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A produção efetiva de novos “quilombos” a partir de 1995

As comemorações relacionadas ao Dia Nacional da Consciência Negra e ao tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares em 1995, fazem parte do contexto onde o arcabouço conceitual sistematizado pela Carta da ABA toma forma, motivando inclusive a realização de encontros, debates, pesquisas e a produção de novos dispositivos legais (FIGUEIREDO, 2008).

Foi neste cenário de discussões e debates que a Senadora Benedita da Silva, no dia 11 de maio de 1995, apresentou um projeto de Lei ao Senado (nº 12948) com o objetivo

de regulamentar “o procedimento de titulação de propriedade imobiliária aos remanescentes das comunidades dos quilombos, na forma do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. Como havíamos afirmado anteriormente, o Artigo 68 do ADCT não tinha sido regulamentado até então.

48 Vale ressaltar que este foi vetado em 2002, sob alegação de inconstitucionalidade, o que deu razão as

ideias presentes no Decreto nº. 3.912, de 10 de setembro de 2001, como veremos (Despachos do Presidente da República - Mensagem n. 370).

O projeto é caracterizado pela comissão que o discutiu inicialmente, como de grande “alcance social, uma vez que objetiva preservar a história, a cultura, a luta e a memória dos remanescentes dos quilombos e a sua contribuição para a formação da identidade nacional” (DA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, 2002, p. 2).

No entanto, para Arruti (2006), o discurso da Senadora Benedita da Silva, que havia participado da idealização do Artigo 68 do ADCT e agora deste Projeto de Lei, demonstrava que a questão fundiária relacionada às comunidades “quilombolas” tinha ficado em um segundo plano. Isto porque a definição de direitos para “quilombos” – que a mesma acreditava serem históricos – estava ligada a ideia de sensibilizar o campo do Estado para questões raciais e culturais e não especificamente para questões de ordem fundiária.

Outro Projeto de Lei (nº 627) protocolado em 14 de junho de 1995, pelo Deputado Alcides Modesto (PT/BA), também especificava a necessidade de efetivação do Artigo 68 do ADCT e indicava a FCP como principal órgão capaz de conduzir as titulações territoriais. Este Projeto tramitou durante quatro anos na Câmara dos Deputados e foi arquivado em 1999.

Segundo Arruti (2006) o maior problema do Projeto de Alcides Modesto era que, com ele, a FCP – órgão do Ministério da Cultura – passaria a concentrar todos os procedimentos de titulação. Mas a “questão quilombola” era também uma questão fundiária. Por isso, a competência para administrar as titulações territoriais deveria ser compartilhada com o INCRA e não centralizada na FCP.

Segundo Figueiredo (2008), as novas interpretações relacionadas aos “quilombos contemporâneos”, conjunturais ao documento preparado pela ABA e por estes Projetos de Lei vão ser legitimadas a partir de uma Portaria do Ministério da Cultura (nº 25, de 15 de agosto de 1995). Este documento traz em seu 1º artigo:

As normas que regerão os trabalhos de identificação e delimitação das Terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, de modo geral, também autodenominadas Terras de Preto, a serem procedidos por Grupo Técnico, como partes do processo de titulação,

nos termos desta Portaria.

A Portaria também atribuía à Fundação Cultural Palmares (FCP) a obrigação de publicar outra Portaria, designando um “Grupo Técnico responsável pelo trabalho de identificação e delimitação da comunidade remanescente de Quilombo”, a partir de estudos “etnohistóricos e sociológicos, precedidos de pesquisa documental e

bibliográfica”, com o objetivo de levantar o histórico de ocupação da terra, memória do grupo e outros elementos que fossem importantes para identificar tais comunidades49.

Ainda no ano de 1995, uma Portaria do INCRA50 (n. º 307, de 22 de novembro),

afirmava a responsabilidade deste órgão em efetivar a titulação dos territórios “quilombolas”, já que a administração das terras públicas desapropriadas por interesse social, discriminadas e arrecadadas em nome da União Federal, bem como a regularização de ocupações na forma da lei, estaria a encargo deste órgão em qualquer outra situação.

