• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 Histórico da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes de São José

3.1 A primeira festa de Nossa Senhora dos Navegantes

Após o fim da dominação espanhola em Rio Grande, diversas famílias que estavam vivendo no Estreito vieram para São José da Guarda do Norte, e erigiram ali, em 1792, uma Capela em honra a Nossa Senhora dos Navegantes, naquela época subordinada à Matriz de Nossa Senhora da Conceição do Estreito (Aurora, 2003, p. 25). Em pesquisa documental no acervo da Matriz São José foi encontrado um ofício da Cúria Metropolitana da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, do ano de 1792, onde os moradores de São José da Guarda do Norte solicitavam que fosse erigida uma capela à Nossa Senhora dos Navegantes além da doação de duas casas. De acordo com a autora, devido às tempestades de areia e diminuição da população no Estreito, a Matriz passou a ser em São José do Norte no ano de 1822.

A primeira festa de Nossa Senhora dos Navegantes ocorreu no ano de 1811, época em que a capela desta invocação ainda era sucursal da Matriz de Nossa Senhora da Conceição do Estreito (COSTAMILAN e TORRES, 2007, p. 107). Não existia na península uma imagem da Virgem Maria que fosse denominada “dos Navegantes”, então, provisoriamente, foi utilizada para as primeiras procissões marítimas uma tela de Nossa Senhora do Rosário. De acordo com os autores, a data escolhida para que essa festividade acontecesse, a qual foi apoiada pelo vigário da povoação, foi 2 de fevereiro, data em que se comemora a apresentação de Jesus Cristo no templo e a purificação da Virgem Maria.

Supostamente a motivação para a realização da festa partiu de homens, operários, operadores de catraias, que faziam o embarque e desembarque dos navios que se encontravam fundeados no canal. Catraias são pequenas embarcações que podiam ser conduzidas por apenas um homem, responsáveis pelo transporte de pessoas e/ou produtos. Elas circulavam pelo canal, principalmente para desembarcar ou embarcar produtos nos barcos maiores, que não conseguiam se aproximar da margem pelo tamanho. Detalhes sobre as catraias aparecem no relato de Saint- Hilaire, em relato sobre São José do Norte:

Hoje fui passear na aldeia Norte, situada na extremidade da península que separa a Lagoa dos Patos do mar. Embarcações, chamadas catraias, movidas tanto a remo como a vela, servem para o transporte de pessoas entre o Rio Grande e o norte. Os habitantes da região distinguem esses dois lugares simplesmente pelos nomes sul e norte,

mas a aldeia do norte se chama, propriamente, São José do Norte (SAINT-HILAIRE, 1987, p. 67).

As catraias foram mencionadas por depoentes, pois deixaram de operar há poucas décadas. O Sr. Loreno Pastore, professor aposentado que escreveu o hino em honra a Nossa Senhora dos Navegantes, entrevistado em 05 de fevereiro de 2014 recorda:

Naquele tempo não tinha cais aqui na orla, os navios grandes não conseguiam atracar, só barcos pequenos. Os navios ficavam fundeados no meio do mar. As catraias faziam esse serviço, vinham e voltavam com os mantimentos, com os produtos, materiais de construção. Eu lembro, até poucos anos as catraias existiam, eu lembro o nome de três: Sambinha, Humaitá e Ferrari. Elas funcionavam à vela, à pano, hoje já não existem mais (Sr. Loreno de Lemos Pastore, criador do hino da festa de Nossa Senhora dos Navegantes, entrevistado em 05 de fevereiro de 2014).

Desta forma, no dia 2 de fevereiro de 1811, a tela de Nossa Senhora do Rosário foi levada em direção aos navios fundeados na lagoa, dos quais os tripulantes, em um gesto devocional, lançavam flores à tela da Virgem Maria. Logo as catraias regressavam e continuavam os ritos em homenagem à padroeira dos trabalhadores do mar. No decorrer dos anos, quando o tempo e o vento permitiam, as catraias estendiam esse percurso até a vila do Rio Grande, onde recebiam a benção litúrgica.

Durante o trabalho de campo, alguns depoentes reiteraram que esta tela de Nossa Senhora do Rosário ainda existia, que a mesma deveria ser inserida no trabalho pois representava o começo da festa. Um desses relatos foi do frei Natalino Fioroti, ex-pároco da Matriz São José, entrevistado no dia 08 de outubro de 2015, que também menciona a chegada da imagem de Nossa Senhora dos Navegantes:

Por falta de uma imagem de Nossa Senhora dos Navegantes inicialmente era levado um quadro, uma pintura a óleo. A tela era levada na procissão marítima. E da Bahia em 1875 veio a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes e de certa forma isso mexeu com Porto Alegre, tanto que eles começaram a fazer a festa lá também. Coincidem os anos, isso foi escrito naquele tempo (Frei Natalino Fioroti, antigo pároco da Matriz São José, entrevistado no dia 08 de outubro de 2015).

Após o segundo ano de pesquisa sobre a festa de Nossa Senhora dos Navegantes, conversando com funcionários e colaboradores da paróquia São José,

foi possível encontrar a tela mencionada no depoimento, guardada no interior da Matriz São José, a qual mereceria uma intervenção para consolidar seu estado de conservação, conforme a Figura 05:

Figura 5: Tela de Nossa Senhora do Rosário, conduzida na primeira Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, em 1811.

Fonte: Da autora.

A tela mede 1,16 x 0,71 centímetros e, quando foi encontrada, não estava disposta de forma a ser contemplada por visitantes da paróquia, mas alocada temporariamente em um canto do antigo batistério. Estava coberta de teias e mofo. Pode-se observar, tanto na parte superior quanto na parte inferior, o rompimento da tela, pois os buracos são nítidos. Encontrar a tela que foi conduzida na primeira procissão marítima de Nossa Senhora dos Navegantes, conseguindo assim unir o dado material, as informações textuais e os depoimentos orais coletados. Foi importante para dar força e fôlego à pesquisa, além de demonstrar o quão valioso é o trabalho de investigação e a necessidade de intervenção no sentido de restaurar um importante bem cultural local.

Encontrar a tela que foi conduzida na primeira procissão marítima de Nossa Senhora dos Navegantes, conseguindo assim unir o material às informações dos textos com os depoimentos coletados, foi importante para dar força e fôlego à pesquisa, além de demonstrar o quão valioso é o trabalho de investigação e a necessidade de intervenção no sentido de restaurar um importante bem cultural local. A documentação deste período do começo da festa, encontrada no acervo da Matriz São José, foi o Livro de eleição de Juízes e provedores do Santíssimo Sacramento e Nossa Senhora dos Navegantes (1814 – 1883). Neste livro foram anotados os integrantes da organização, bem como os nomes dos donatários da Irmandade a fim de arrecadar fundos para a construção da Matriz São José e outras necessidades da igreja para melhorar o atendimento pastoral. No livro não estão mencionados elementos de organização, de planejamento da festa, podendo-se aferir que a mesma não era organizada pela igreja e sim por leigos.