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1. GLOBALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO: DA SUA ORIGEM ATÉ O PÓS-

1.5 A SUPERAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

1.5.1 A proposta do pós-desenvolvimento

Do ponto de vista do pós-desenvolvimento, portanto, o radical questionamento do discurso do desenvolvimento e a problematização dos seus conceitos amplamente aceitos deve ser o primeiro passo para superar as dificuldades criadas pelo mesmo modelo. Argumentam os teóricos, que, de fato, o pós-desenvolvimento é uma situação concreta que milhares de pessoas já estão vivendo no Sul do mundo, mas também no Norte, porque ficaram excluídos da sociedade imaginada pelo mito desenvolvimentista. A globalização levou o desenvolvimento ao seu último extremo, mostrando a sua crua realidade e não deixando mais lugar para o mito. Ficou evidente que o desenvolvimento real transforma as relações entre os seres humanos e entre eles e a natureza em mercadorias, constituindo um projeto agressivo para com a natureza e para com os povos. Os “náufragos do desenvolvimento” (Manifesto para uma Rede sobre o Pós-Desenvolvimento, op. cit.) tentam, então, encontrar uma espécie de síntese entre a tradição perdida e a modernidade inacessível, criando, assim, modelos de vida diferentes, necessariamente pluralistas pela própria natureza de fecundação recíproca entre as várias situações de vida.

31

Tradução nossa: “...they are forced to get by in the no-man’s land between tradition and modernity” (W. Sachs, 1993a, p. 3).

A proposta do pós-desenvolvimento é clara. Em vista da preservação ambiental e da justiça social, o atual modelo de superconsumo deve ser abandonado – no Sul do mundo da mesma forma que no Norte. Não se trata, contudo, de uma volta ao passado, a um imobilismo conservador, e nem da defesa do crescimento negativo. O progresso continua presente nesta abordagem, mas agora relacionado a uma melhoria na qualidade de vida das pessoas, a ser alcançado também com a ajuda de novas tecnologias sofisticadas. O que se refuta é um crescimento econômico sem sentido crítico, simples motor de lucro infinito, procurado atualmente por quem detém o capital. De fato, o crescimento deve continuar, mas de forma saudável e dentro de limites naturalmente postos, e não com o fim em si mesmo.

A este propósito é interessante a contribuição do chamado Capitalismo Natural, que defende a transformação da economia para um uso mais produtivo dos recursos. Segundo os seus autores (Hawken; Lovins apud Capra, 2002, p. 251), “os países desenvolvidos podem alcançar uma impressionante redução de 90% no uso de energia e materiais [...] com o uso das tecnologias já existentes e sem comprometer em nada o padrão de vida das pessoas” (grifo do autor). Diferentes projetos pelo mundo todo deixam claro que “a transição para um futuro sustentável já não é um problema técnico nem um problema conceitual, mas um problema de valores e de vontade política” (ibidem).

Concomitantemente, o pós-desenvolvimento procura difundir a percepção de que o bem e a felicidade podem ser alcançados com custos menores, de que a riqueza pode ser encontrada nas relações sociais de convivência e com mais consciência no consumo material, sem necessidade de produtos inúteis e muitas vezes nocivos, inventados por uma indústria que procura sempre novas formas para aumentar os seus ganhos. De fato, o mito do consumo e da riqueza material que é vendido como porta de entrada para a felicidade tem, na realidade, o efeito contrário. Para Morin (1998, op. cit., p. 85), “a elevação dos níveis de vida pode estar ligada à degradação da qualidade da vida”. Para este autor, o ritmo acelerado fruto do “desenvolvimento” da civilização, não corresponde ao ritmo humano. Ele impede o indivíduo

de seguir as suas inclinações e os seus impulsos naturais, de praticar a reflexão e a meditação, ao mesmo tempo em que alimenta o espírito de competição e de egoísmo. O ser humano, por conseqüência, vive uma condição de crescente incerteza, perda de controle e solidão. Rahnema (2005, op. cit., p. XI, tradução nossa) lembra que esquecemos que “os objetivos privilegiados da grande parte dos homens e das mulheres são de natureza social e humana, existencial, cultural, bem mais do que material32”. Nas palavras de David Suzuki (apud Capra,