Assim, o 1º Artigo da Portaria nº 307 do INCRA determinava que:

As comunidades remanescentes de quilombos, como tais caracterizadas, insertas em áreas públicas federais, arrecadadas ou obtidas por processo de desapropriação, sob a jurisdição do INCRA, tenham suas áreas medidas e demarcadas, bem como tituladas, mediante a concessão de título de reconhecimento, com cláusula "pro indiviso", na forma do que sugere o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. Para Figueiredo (2008) é importante notar que essas duas Portarias, influenciadas pela perspectiva que estava sendo desenhada pelos antropólogos, passam a se dirigir aos sujeitos de direitos em voga, como “comunidades remanescentes” e não como “remanescentes de quilombos”, além de citar as “Terras de Preto” categoria criada por Almeida (1989).

Tudo isso, mostra que o campo da ciência social havia contribuído com suas interpretações para uma nova orientação da posição do Estado para com os grupos “quilombolas”, entendendo a propriedade da terra como um direito coletivo e não individual (a leitura inicial do Artigo 68 do ADCT nos remetia a essa segunda ideia).

Diante dessas novas interpretações, fora do campo do Estado, já era possível perceber outro núcleo se formando, com vistas a reivindicar os direitos que estavam a emergir através desta nova configuração. No Maranhão, por exemplo, no ano de 1995, ocorreu o I Encontro das Comunidades Negras Rurais, promovido pelo Projeto Vida de Negro. Neste primeiro encontro, foi criada a Articulação Nacional Provisória das Comunidades Negras Rurais Quilombolas.

Já no ano de 1996, durante um Encontro de Avaliação do I Encontro Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas, realizado na Bahia, surge à Coordenação

49 Governo Federal - Ministério da Cultura - Fundação Cultural Palmares - Portaria nº 25, de 15 de agosto

de 1995. Disponível em: <http://www.koinonia.org.br/OQ_temp/Portaria.htm#01>. Acesso em 30-05- 2014.

Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas51 (CONAQ), que

substituiu a Comissão Nacional provisória das Comunidades Negras Rurais Quilombolas. A CONAQ passou a partir daí a atuar como um movimento social.

A narrativa de Arruti (2006) aponta que essa articulação já contaria com a presença de outros estados como São Paulo (por meio da comunidade de Ivaporunduva), Pernambuco (via a comunidade de Conceição das Crioulas) e Sergipe (com a comunidade do Mocambo). Neste contexto, a rede de interlocutores que se voltava para o Artigo 68 do ADCT se expandia.

Em 1995, diante do conhecimento das novas normativas, que já haviam se espalhado por comunidades “negras rurais”, através dos mais variados interlocutores (movimento negro, ONGS, igrejas, antropólogos e tantos outros), é que estas interpretações são utilizadas para operacionalizar a primeira titulação de uma “comunidade remanescente de quilombo” pelo INCRA. No caso, a de Boa Vista, situada na região do Alto Trombetas, no município de Oriximiná, Estado do Pará. A segunda comunidade a ser titulada foi a de Água Fria, vindo logo depois Pacoval – todas neste mesmo estado da federação.

Estes territórios, assim como outros que foram sendo titulados entre 1995 e 2000 (totalizando 31 territórios, somando as titulações territoriais estaduais e federais), tiveram o direito adquirido sobre suas terras, sem que houvesse uma norma reguladora ou uma legislação infraconstitucional que regulasse tal ação. As titulações teriam sido realizadas contando apenas com peças normativas (as Portarias) de dois órgãos: o INCRA e a FCP (FIGUEIREDO, 2008).

Concomitantes a emissão do título de propriedade da terra da comunidade de Boa Vista, outros processos de titulação também foram iniciados. Entre eles estavam o da comunidade de Frechal (MA), Rio das Rãs (BA) e Ivaporunduva (SP). Essas comunidades entraram no rol de possíveis beneficiários do Artigo 68 do ADCT, pois, já haviam ganho visibilidade por terem sido objeto de estudo das ciências sociais e por possuírem, de alguma forma, ligação com o Movimento Negro, ou outras entidades ligadas a causa “quilombola” (OLIVEIRA, 2009).

