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Limites do pluralismo inclusivo

No documento rogeriosantosbebber (páginas 127-132)

CAPÍTULO 2: REAÇÕES DA ORTODOXIA CATÓLICA

2. Aprofundamento das Perspectivas Abertas por Dupuis

3.1 Limites do pluralismo inclusivo

Uma questão que se lança ao paradigma inclusivista é sobre seus limites dialogais, ainda que este paradigma abrigue o modelo elaborado por Jacques Dupuis que busca articular os dados inegociáveis do inclusivismo com alguns pontos fundamentais do pluralismo.

No intuito de abrir frentes de encontros dialógicos com as outras tradições religiosas o pluralismo inclusivo chegou às fronteiras do paradigma cristocêntrico criando, exatamente por essa experiência de liminaridade desconforto com os defensores de um cristocentrismo moderado, o que veio a render a Dupuis a Notificação da Congregação para a Doutrina da Fé. Por outro lado, ainda que o pluralismo inclusivo tenha se esforçado por apresentar um cristianismo mais desabsolutizado, alguns pontos ainda continuam embaraçosos no diálogo com os pluralistas. A questão de fundo no diálogo com eles e que se desdobra em outras é como articular um diálogo verdadeiro com as outras tradições religiosas reconhecendo-as até a última fibra de seu ser como portadoras de núcleos absolutos, terminantemente irredutíveis ao cristianismo e afirmar, como é constitutivo para a fé cristã, o lugar único de Jesus Cristo para a salvação da humanidade? Para os inclusivistas moderados as propostas de Dupuis extrapolaram, para os pluralistas, foram insuficientes.

O objetivo é trazer para a discussão sem pretensão de conclusão algumas observações e questionamentos que não cessam de chegar mesmo ao pluralismo inclusivo de Dupuis, vindos, sobretudo dos pluralistas. Um paradigma só cede lugar a outro quando perde a plausibilidade. Neste sentido há todo um empenho dos pluralistas para demonstrar por meio do debate teológico a inviabilidade da manutenção do inclusivismo, mesmo o mais aberto, para o estabelecimento de um diálogo em pé de igualdade entre as tradições religiosas. Quanto às questões colocadas pelos inclusivistas moderados, Dupuis as respondeu brilhantemente em artigo publicado pela revista “Rassegna di Teologia”470. Portanto aqui a atenção estará centrada nos questionamentos vindos dos pluralistas. Por opção não serão trazidas aqui as ponderações dos pluralistas aos inclusivistas moderados, até porque, em geral, essas ponderações já foram respondidas pelo pluralismo inclusivo de Dupuis.

Sem desconhecer as grandes contribuições de Dupuis, as questões interpostas ao pluralismo inclusivo devem ser acolhidas como parte essencial do movimento que se quer evolutivo e que impulsiona o desenvolvimento das pesquisas teológicas. Sem esse movimento favorecido pelo debate, a teologia estaria condenada à cristalização e, por fim, ao estiolamento. Dito isto, pode-se então entrar nas questões que se seguem.

Mais que questionamento a Dupuis, Luiz Carlos Susin propõe ao pluralismo inclusivo novas experiências dialogais, a partir da narrativa de uma experiência concreta471.

470 DUPUIS, Jacques. La teologia del Pluralismo Religioso Rivisitata. Rassegna di Teologi, p. 667- 693. 471 Susin narra a experiência de uma religiosa que visitava frequentemente num hospital um paciente

espírita kardecista. Este doente um dia confidenciou à freira a convicção que de que ela seria um “espírito de luz”, já livre das reencarnações, decidido a permanecer mais tempo sobre a terra para consolar os aflitos. O sorriso da freira ao relatar esse fato a Susin “revelava uma aceitação sem julgamento do simples fato em que algo

Contemplando “a expansão real das valências universalistas presentes em cada revelação concreta, graças a um pluralismo cada vez mais interativo e intenso”472, Susin convida o pluralismo inclusivo para que se desdobre numa inclusão pluralista que seja capaz de hospedar também a inclusão que os outros fazem de nós em suas cosmovisões religiosas, que aceite de bom grado ser incluído na religião do outro, segundo as categorias religiosas do outro473. Aqui, como se pode intuir, não está em jogo a manutenção da autoidentidade no diálogo com o outro, mas, consciente de suas próprias convicções religiosas, o interlocutor aceita ter sua identidade ressignificada pelo outro segundo os critérios de valor que lhe são conferidos pela tradição religiosa deste outro.

