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4.8 A CVRD na Véspera de sua Privatização

4.8.1 A Privatização da Companhia Vale do Rio Doce

A febre da privatização e o impulso ao chamado neoliberalismo teve seu ponto de partida na Inglaterra, com a primeira-ministra Margaret Thatcher. Entretanto, na Inglaterra de Thatcher, nos anos 80, a privatização não representou a doação de empresas estatais a preços baixos, a poucos grupos empresariais como o caso do Brasil de Fernando Henrique Cardoso. Ao contrário, seu objetivo foi exatamente a “pulverização” das ações, isto é, transformar o maior número possível de cidadãos ingleses em “donos” de ações, acionistas das empresas privadas. Pouco mais tarde, a Itália também partiu para a privatização. Como na Inglaterra, houve a preocupação de “democratizar”, garantir a distribuição do patrimônio nacional, evitar a concentração da renda (BIONDI, 1999).

Segundo Tavares (1997), os projetos de privatização das grandes empresas estatais brasileiras, feitos sem regras e sem modelo explícito, conduziram a uma liberalização indiscriminada e desestruturante dos setores estratégicos.

Mais que qualquer outra empresa estatal, o processo da privatização da CVRD foi marcado por intenso debate público e embate político. Tratava-se da maior desestatização não só do Brasil como na América Latina (MYRINK, 2002).

De todos os argumentos esgrimidos pelo Governo para justificar a venda da Companhia Vale do Rio Doce, não existiu um só que tivesse um mínimo de consistência técnica, econômica ou social. Ou eram manifestações abstratas de fundamentalismo ideológico, do tipo "é preciso concluir o processo de reforma do Estado", "a presença do Estado em atividades empresariais é coisa do passado", "é necessário sinalizar para os investidores externos o firme compromisso do País com a privatização" e outros dogmas do pensamento neoliberal; ou eram falsificações primárias da realidade, como "abater o estoque da dívida pública, diminuir o déficit fiscal, liberar recursos e capacidade gerencial para a área social", e outras invencionices similares (TAVARES, 1997).

Para situar a discussão num plano mais sério, é conveniente recordar que nessa época (1997) a Vale era um dos poucos sistemas globais que o País possuía, com capacidade autônoma de atrair investimentos e financiamentos externos, de realizar parcerias estratégicas e de manter uma inserção competitiva num mercado internacional altamente oligopolizado. Até então, eram mais de 60 empresas nacionais e

internacionais articuladas num enorme complexo, operando em 10 Estados brasileiros, tinha clientes em mais de 30 países, portanto, a CVRD era não somente o maior exportador de bens primários do País, como também o maior exportador mundial de minério de ferro (TAVARES, 1997).

Ainda que a produção, beneficiamento e transporte de minério constituíssem o núcleo central de suas operações, a Vale era, como é até hoje, muito mais do que uma empresa mineradora. Na realidade, o desenvolvimento de suas atividades configurou, ao longo do tempo (como foi visto anteriormente), um verdadeiro sistema logístico integrado vertical e horizontalmente.

Estas características da Vale – sua importância como vetor de dinamização econômica e integração produtiva nacional, em particular – tornavam-na uma das ferramentas fundamentais para o planejamento estratégico do desenvolvimento brasileiro. Neste sentido, privatizar a Vale não significaria somente desmembrar um complexo altamente produtivo e eficiente, ou alternativamente, transferir para o capital externo, a preços promocionais, um gigantesco patrimônio da Nação construído ao longo de mais de cinco décadas; significou basicamente abrir mão de um instrumento essencial, desmontar o que restava de capacidade autônoma de decisão político- econômica do Estado brasileiro e pretender deixar aos caprichos do mercado e do capital externo o destino do País e de instrumentos estratégicos como a Companhia Vale do Rio Doce (Tavares, 1997). Como explicar a falta de reação da sociedade?

Sem sombra de dúvida, os meios de comunicação, com seu apoio incondicional às privatizações, foram um aliado poderoso. Houve a campanha de desmoralização das estatais e ladainha do “esgotamento” dos recursos do Estado. Mais ainda, a sociedade brasileira perdera a noção – se é que hoje a tem – de que as estatais não são empresas de propriedade do “governo”, que o Estado é mero gerente dos bens, do patrimônio da sociedade, isto é, que as estatais sempre pertenceram a cada cidadão, portanto a todos os cidadãos, e não ao governo federal ou estadual. Essa falta de consciência coletiva, reforçada pelos meios de comunicação, explica a indiferença com que a opinião pública viu o governo doar por 10 o que valia 100. Assim, a Vale acabou sendo vendida por apenas R$3,3 bilhões (BIONDI, 1999).

A privatização da CVRD ocorreu em maio de 1997, quando a Valepar S.A. venceu o leilão promovido pelo Governo Federal, adquirindo o controle da Companhia. Após essa etapa da privatização, o Governo Brasileiro e o BNDES – Banco Nacional de

desenvolvimento Econômico e Social, juntos passaram a deter 32% das ações ordinárias e 4% das ações preferenciais classe A da CVRD. Em março de 2002, na fase final do processo de privatização, o Governo Brasileiro vendeu ações ordinárias representativas de 32,1% do total de ações ordinárias da CVRD em circulação (MAYRINK, 2002). Foi, então, realizada a terceira e última etapa do programa de privatização da CVRD, através da oferta de venda global das ações ordinárias detidas pelo Governo Federal e pelo BNDES (A Vale do Rio Doce: http:// www.cvrd.com.br).

Segundo Marcus Vicente, citado por Tognolli (2005), desde sua privatização, a Companhia Vale do Rio Doce vem agindo de forma predatória no mercado nacional de minérios, abusando de sua condição de concessionária de serviço público. Na opinião de Marcus Vicente (apud TOGNOLLI, 2005), “a CVRD tem praticado todo tipo de abuso do poder econômico contra as pequenas mineradoras e empresas exportadoras, sufocando a concorrência e dominando o mercado de forma desleal e sem limites. O seu poder de controle se estende a aproximadamente 70% da malha ferroviária nacional, incluindo as ferrovias de que é proprietária e aquelas das quais é sócia. Assim, as demais mineradoras são expelidas do mercado, ao serem impedidas de escoar a sua produção pelas ferrovias controladas de forma arbitrária e iníqua pela CVRD, que obriga os demais concorrentes a se submeterem a contratos leoninos”.

Atualmente, o BNDESPAR, subsidiária integral do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), detém aproximadamente 7,1% das ações ordinárias e 0,7% das ações preferenciais classe A da CVRD, todas em circulação. O Tesouro Nacional atualmente detém, cerca de 3,7% das ações preferenciais classe A em circulação (desconsiderada a participação do BNDESPAR mencionada acima), e três ações de classe especial (golden shares), que lhe conferem poder de veto sobre algumas propostas. Além da participação mencionada acima, o BNDESPAR também possui ações da Valepar S.A., acionista controlador da CVRD (Id).

Para encerrar, importa mencionar, a título de exemplo ilustrativo de uma empresa inteiramente estatal, a CODELCO (Corporación Nacional del Cobre) do Chile que, a despeito de ser Estatal (100%), é a principal produtora de cobre do mundo e, ademais, uma das maiores empresas do Chile, conforme informações e dados colhidos no site da própria empresa ( www.codelco.com). A CODELCO é propriedade do Estado Chileno, portanto, seus donos são todos os Chilenos.

4.9 A Companhia Vale do Rio Doce como Empresa Privada