Vale ressaltar que estes títulos emitidos nos anos 1990 possuíam matrizes legais distintas, havendo processos desenvolvidos pela FCP, pelo INCRA e mesmo por órgãos estaduais (especificamente o Instituto de Terras do Estado de São Paulo – ITESP). Este

51 A CONAQ é composta até os dias atuais pela união das organizações quilombolas nos níveis estaduais e

dado demostrava a indefinição normativa que emanava do dispositivo e a ausência de consenso em relação às formas possíveis de sua operacionalização. (OLIVEIRA, 2009, p. 70).

Essas imprecisões, foram equacionadas no Projeto de Lei nº 3.20752 que foi

elaborado em 1997 e consolidava um substitutivo, alterando o Projeto de Lei anterior (nº 129 de 1995, que fora apresentado pela Senadora Benedita da Silva). No entanto, este somente foi votado em 2001 (tendo sido posteriormente vetado pela Presidência da República, como veremos mais a frente).

O Projeto de Lei nº 3.207/1997 caminhava para um processo de interpretação que parecia finalmente buscar uma forma de organizar a legislação pertinente ao Artigo 68 do ADCT. Entretanto, em seu texto, os legisladores ainda remetiam os “remanescentes de quilombos” a aspectos humanos, materiais e sociais dos antigos quilombos, mas, ao mesmo tempo, abriam a possibilidade da existência de quilombos não só rurais, mas, também urbanos.

A novidade que este Projeto de Lei trazia, estava no fato de que a comunidade “negra rural” que entrasse com um pedido de titulação territorial como “quilombola” deveria ter um “representante53 responsável pela apresentação e justificação das razões

do seu pedido de reconhecimento dos direitos à posse da terra pleiteada” (PROJETO DE LEI Nº 3.207 DO DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1997, p. 61). Além disso, os legisladores relacionaram o Artigo 68 do ADCT com o Artigo 216 da Constituição, ou seja, integravam as comunidades “quilombolas” ao Patrimônio Cultural brasileiro.

A cada debate, discussão e tentativa de criação de dispositivos legais a “questão quilombola” ganhava cada vez mais visibilidade. No entanto, a regulamentação dos processos para titulação das terras trazia em seu bojo indefinições e falhas que faziam com que o Artigo 68 do ADCT não se relacionasse com a realidade das coletividades que buscavam a titulação de seus territórios. Isto porque, o Projeto de Lei nº 3.207/1997 ainda remetia ao “quilombo histórico”, enquanto que, aqueles que demandavam a titulação, eram “quilombos” contemporâneos, no sentido ressignificado pelos antropólogos.

No ano de 1998, é a Carta de Santarém, que se destaca como responsável por trazer novas interpretações e reforçar a urgência de se efetivar o direito territorial dos “remanescentes de quilombos”. Constituída a partir do II Encontro Nacional sobre a

52 Disponível em:< http://www.congressonacional.leg.br/portal/veto/1335>. Acesso em 30-05-2014. 53 Este modelo será “aperfeiçoado”, anos mais tarde, na figura das Associações quilombolas, como veremos

Atuação do Ministério Público Federal na Defesa das Comunidades Indígenas e Minorias, promovido no mês de abril de 1998; esta carta declarava que era necessário a adoção de medidas imediatas para a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades de quilombos, na forma que lhes é garantida pelo Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Assim, o Ministério Público reforçou sua posição enquanto órgão competente para promover a proteção de direitos relacionados a defesa de minorias e declarou ser prioritária a sua atuação para que a titulação dos territórios “quilombolas” fosse realizada. O interessante a se notar é que na Carta de Santarém, essas comunidades são enquadradas de forma mais visível na categoria de “comunidades tradicionais” (o Projeto de Lei nº 3.027 de 1997, também apresentava indícios desta perspectiva).

