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5. PROCESSO INDIVIDUAL E PROCESSO COLETIVO

5.2 As ondas renovatórias de acesso à justiça

5.2.1 A primeira onda – A assistência judiciária gratuita

A primeira onda buscou o fortalecimento da assistência judiciária aos pobres, relacionada, pois, com o obstáculo econômico de acesso à justiça. A respeito, o inciso LXXIV do art. 5º da nossa Constituição da República impõe ao Estado o dever de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

Mas, como lembra Suzana Gastaldi91, desde o seu advento, em 5 de fevereiro de 1950, já dispôs a Lei nº 1.060, em seu art. 1º, que, independentemente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, os poderes públicos federal e estadual concederão assistência judiciária aos necessitados, tendo definido no seu art. 4º, que a parte gozará dessa assistência judiciária mediante simples afirmação de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.

Por meio da Lei Complementar 80, de 12 de janeiro de 1994, foi instituída a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e, no artigo 134 da CR/88,

a Defensoria Pública foi consagrada como “instituição essencial à função jurisdicional do Estado”, que, por ser uma garantia institucional, não pode ser suprimida do ordenamento

jurídico, destaca Paulo Bonavides.92

A respeito dessa primeira onda, merecem referência os chamados Juizados de Pequenas Causas, incialmente regidos pela Lei nº 7.244, de 7.11.84, revogada expressamente pelo art. 97 da Lei nº 9.099/95, Juizados que buscavam promover a conciliação e a solução mais rápida e barata, de modo informal, dos pequenos conflitos, que, no mais das vezes, interessam às pessoas necessitadas da população. Suas normas foram substituídas pela Lei dos Juizados Especiais– Lei 9.099/95, que, de forma criticável, no seu art. 9º, na suposição de que a norma poderia facilitar o acesso dos mais necessitados à justiça, tornou dispensável a representação do interessado por advogado, em primeira instância, nas causas de valor até 20 (vinte) salários mínimos, como se a presença do advogado fosse um empecilho ao acesso à justiça.

91GASTALDI, Suzana. As ondas renovatórias de acesso à justiça sob o enfoque dos interesses metaindividuais. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26413> Acesso em 20 jul. 15 e emhttp://jus.com.br/artigos/26143/as- ondas-renovatorias-de-acesso-a-justica-sob-enfoque-dos-interesses-metaindividuais#ixzz3ktRGYlGT, acesso em 05.09.15.

Já de acordo com o art. 10 da Lei nº 10.259, de 12.7.01, nos juizados federais, “as partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não”,

dispositivo ao qual o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, deu interpretação conforme, para excluir, do âmbito da sua incidência, apenas os feitos de competência dos juizados especiais criminais da Justiça Federal, reconhecendo a não obrigatoriedade da participação do advogado nos feitos, de valor até 60 salários mínimos, que lá podem se processar, de acordo com a competência definida no art. 3º da Lei.93

Estas normas, a nosso ver, são de manifesta inconstitucionalidade, por ofenderem, em primeiro lugar, o art. 133 da Carta Maior, que impõe a indispensabilidade do advogado à administração da justiça; em segundo lugar, por ofensa ao princípio da isonomia consagrado no art. 5º, caput e inciso I da CR/88, de que decorre a paridade de armas nos confrontos em juízo94. Em terceiro lugar, por ofensa à ampla defesa, com todos os meios e recursos inerentes, consagrada no art. 5º, LV da CR/88, pois exigem, no recurso inominado, previsto no art. 41 da Lei 9.099/95 (também aplicável aos juizados federais, ex vi do disposto no art. 1º

da Lei nº 10.259/01, que as partes sejam, “obrigatoriamente representadas por advogado”,

sendo certo que, sem conhecimento técnico específico, nessas pequenas causas, se vencida, exercendo, ela própria, a capacidade postulatória, a parte acaba não recorrendo ou recorrendo de forma deficiente e ineficaz, por presumido desconhecimento de causa. Em quarto lugar, os dispositivos em comento também ofendem o art. 5º, LXXIV da CR/88, que impõe ao Estado o dever da prestação de assistência jurídica gratuita integral aos carentes. Na verdade, a intenção do legislador, à época, foi a de fazer economia para os cofres públicos, permitindo à própria parte, nas pequenas causas, o exercício do ius postulandi, livrando o Estado da obrigação legal de custear a defesa dos carentes, nessas pequenas causas, através das Defensorias Públicas (com estruturação ainda carente no País), ou de remunerar os advogados dativos, onde não existam defensores públicos. O Supremo Tribunal Federal, porém, não reconheceu essa inconstitucionalidade95.

De acordo com Boaventura de Souza Santos, dados estatísticos indicam que os brasileiros menos favorecidos economicamente, mesmo quando creem ter direito a algo,

93STF, Pleno, ADI 3.168, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU 3.8.07.

94A experiência demonstra que geralmente só os necessitados costumam comparecer sem a representação por

advogados, nessas pequenas causas, nos Juizados, enfrentando, muitas vezes, poderosos fornecedores ou prestadores de serviço, representados por renomadas bancas de advocacia.

95“Não é inconstitucional a faculdade à parte para demandar ou defender-se pessoalmente em juízo, sem assistência de advogado, prevista no art. 9º da Lei nº 9.099/95” (STF, Pleno, ADI 1.539-7, relator Min. Maurício

mostram-se arredios e desconfiados e, em decorrência, não procuram a assistência jurídica gratuita, nem buscam a solução do conflito por meio dos juizados especiais. Para ele,

“experiências anteriores com a justiça, de que resultou uma alienação em relação ao mundo

jurídico (uma reação compreensível à luz dos estudos que revelam ser grande a diferença de qualidade entre os serviços advocatícios prestados às classes de maiores recursos e os prestados às classes de menores recursos), por outro lado, uma situação geral de dependência e de insegurança que produz o temor de represálias se se recorrer aos tribunais”96.

A propósito da pertinência dessa última razão encontrada por Boaventura de Souza Santos, lembramos que não há pagamento de despesas nos juizados especiais (art. 54), mas, segundo o disposto no art. 42, § 1º da Lei nº 9.099/95, na hipótese de interposição do recurso

inominado do art. 41, a parte vencida deve fazer o respectivo preparo, pagando “todas as

despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita” (parágrafo único do art. 54), “sob pena

de deserção” (§ 1º do art. 42). Em outras palavras, como se a lei, de fato, estivesse a ameaçar

o litigante: Nos juizados, você não paga nada, mas, se recorrer da decisão desfavorável, deverá pagar todas as despesas e, mesmo que provido o recurso, não há previsão legal do respectivo reembolso.