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A iluminação divina atribuída aos livros sagrados das religiões

No documento rogeriosantosbebber (páginas 79-81)

CAPÍTULO 2: REAÇÕES DA ORTODOXIA CATÓLICA

1. A Propósito da Unicidade e Plenitude da Revelação em Jesus Cristo

1.3 A iluminação divina atribuída aos livros sagrados das religiões

Os documentos oficiais da Igreja são muito reservados quanto a alguns termos ou mesmo fazem ressalvas quanto ao uso deles fora do contexto da revelação cristã. Em se tratando da questão da revelação especificamente, o documento “O Cristianismo e as Religiões” da Comissão Internacional de Teologia, faz uma graduação da expressão a partir da proximidade das religiões do cristianismo284.

Quanto ao judaísmo285, ainda que espiritualmente todos sejamos semitas286, o documento da Comissão Teológica Internacional só aplica o termo ‘revelação’ quando diz

282 MIRANDA, Mario de França. As religiões na única economia salvífica. In: TRASFERETTI, José;

GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes. Teologia na Pós-Modernidade: abordagens epistemologica, sistemática e

teórico-prática, p. 359.

283 TERRENCE, Merrigan. Jacques Dupuis and the redefinition of inclusivism. In: KENDALL, Daniel;

O'COLLINS, Gerald. In Many and Diverse Ways: in honor of Jacques Dupuis, p. 62.

284 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. O Cristianismo e as Religiões, p. 47.

285 Perguntado se a fé cristã não teria de aceitar o judaísmo na sua missão histórica pelo fato de Deus ter-se

feito judeu, o então Cardeal Ratzinger fala de Jesus como judeu fiel e de sua ultrapassagem do judaísmo a partir de uma interpretação nova de toda a herança numa sua “nova e maior fidelidade”. O teólogo situa aqui então o “ponto de conflito”. RATZINGER, Joseph. O Sal da Terra: O cristianismo e a Igreja Católica no limiar do

sobre os livros do Antigo Testamento, reconhecendo-os como palavra de Deus. E mesmo a Igreja haurindo “sustento das raízes daquela boa oliveira na qual foram enxertados os ramos da oliveira selvática dos gentios”287 o documento ressalva que a significação completa de tais livros vem e se manifesta por meio dos livros do Novo Testamento. A propósito do islamismo288, mesmo que os muçulmanos guardem “a fé Abraão” (LG 16) e conosco adorem “a um único Deus, vivo e subsistente, misericordioso e onipotente, Criador do céu e da terra” (NA 3), o documento afirma que “certos elementos da revelação bíblica foram recolhidos pelo Islã, que os interpretou em um contexto diferente”289.

As reservas da ortodoxia quanto à revelação nas outras religiões se estendem também à inspiração de seus livros sagrados. Assim diz a Declaração: “existe também quem avance a hipótese do valor inspirado dos textos sagrados de outras religiões. Certamente deve admitir- se que alguns elementos presentes neles são de fato instrumentos, através dos quais, multidões de pessoas puderam, através dos séculos, e podem, ainda hoje, alimentar e manter a sua relação religiosa com Deus” (DI 8). Pois, “Deus não deixa de se tornar presente sob variadas formas ‘quer aos indivíduos, quer aos povos, através de suas riquezas espirituais, das quais a principal e essencial expressão são as religiões, mesmo se contêm lacunas, insuficiências e erros’” (DI 8).

Portanto, conforme demonstram os documentos da ortodoxia, mesmo com as insuficiências presentes nos livros sagrados das outras tradições religiosas, “que alimentam e orientam a existência dos seus sequazes” (DI 8), a Declaração Dominus Iesus atribui somente ao mistério de Jesus Cristo os elementos de bondade e graça neles presentes (DI 8; Notificação 4).

Por outro lado, ainda que estes elementos de verdade e bondade presentes nas várias religiões possam, de alguma forma, preparar os povos e culturas para acolher o evento de salvação em Jesus Cristo, não comporta que os textos sagrados das outras religiões possam

286 COMISSÃO PONTIFÍCIA PARA AS RELAÇÕES RELIGIOSAS COM O JUDAÍSMO. Nós Recordamos: uma reflexão sobre o Shoah, p. 12. Uma polêmica recente foi a oração de Bento XVI pela

conversão dos judeus a Cristo introduzida na sexta feira santa. Para uma reflexão sobre o tema, ver: HEINZ, Hanspeter. Quando uma oração vira escândalo: sobre a nova intercessão de Bento XVI na sexta-feira santa no

rito tridentino. Rev CONCILIUM, Petrópolis, n. 326.

287 COMISSÃO PONTIFÍCIA PARA AS RELAÇÕES RELIGIOSAS COM O JUDAÍSMO. Nós Recordamos: uma reflexão sobre o Shoah, p. 17.

288John Hick se pergunta se haveria uma forma islâmica de inclusivismo, e responde que se caso houvesse,

talvez “o conceito de Povo do Livro poderia ser considerado como inclusivismo limitado – com a verdade completa dentro do islã, mas com judeus e cristãos chegando perto dela”. HICK, John. Pluralismo religioso e islã. Rev Tempo Brasileiro, n. 183, p. 131.

considerar-se complementares do Antigo Testamento, que é a preparação imediata para o próprio evento de Cristo (cf. Notificação 8; DI 8).

Por fim, ao se referir à Sagrada Escritura confiada à Igreja, a Declaração Dominus

Iesus diz que “A tradição da Igreja reserva o qualitativo de textos inspirados aos livros

canônicos do Antigo e Novo Testamento, enquanto inspirados pelo Espírito Santo” (DI 8). E confirma que tendo Deus como autor, esses livros que “ensinam com firmeza, com fidelidade e sem erro, a verdade que Deus, por causa da nossa salvação” (DI 8) foram confiados à própria Igreja (cf. DI 8).

Segundo a ortodoxia católica a revelação de Deus em Jesus Cristo e por meio dele à humanidade atingiu seu objetivo: Deus se disse definitivamente a si mesmo por meio de Jesus que é a sua palavra, dando-se incondicionalmente à humanidade nele personificada e, como ser humano, Jesus é o “tipo” da humanidade que acolhe sem reservas a autoentrega de Deus. Porém, embora o objetivo de Deus tenha se completado em Jesus Cristo, este objetivo alcançado não constitui um limite fixo, mas sim um espaço aberto, pois o que se deu no Filho, precisa agora se corporificar no Adão único, que é toda a humanidade. Enquanto isto não se der, o que aconteceu a Jesus permanece simultaneamente como fim e como começo. Fim, porque a humanidade não vai mais longe do que Jesus no acolhimento do amor transbordante de Deus e começo, porque ele é o lugar onde toda a humanidade precisa integrar-se para esse mesmo acolhimento290.

Se, conforme afirma a ortodoxia católica, Jesus de Nazaré é o protótipo da humanidade que acolhe e responde à salvação de Deus, o próximo passo é conhecer como se dá essa realidade intrínseca a Cristo, ou seja, sua salvação e sua mediação que, para a fé cristã, tem abrangência universal.

No documento rogeriosantosbebber (páginas 79-81)