Essa categorização contribuía com elementos próprios para reforçar a perspectiva de que os “quilombolas” eram grupos diferenciados e, assim como os indígenas, deveriam ter acesso a uma política própria. Afinal, na década de 1990, era possível observar uma tendência em aliar a defesa da diversidade cultural com os chamados direitos fundamentais.

Isto porque, no contexto global, diversos países já haviam reformulado direitos e políticas no sentido de propor aos diversos grupos sociais, portadores de identidade étnica e coletiva, proteção social e reconhecimento. Este quadro de mudanças, configurado por acordos, convenções e declarações54 ao longo de décadas, atribuiu à diversidade cultural

de diversos países o status de “patrimônio comum da humanidade” (SHIRAISHI NETO, 2007, p. 123).

De acordo com o autor acima citado, a busca pelo reconhecimento jurídico e social de povos e comunidades tradicionais ganhou reforço a partir de instrumentos elaborados por agências multilaterais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização das Nações Unidas (ONU), e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). No bojo desses acontecimentos, os direitos culturais passaram a ser integrantes dos direitos humanos, influenciando diversos instrumentos normativos.

54 Podem ser citados o acordo de Florença de 1950, a Declaração dos Princípios de Cooperação Cultural

Internacional de 1966, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural de 1972, a Declaração da Unesco sobre a Raça e os Preconceitos Raciais de 1978, e a Convenção 169 da OIT assinada em 1989 (SHIRAISHI NETO, 2007).

No Brasil, esses direitos ganham um contorno mais preciso após a Constituição de 1988. Devemos ressaltar o Decreto Legislativo nº 143 de 200255 (mas que somente

entrou em vigor em 2004 através do Decreto nº 5.051/2004), em que o texto da Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígena e Tribais – de junho de 1989 – passa a ser incorporado ao nosso ordenamento jurídico.

A Convenção apresentava a possibilidade de garantia de direitos a grupos sociais que fossem identificados como portadores de condições que apontassem para diferenças ou distinções em relação ao conjunto da população nacional. Na medida em que a Convenção 169 era um Tratado que listava direitos tomados como fundamentais, este foi incorporado a Constituição de 1988, devido a sua natureza hierárquica como norma constitucional de aplicação imediata56.

Este Tratado, reafirmava que “o conhecimento tradicional pertence aos povos e comunidades tradicionais e que esses têm o direito de dispor à sua maneira e na medida de seus interesses, cabendo ao Estado reconhecer e proteger essa relação” (SHIRAISHI NETO, 2007, p. 42). Estes saberes ambientais, ideologias e identidades coletivamente criados e historicamente situados constituem o que Little (2001) acabou nomeando como “cosmografia”.

Apesar da Convenção 169 trazer questões relacionadas “aos povos indígenas e tribais”, e parecer restringir neste título os direitos de que tratava, esta, todavia, alargou as possibilidades de inclusão de outros grupos sociais. O texto da Convenção caracterizou grupos indígenas como povos da mesma região geográfica, que viviam no país na época da conquista ou no período da colonização e que conservaram suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas. Por sua vez, os grupos tribais eram descritos

55 É possível notar que a partir de 1990, as ideias que compunham a Convenção 169 da OIT já estavam

presentes nas interpretações dos antropólogos e mesmo em parte do legislativo, sobre as comunidades “quilombolas”, mas, o Estado brasileiro ainda não era signatário da mesma. Esta Convenção tinha entrado em vigor internacional em setembro de 1991, entretanto no Brasil, somente em 2002 o seu texto vai ser aprovado por meio de decreto, trazendo uma nova “roupagem” para os direitos dos “quilombolas”.

