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4. RTP: UM OLHAR SOBRE A PROGRAMAÇÃO REGIONAL

4.6. O AGENDAMENTO DAS NOTÍCIAS

4.6.3. A produção noticiosa – o Newsmaking

Depois de se perceber o processo de selecção noticiosa, importa agora saber como se constrói a notícia (Newsmaking). Esta é a fase em que um órgão de comunicação social, no caso em estudo um operador de televisão, transforma determinadas ocorrências em conteúdos noticiosos, através da passagem por uma série

34 Ex.: quando convocam conferências de imprensa para as 8 da noite. 35

Ex.: destaque normalmente dado a qualquer acontecimento que tenha que ver com o Benfica, dado o grande número de adeptos do clube.

de barreiras (gates) e filtros, tanto do lado da fonte como do órgão de informação (McQuail e Windahl, 1993: 152).

Antes de mais, temos de definir o que Wolf (2002: 195) designa por “noticiabilidade”: “O conjunto de elementos através dos quais o órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de acontecimentos, de entre os quais há que seleccionar as notícias”. Para melhor fazer esse trabalho, suporta-se nos valores-notícia, que dão os indicadores sobre quais os acontecimentos que são considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em notícias.

Tuchman (citada por Wolf, 2002: 188) diz que, apesar do objectivo declarado de qualquer órgão de informação ser fornecer relatos dos acontecimentos significativos e interessantes, o que acontece é que estes se deparam no seu quotidiano com uma superabundância de acontecimentos que, claramente, não podem ser todos noticiados. Tem inevitavelmente de haver uma filtragem, sendo que esta “implica, pelo menos, o reconhecimento de que um acontecimento é um acontecimento e não uma casual sucessão de coisas cuja forma e cujo tipo se subtraem ao registo”. Mesmo tendo em conta que os jornalistas são capacitados para tal, tem de se fazer, contudo, uma triagem, pois, tal como entende Tuchman, (citada por Wolf, 2002: 189) “como qualquer outra organização complexa, um meio de informação não pode trabalhar sobre fenómenos idiossincráticos. Tem de reduzir todos os fenómenos a classificações elaboradas propositadamente, como os hospitais que “reduzem” as doenças (…)”.

É nesta sequência que se estabelece um conjunto de critérios de relevância, os chamados critérios jornalísticos, que definem a noticiabilidade, ou não, dos acontecimentos. E são muitos os valores-notícia que os jornalistas podem pesar no momento da selecção noticiosa.

Quem melhor terá sistematizado os critérios de noticiabilidade aplicados na selecção ou rejeição de acontecimentos foram Galtung e Ruge. Eles abordam a questão “ (…) listando e descrevendo as principais características do acontecimento que influenciam as probabilidades de ser seleccionado e de passar sucessivamente diversas barreiras (gates) (…)” (McQuail e Windahl, 1993: 148).

McQuail e Windahl (1993: 149-150) destacam os seguintes factores-notícia avançados por Galtung e Ruge:

• Intervalo de tempo – é mais provável que se preste atenção a um acontecimento se a sua ocorrência encaixar no período de actividade do médium em causa. Os investigadores dizem que “quanto mais a frequência do acontecimento se assemelhar à frequência do meio de informação, mais provável será a sua selecção como notícia por esse meio de informação.

• Intensidade ou Valor de Entrada – é mais provável que se repare num acontecimento de grande magnitude ou se o seu significado aumentar repentinamente de forma a atrair especial atenção. Este é, sem sombra de dúvidas, o valor-notícia que tende a agarrar o telespectador, logo é natural que acontecimentos que aqui se encaixem venham, quase sempre, no topo do alinhamento. É aqui que entra um dos ditos jornalísticos mais conhecidos, bad

news is good news, e a explicação é simples: os espectadores prestam mais

atenção, ou só prestam atenção, a algo que os impressione.