Outro questionamento vem de José María Vigil. O teólogo interpela a consideração de Dupuis “que somente um ‘cristocentrismo inclusivo e aberto’, e não o pluralismo é o único caminho adequado para uma teologia das religiões que queira seguir sendo ‘cristã’”474. Vigil pondera que uma discussão teológica só se desloca para a identidade confessional do teólogo proponente quando se está vivendo uma mudança de paradigma, como é o caso da passagem do inclusivismo para o pluralismo.

Vigil fez uma reflexão sobre a “essência do cristianismo”, afirmando a mudança que hoje se opera quanto a este entendimento. Até bem pouco, assinala o teólogo, essência era algo tido como definido, estável, imutável. Hoje, ao contrário, entende-se como uma realidade histórica, evolutiva, em transformação contínua, incessante. Vigil evocou as “verdades inquestionáveis” do passado que declararam fora dos limites do cristianismo quem delas não comungava. Entretanto, em tempos posteriores tais verdades foram simplesmente abandonadas. Exemplo clássico é o extra Ecclesiam nulla salus. Vigil alertou, portanto, aos teólogos que vivem sob o marco do inclusivismo, mesmo o mais aberto, para a transferência em processo da essência do cristianismo do inclusivismo para o pluralismo. O alerta é para que esta passagem irreversível seja o menos traumática possível475.

positivo acontecia nessa inclusão na ‘religião do outro’”. SUSIN, Luiz Carlos. O absoluto nos fragmentos: a universalidade da revelação nas religiões. In: TOMITA, Luiza E; BARROS, Marcelo; VIGIL, José Maria.

Pluralismo e Libertação: por uma teologia latino-americana pluralista a partir da fé cristã, p. 142.

472 SUSIN, Luiz Carlos. O absoluto nos fragmentos: a universalidade da revelação nas religiões. In:

TOMITA, Luiza E; BARROS, Marcelo; VIGIL, José Maria. Pluralismo e Libertação: por uma teologia latino-

americana pluralista a partir da fé cristã, p. 142. 473 Ibidem, p. 142.

474 VIGIL, José Maria. Espiritualidad del pluralismo religioso: una experiencia espiritual emergente. In:

ASOCIACIÓN ECUMÉNICA DE TEÓLOGOS Y TEÓLOGAS DEL TERCER MUNDO. Por los Muchos

Caminos de Dios: desafíos del pluralismo religioso a la teología de la libertación, p. 232 (Nota de rodapé). 475 VIGIL, José Maria. Espiritualidad del pluralismo religioso: una experiencia espiritual emergente. In:

ASOCIACIÓN ECUMÉNICA DE TEÓLOGOS Y TEÓLOGAS DEL TERCER MUNDO. Por los Muchos

Feitas estas breves considerações mais gerais ao pluralismo inclusivo e ao próprio Dupuis, o próximo passo é uma análise mais direcionada a alguns pontos do seu livro “Rumo a uma Teologia Cristã do Pluralismo Religioso”.

Quando Dupuis fala dos frutos do diálogo, o teólogo ainda que fazendo uma referência não explícita à plenitude qualitativa da revelação por ele defendida, parece impreciso na linguagem ao afirmar que os membros das outras tradições religiosas “podem de fato ser mais submissos à Verdade que ‘ainda estão procurando’ e ao Espírito de Cristo que neles irradia os raios dessa Verdade (cf. NA 2)”476. Sem dúvida, como afirma o próprio Dupuis a Verdade não é patrimônio de ninguém e os cristãos não detêm o seu monopólio; devem, ao contrário, se deixar possuir por ela477. Entretanto, essa afirmação não parece ser uma concessão ainda que inconsciente à teologia do acabamento? Ainda por esta mesma vertente não se deveria analisar sua colocação que a “revelação divina às nações está ordenada à revelação judaica e cristã”478?

Ainda com relação ao diálogo interreligioso, há outra afirmação que põe Torres Queiruga de sobreaviso, embora o teólogo não se refira explicitamente a Dupuis. Assim diz Dupuis ao falar de um dos frutos do diálogo: “pela experiência e o testemunho alheio [os cristãos] serão capazes de descobrir com maior profundidade certos aspectos, certas dimensões do mistério divino, que haviam percebido com menor clareza e que foram comunicados com menos clareza pela tradição cristã”479.