56 Não foi absolutamente pacífica e consensual esta adesão do Brasil à referida Convenção. No dia 3 de

junho de 2014 uma audiência foi convocada pelo Deputado Federal Paulo Cesar Quartiero (Democratas- RR), que conseguiu aprovar sua proposta para discutir a revogação da subscrição do Brasil na Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da OIT. O deputado argumentava que esta Convenção estaria atrapalhando o desenvolvimento do país e a proporcionando a futura formação de “Estados indígenas”. Neste contexto, a ABA se mobilizou para preparar um ofício e entregar aos deputados, e participantes da audiência pública, para informar que as ideias contrárias à Convenção 169, que possivelmente seriam defendidas pelo antropólogo Edward Luz, não eram referendadas pela Associação. Disponível em:<http://edwardluz.wordpress.com/2014/06/05/aba-envia-oficio-para-congresso-nacional-e-reconhece- o-obvio-edward-m-luz-nao-fala-por-nos/>. Acesso em: 07-06-2014

como unidades cujas condições sociais, culturais e econômicas os distinguiam de outros segmentos da população nacional (CONVENÇÃO 169).

Mas, apesar destes aspectos relacionados aos “povos e comunidades tradicionais”, o principal critério de distinção estaria na consciência dos sujeitos, ou seja, na autodefinição. Dessa forma, nenhum Estado ou parcelas da sociedade teriam o direito de negar a identidade que qualquer grupo afirmasse.

No Brasil, além da presença de grupos “tribais” no sentido “clássico” da palavra, existiam também inúmeros grupos sociais distintos: seringueiros, quebradeiras de coco, ribeirinhos, indígenas e claro, “quilombolas”. Assim, desde que essas unidades culturais se definissem como “tradicionais” deveriam ser amparados pela Convenção (SHIRAISHI NETO, 2007).

Sobre essa perspectiva, como bem afirma Little (2001, p. 9) o regime de “propriedade dos quilombos, as diversas ‘terras de preto’ e as comunidades ‘cafusas’ possuem diferenças marcantes em relação aos povos indígenas, mas, ainda se mantêm dentro da ampla categoria de formas de propriedade comum”.

A Convenção 169, além de trazer disposições relacionadas ao reconhecimento e autodefinição de identidades coletivas, também destacou a necessidade de salvaguarda do direito destes povos tradicionais a seus territórios. São estes os elementos que começam a aparecer em manifestações do Ministério Público – mesmo que ainda na sua forma mais inicial – e vão também estar presentes em trabalhos científicos e demais discursividades, que reforçavam os “quilombolas” como coletividades diferenciadas.

Este novo contexto, vai ser importante para garantir os possíveis direitos dessas comunidades, na medida em que ensejava um clima interpretativo, que apontava para um contorno mais claro e preciso57. Os elementos presentes deram voz à ideia de que a

“questão quilombola” no Brasil não estava somente ligada a uma perspectiva cultural, ou fundiária, mas, que estas esferas se complementavam. Juntas, reforçariam dentro do marco legal do Estado as “políticas de ordenamento e reconhecimento territorial” (LITTLE, 2001, p. 2). No ano de 2007, os grupos que se autonomeavam como “tradicionais”, entre eles os “quilombolas”, tiveram seus direitos amparados por mais um

57 O fato é que critérios de autoidentificação e novos procedimentos de reconhecimento começam a ser consolidados pelo Estado, no que diz respeito aos “quilombos contemporâneos”, somente em 2003, no Decreto nº 4887, que estabeleceu o critério de autodefinição como forma primordial de identificação e caracterização das comunidades remanescentes de quilombos. Este Decreto desenhou um arcabouço de novos significados – mais a frente, discutiremos este dispositivo de forma mais detalhada.

Decreto (nº 6.040). Este foi o responsável por instituir a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais58.

Mas, apesar do “clima” de ressignificação que ganhou fôlego com a adesão do país à Convenção 169 da OIT, a “questão quilombola” ainda passaria por outro momento. Trata-se do Decreto nº 3.912 de 2001, que iria restringir o rol de grupos que poderiam reivindicar direitos territoriais a partir do artigo 68 do ADCT. Este Decreto procurava regulamentar o processo administrativo de identificação, definição, demarcação, titulação e registro das terras ocupadas por “quilombos” na sua forma mais “frigorificada”. É claro que precisamos passar por este. Vejamos.