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A propósito do valor e da função salvífica das tradições religiosas

No documento rogeriosantosbebber (páginas 98-102)

CAPÍTULO 2: REAÇÕES DA ORTODOXIA CATÓLICA

3. A Propósito da Ordenação de todos os Homens para a Igreja

3.3 A propósito do valor e da função salvífica das tradições religiosas

À proposta de Dupuis de apresentar as religiões como “os caminhos só por Deus conhecidos” para que chegue aos “outros” a graça crística por meio da ação do Espírito de Deus, o Documento da Congregação responde afirmando que a ação do Espírito Santo nessas tradições religiosas tem apenas o caráter de preparação evangélica (cf. Notificação 8). É o que

343 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. O Cristianismo e as Religiões. 344 Ibidem, p. 40.

345 Ibidem, p. 40. 346 Ibidem, p. 40. 347 Ibidem, p. 41.

afirma a Dominus Iesus de forma mais detalhada: “não há dúvida que as diversas tradições religiosas contêm e oferecem elementos de religiosidade, que procedem de Deus [as sementes

do Verbo] e que fazem parte de quanto o Espírito opera no coração dos homens e na história

dos povos, nas culturas e nas religiões” (DI 21).

Mesmo reconhecendo as sementes do Verbo nas religiões, o documento da Comissão Teológica entende como missão da Igreja “que todo bem que se encontra semeado no coração e na mente dos homens, não só não pereça, mas seja curado, elevado e aperfeiçoado”348. E diz o porquê dessa missão: pois às vezes a ação do Espírito precede inclusive visivelmente a atividade apostólica da Igreja e sua ação pode se manifestar na busca e na inquietude religiosa dos homens349.

A missão da Igreja, conforme expressa a Comissão Internacional de Teologia, se explica pela abrangência universal do mistério pascal ao qual todos podem se associar. Portanto, na medida em que a Igreja reconhece, discerne e faz seu o verdadeiro e bom que o Espírito Santo operou nas palavras e nos feitos dos não cristãos, converte-se, cada vez mais, na verdadeira Igreja católica, “que fala todas as línguas, que entende e abarca todas as línguas no amor, e supera dessa forma a dispersão de Babel (AG 4)350.

E prossegue a Dominus Iesus na sua consideração a respeito das expressões religiosas das religiões, sempre norteada pela teologia do acabamento: “Com efeito, algumas orações e ritos das outras religiões podem assumir um papel de preparação ao Evangelho, enquanto ocasiões ou pedagogias que estimulam os corações dos homens a se abrirem à ação de Deus” (DI 21). Em contraposição a Dupuis, que sem equiparar os sinais salvíficos das religiões aos sacramentos cristãos reconhece-lhes, entretanto, alguma mediação da graça, a

Dominus Iesus diz: “Não se lhes pode, porém, atribuir a origem divina nem a eficácia salvífica ex opere operato, própria dos sacramentos cristãos” (DI 21). E continua: “Por outro

lado, não se pode ignorar que certos ritos, enquanto dependentes da superstição ou de outros erros [...], são mais propriamente um obstáculo à salvação” (DI 21). Ainda ao tratar da ação da graça nas religiões, a Dominus Iesus diz que “objetivamente” os adeptos das outras tradições religiosas “se encontram numa situação gravemente deficitária, quando comparados com os membros da Igreja, que dela recebem a plenitude dos meios de salvação” (DI 22).

Colocados esses pressupostos, a Notificação afirma que embora o Espírito Santo realize a salvação dos outros também mediante os elementos de verdade e bondade presentes

348 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. O Cristianismo e as Religiões, p. 41. 349 Ibidem, p. 41.

nas suas religiões (cf. Notificação 8), “não tem qualquer fundamento na teologia católica considerar estas religiões, enquanto tais, caminhos de salvação” (Notificação 8). Um dos motivos alegados pela Notificação é até porque “nelas existem [...] erros acerca das verdades fundamentais sobre Deus, o homem e o mundo” (Notificação 8).