Conforme afirmou Dupuis a consciência humana de Jesus “deixou incompleta a revelação”480, portanto a revelação continua para além do evento Cristo por meio do Lógos não encarnado e do Espírito de Deus às outras tradições religiosas. Por que o cristianismo açambarcaria toda a revelação de Deus à humanidade se esta excede inclusive a Jesus ressuscitado? Não é verdade que “há mais verdade e graça na ampla dinâmica da história das relações de Deus com a humanidade do que no capital disponível da tradição cristã”481?

Torres Queiruga matizou cuidadosamente esta perspectiva de Dupuis ao afirmar que mesmo os cristãos confessando a centralidade de Jesus Cristo para a salvação, “esta confissão não equivale ao desconhecimento de que fora do cristianismo se descobriram riquezas concretas que, estando presentes em outras religiões, não estão, ou não estão tão claramente nele”. E aqui continua Torres Queiruga: “Seria soberba demoníaca pretender que uma figura

476 DUPUIS, Jacques. Rumo a uma Teologia Cristã do Pluralismo Religioso, p. 521. 477 Ibidem.

478 Ibidem, p. 340.

479 DUPUIS, Jacques. Rumo a uma Teologia Cristã do Pluralismo Religioso, p. 521. 480 Ibidem, p. 412.

histórica como o é a religião cristã, necessariamente finita, pudesse abarcar em concreto toda a riqueza divina”482. Nesta mesma direção sinalizou Schillebeeckx: “existem, pois, aspectos ‘verdadeiros’, ‘bons’, ‘belos’ – surpreendentes – nas múltiplas formas (presentes na humanidade) de pacto e entendimento com Deus, formas que não encontraram lugar na experiência específica do cristianismo”483.

Outra questão pertinente que se lança à teologia das religiões e mais especificamente ao pluralismo inclusivo é sobre a possibilidade de um diálogo autêntico entre os cristãos e os outros. Paul Knitter pergunta – não obstante a convocação de João Paulo II e representantes do Vaticano para que os cristãos coloquem-se em diálogo e por meio dele possam ser “beneficiados”, “transformados” e até “convertidos” e a proposta audaciosa feita por Dupuis para uma relação dialogal aberta a uma recíproca complementação - se o que a fé cristã afirma sobre Jesus não neutralizaria tamanha boa intenção. Até onde, de fato, os cristãos estariam abertos a qualquer contribuição que viesse dos membros de outras tradições religiosas, uma vez que “em Jesus possuem o Verbo pleno, final e consumado de Deus”484?

Quanto à distinção feita por Dupuis entre plenitude qualitativa e quantitativa da revelação em Jesus, Knitter pergunta se tal distinção não soaria mais como um jogo de palavras, na medida em que Dupuis declara “que Jesus é o Salvador único-e-exclusivo em quem a única salvação destinada a todas as pessoas constitui-se e faz-se verdadeiramente conhecer”485.

Por fim, Knitter questiona se a cristologia pneumatológica de Dupuis permitiria ao Espírito Santo dizer algo de verdadeiramente diferente do que foi dito em Jesus, uma vez que no centro do plano de salvação de Deus para a humanidade está Jesus e não o Espírito486. A conclusão a que chega Knitter é que sendo Jesus o centro, tudo o que os cristãos pudessem aprender dos membros das outras tradições ensinado pelo Espírito de Deus seria apenas uma explicitação do que já conhecem em Jesus. Não haveria, mesmo contra a vontade de Dupuis, uma subordinação do Espírito a Jesus?487

Desta breve apresentação, parece possível concluir a importância indiscutível para a teologia das religiões do modelo teológico de Jacques Dupuis. Entretanto, alguns pontos, exatamente porque muito significativos para o diálogo interreligioso, suscitaram perguntas e

482 TORRES QUEIRUGA, André. O diálogo das religiões no mundo atual. Rev Tempo Brasileiro, n. 183,

p. 39.

483 SCHILLEBEECKX, Edward. História Humana: revelação de Deus, p. 215. 484 KNITTER, Paul F. Introdução às Teologias das Religiões, p. 168-169. 485 Ibidem, 169.

486 Ibidem. 487 Ibidem.

questionamentos que permanecem abertos a espera de novas considerações. E assim caminha a teologia.

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