” (E2)

A polémica é inevitável nesta questão. Como já referimos anteriormente, na sua génese, a constituição de uma RC prevê que esta seja mantida apenas com trabalho voluntário. O que acaba por acontecer em comunidade mais pobres, como é o caso de Lospalos, é que os colaboradores exigem remuneração em troco do seu trabalho. Para contornar esta situação, a comunidade internacional a operar no terreno leva a cabo um esforço para conseguir financiamento para subsidiar, pelo menos, a alimentação, as deslocações e o equipamento da RC, bem como uma recompensa simbólica para os voluntários.

De acordo com um dos entrevistados, a RCL define nos seus estatutos os direitos e deveres dos voluntários, sendo que estes:

“têm direito de usar o equipamento, para fazer programas, para discutir,

sugerir, dar opiniões. Têm o dever de cumprir esta constituição e estatuto”

(E1)

Se inicialmente todos os voluntários dos sub-distritos se mostram participativos, críticos e motivados, a tendência é que, a longo prazo, o comprometimento com o trabalho na rádio se desvaneça, diminuindo igualmente a necessidade de auto-aprendizagem:

“Seguir a experiência dos outro é fácil, mas a pessoa ter motivação para tal

voluntários, por exemplo o que está escrito neste flipchats na parede sobre o seu papel foram ideias deles, baseados nas partes positivas e negativas de ser voluntário…é que eles arranjam motivação, estando cientes e conscientes do seu papel. Mas agora quem pode continuar a dar ideias para os motivar? Com troca de ideias e não com lições. Mas este é um passo difícil, temos de ter novas estratégias.” (E1)

Neste contexto, o trabalho dos colaboradores permanentes da RCL passa também pela motivação dos novos colegas para que, mesmo depois de terminada a fase de formação inicial e independentemente das suas profissões, continuem a disponibilizar do seu tempo para o projecto comunitário comum:

“depois da ONU ir embora, temos de gostar das pessoas para que sejamos retribuídos e elas queiram continuar a colaborar connosco. Por mais que trabalham, eles dão sempre uma hora do seu tempo para o voluntariado.”

(FG/AC/PT)

De facto, a maioria dos voluntários da RCL desenvolvem paralelamente outras profissões, o que aumenta o esforço realizado para cumprir com os compromissos assumidos na rádio:

“Há voluntários que têm outros trabalhos, como eu por exemplo, que sou professor e tenho de estar presente no gabinete da educação mas o voluntário tem de garantir, tem de cumprir aquilo a que se compromete.”

(E1)

O saldo entre os direitos e deveres dos voluntários da RCL aparece, aos olhos dos actores auscultados, como desequilibrado, sendo que a exigência do trabalho jornalístico e a sua não remuneração, afiguram-se como elemento dissuasor do interesse de pessoas mais profissionalizadas:

“Orientamos todos para fazermos de tudo um pouco. Precisamos de

voluntários mais qualificados, o problema é arranjar quem queira ser voluntário. Para trabalhar em jornalismo é preciso paciência, vontade de trabalhar, com interesse em ajudar a comunidade, quando não se tem vontade e vocação para trabalhar para a comunidade é difícil.” (E1)

Os próprios elementos do Conselho da Rádio realçam a importância do pagamento dos colaboradores uma vez que desenvolvem um trabalho que consideram ser muito envolvente e exigente:

“É uma pena olhar para os voluntários, eles trabalham e muito, mas sem

remuneração.” (FG/AC/CR)

No que diz respeito aos voluntários, o pagamento pelo trabalho realizado pode não ser monetário, mas fá-los sentir bem em termos do reconhecimento da comunidade:

“Foi uma coisa extraordinária (...) a verdade é que pelo caminho alguém me reconhece e diz ‘lá vai o jornalista’”. (E3)

A principal crítica que os actores comunitários auscultados fazem ao trabalho dos voluntários da RCL, prende-se com a sua pouca permeabilidade às críticas e à mudança das práticas:

“A parte fraca dos jornalistas da RCL é que eles não gostam de receber

críticas acerca da forma como fazem a sua locução, por exemplo, que pode ser melhorada através daquelas caixas onde deixamos as críticas.”

(FG/AC/CR)

Apesar de identificada a dificuldade por parte dos jornalistas em incorporar as críticas, o profissionalismo dos voluntários da RCL é remetido para segundo plano dado que a motivação, comprometimento e persistência para trabalhar em condições por vezes adversas e em prol da comunidade, se afiguram como os atributos mais destacados. Podemos, assim, constatar que o objectivo de responder às necessidades da comunidade a partir das capacidades endógenas, é aqui atingido.

4.6. A importância da formação nos processos de Desenvolvimento Comunitário

No documento Rádios comunitárias e desenvolvimento local (páginas 105-108)