Ratzinger, refletindo sobre a tese generalizada que todas as religiões são caminhos para a salvação – talvez não caminhos ordinários – mas em todo o caso, caminhos extraordinários de salvação, diz que por trás dessa afirmação que corresponde a ideia de tolerância e respeito pelos outros, corresponde também ao conceito atual de Deus: Deus não pode rejeitar pessoas só porque não conhecem o cristianismo ou cresceram em outra tradição religiosa, assim analisa o teólogo/pontífice.

Conforme lembrou Ratzinger, essa ideia levanta sérias questões, inclusive porque as diversas religiões não contêm exigências apenas diversas, mas mesmo opostas. E mais, em vista do número crescente de pessoas não ligadas a nenhuma tradição religiosa, essa teoria da salvação universal foi também estendida àqueles que não têm religião, mas vivem com coerência. A conclusão a que chegou Ratzinger é que o contraditório conduz também ao mesmo fim. Por trás dessa situação, o teólogo/pontífice identifica o relativismo, já que no fundo, segundo esta mentalidade, todos os caminhos são igualmente válidos: “por meio das teorias sobre a salvação, o relativismo retorna pela porta dos fundos e a questão da verdade é excluída das questões sobre a religião e sobre a salvação. A verdade é substituída pela boa intenção: a religião permanece no subjetivo, porque o bem objetivo e a verdade objetiva não são reconhecíveis”351.

Conforme pareceu claro, a ortodoxia por meio dos documentos da Congregação para a Doutrina da Fé aqui analisados fez questão de propor os pontos basilares da fé católica sob a perspectiva mais restritiva. As reações de rejeição tanto do universo católico quanto ecumênico e interreligioso vindas de diversas partes do mundo parecem apontar, quais sinais dos tempos, para outra linguagem na proposição da fé. É possível crer numa perspectiva mais cortês e respeitosa com a pluralidade das fés.

O próximo passo é analisar alguns desdobramentos da reflexão oferecida à comunidade teológica por Dupuis.

351 RATZINGER, Joseph. Fé, Verdade, Tolerância: O cristianismo e as grandes religiões do mundo, p.

CAPÍTULO 3: DESDOBRAMENTOS DA REFLEXÃO

De toda parte chega o segredo de Deus;

eis que todos correm, desconcertados.

Dele, por quem todas as almas estão sedentas,

chega o grito do aguadeiro.

Rumi

Após o contato com a perspectiva do Magistério, a intenção deste capítulo é colocar em discussão as contribuições de Dupuis. Sua teologia vem em uma hora muito oportuna para a Igreja, pois representa oxigenação e alento para aqueles que querendo viver a fé cristã, querem vivê-la não sob a perspectiva de proposições exaustivas e completas, coisa atualmente inadmissível em qualquer área do saber, mas como experiência de amor que respeita e sabe conviver com outros que cultivam outros amores.

O modelo teológico de Dupuis além de sua contribuição específica para a elaboração de uma teologia cristã do pluralismo religioso desdobra-se em outras possibilidades para a teologia católica. Em alguns casos essas possibilidades foram aqui prontamente recolhidas e em outros, diretamente deduzidas, é o que se verá no subtema intitulado Ganhos

irrenunciáveis para a teologia. No segundo subtema, que trata do aprofundamento das perspectivas abertas por Dupuis, as teses do teólogo, devido especialmente à riqueza de sua

cristologia trinitária e pneumatológica, respaldam outras reflexões e ensaios da teologia da religião e abrem caminhos para o debate sobre temas polêmicos para a teologia católica. Já no terceiro subtema, onde serão trazidas à reflexão algumas questões especialmente ligadas à teologia das religiões que permanecem abertas será possível ter um breve contato com as contribuições de alguns teólogos para o desenvolvimento dos referidos temas bem como com as contribuições de Dupuis.

No documento rogeriosantosbebber (páginas 98-102)