2002, op. cit., p. 271):

A família, os amigos, a comunidade – são essas as maiores fontes de amor e de alegria que temos enquanto seres humanos. Nós visitamos nossos familiares, mantemos contato com nossos professores prediletos, trocamos amabilidades com os amigos. Levamos a cabo projetos árduos para ajudar os outros, salvar uma espécie de rã ou proteger uma área de mata virgem, e nesse processo descobrimos uma extrema satisfação. Encontramos nossa realização espiritual na natureza ou ajudando os outros. Nenhum desses prazeres nos obriga a consumir coisas tiradas da Terra, mas todos eles nos satisfazem profundamente. São prazeres complexos, e nos aproximam muito mais da felicidade verdadeira do que os prazeres simples, como o de tomar uma Coca-Cola ou comprar uma nova camionete.

Campo de atuação de fundamental importância para a construção de uma realidade diferente é, nesta visão, a dimensão local. Para Shiva (1995, op. cit., p. 62), enquanto o modelo dominante de globalização e de universalização é totalmente abstrato e antidemocrático, centralizando o poder e o saber dentro de um âmbito que “exclui o ser humano da sua estrutura”, é na esfera local que existe o concreto e, portanto, o real. Por isto, os saberes locais e tradicionais, desprezados pela Ocidentalização, são saberes verdadeiramente legítimos e devem ser valorizados como tais. Torna-se imperativa, então, uma democratização do saber, uma vez que “o paradigma do passado está em crise, e apesar do seu poder de manipulação é incapaz de garantir a sobrevivência humana e a da natureza33”

(ibidem, tradução nossa). Uma abordagem concreta que atua dentro da visão aqui descrita, e a sua ligação com um movimento global, serão descritas no próximo capítulo.

32 “…gli obiettivi privilegiati della gran parte degli uomini e delle donne sono di natura sociale e umana, esistenziale e culturale, ben più che materiale” (Rahnema, 2005, p. XI).

33

“...il paradigma del passato è in crisi, nonostante il suo potere di manipolazione è incapace di assicurare la sopravvivenza umana e quella della natura” (Shiva, 1995, p. 62).

2. AGRICULTURA E DESENVOLVIMENTO: DA REVOLUÇÃO VERDE A

ABORDAGEM AGROECOLÓGICA

O primeiro capítulo tratou da evolução do desenvolvimento tal como ele foi implementado mundialmente nas últimas décadas, assim como apresentou algumas críticas a partir do pós-desenvolvimento. Para ilustrar melhor as teorias descritas acima, optou-se por uma análise do setor agrícola, onde os efeitos das estratégias desenvolvimentistas são particularmente evidentes, e onde existem várias tentativas para chegar a um modelo de desenvolvimento diferente. A agricultura, ademais, tem um papel prioritário nas relações entre Norte e Sul, que o desenvolvimento, em última instância, se proporia a equilibrar. Sempre foi um setor estratégico, a alimentação da humanidade e fortes questões sociais são ligadas a ele. Hoje, é um dos pontos chave nas relações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento; o atual impasse da OMC, como mencionado anteriormente, tem como uma das causas principais as discordâncias em torno dos produtos agrícolas.

Este capítulo se propõe, portanto, a, num primeiro momento, descrever a abordagem predominante nos mecanismos internacionais e nacionais de desenvolvimento para a agricultura e mostrar a suas conseqüências em termos sócio-ambientais. Em um segundo momento, será apresentado o modelo agroecológico, que visa realizar um modo diferente de produção no campo, dentro dos limites da sustentabilidade sócio-ambiental. Por fim, proceder-se-á a uma reflexão sobre as possíveis conseqüências deste modelo para as Relações Internacionais.