• Clareza/Ausência de ambiguidade – quanto menos dúvida houver sobre o significado de um acontecimento, maior a sua probabilidade de ser seleccionado. • Proximidade cultural ou relevância – quanto mais próximo da cultura e

interesses da potencial audiência, maior a probabilidade de tratamento noticioso. • Consonância – é mais provável a selecção de um acontecimento que

corresponda a expectativas ou pré-conceitos existentes do que um que não esteja em conformidade com os mesmos.

• Inesperado – também os acontecimentos mais invulgares e imprevisíveis têm maior probabilidade de serem seleccionados.

• Continuidade – se um acontecimento tiver sido definido como de interesse noticioso, cria-se uma certa dinâmica para continuar a noticiá-lo ou a factos relacionados.

• Composição – os acontecimentos são seleccionados em função da sua colocação num contexto equilibrado, ou seja, o facto é noticiado dependendo da quantidade de uma determinada categoria de acontecimentos que é tratada no noticiário. Assim, pode acontecer que, mesmo que a notícia não se revista de grande interesse, ela tem probabilidade de ser seleccionada para equilibrar a composição global do noticiário, para dar a ideia de que este se pauta por uma informação pluralista.

• Valores socioculturais da sociedade destinatária ou dos gatekeepers também influenciam a escolha.

Dizermos que um destes valores36 predomina sobre os outros seria pouco esclarecedor, porque muitas vezes estes factores-notícia se encontrarem sobrepostos. Além disso, há ainda muitas outras coisas, como, por exemplo, a política editorial do órgão de comunicação social, a sua orientação ideológica ou comercial, que tem influência na altura da selecção e produção noticiosa. Galtung e Ruge (citados por Traquina, 2004: 104) dizem que “ (…) um acontecimento será tanto mais noticiável quanto maior número de valores possuir, embora não seja uma regra absoluta”. Também Mauro Wolf (2002: 195-6)defende que os valores-notícia funcionam de uma forma complementar:

Na selecção dos acontecimentos a transformar em notícias, os critérios de relevância funcionam conjuntamente, “em pacotes”: são as diferentes relações e combinações que se estabelecem entre diferentes valores/notícia, que “recomendam” a selecção de um facto.

O investigador (Ibidem) chama ainda a atenção para o facto de estes critérios não serem tidos em conta apenas na selecção das notícias. Nas palavras de Fernando Correia (2000: 137), “sendo simultaneamente qualidades dos acontecimentos e da sua construção jornalística, os valores-notícia aplicam-se em todas as fases da actividade jornalística, ou seja, na recolha, na selecção, na elaboração e na apresentação da informação”.

Gans (citado por Wolf, 2002: 197) mostra-nos outros aspectos a ter em conta quando abordamos a questão dos critérios de escolha das notícias. Um deles tem a ver com a rapidez que a selecção noticiosa implica. Tudo é sob a enorme pressão do tempo, pelo que os critérios de escolha devem ser fácil e rapidamente aplicáveis, sem tempo para grande reflexão. O estudioso diz ainda que devem ser flexíveis, para se poderem adaptar à infinita variedade de acontecimentos disponíveis, e facilmente racionalizados, pois, no caso de um ter de ser substituído por outro num dos momentos de gatekeeping, convém que haja sempre uma boa razão para tal. Além do mais, defende que os critérios têm de ser orientados para a eficiência, “de forma a garantir o necessário

36 De referir que estes valores-notícia avançados por Galtung e Ruge não se esgotam nestes pontos. Simplesmente escolhemos estes

por estarem mais bem sistematizados e irem de encontro aos valores correntes do CER de Bragança, objecto do nosso estudo. Noutras publicações, podemos encontrar muitos outros critérios de noticiabilidade, como os que refere Mauro Wolf no seu livro

reabastecimento de notícias adequadas, com o mínimo dispêndio de tempo, esforço e dinheiro”.

Devemos ter presente que são apenas linhas de orientação para profissionais, os jornalistas, que se baseiam essencialmente na sua experiência. De qualquer modo, não deixa de ser importante que os jornalistas discutam entre si as razões de escolha de determinadas notícias, fundamentadas em critérios válidos. Daí a importância das reuniões de redacção para diariamente agendar os trabalhos jornalísticos e para depois alinhar os mesmos para serem transmitidos num noticiário.