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1. GLOBALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO: DA SUA ORIGEM ATÉ O PÓS-

1.2 CRÍTICA AO DESENVOLVIMENTO: O PÓS-DESENVOLVIMENTO

1.2.2 A “cruzada” para a industrialização

O fim aqui ilustrado deveria ser alcançado através da industrialização. Como explicado anteriormente, a primeira fase da era desenvolvimentista durante os anos 1950 e 1960, gira em torno da industrialização e da institucionalização do desenvolvimento. Na visão dos autores do pós-desenvolvimento, tem início durante esta década um movimento centralizado de difusão do modelo ocidental e, especificamente, norte-americano, pelo planeta todo. Sob o objetivo declarado de eliminação da pobreza, começa uma cruzada sem igual dos países industrializados ocidentais até os países mais atrasados economicamente (Gélinas, 1994, op. cit., p. 25).

Essa cruzada era considerada imprescindível para a onda generalizada de industrialização, além da conseguinte arrancada (take off) almejada pelos países atrasados economicamente, que se daria através da transferência de capital e de tecnologias dos países mais avançados. Institutos de crédito do mundo inteiro começaram então, na década de 1950, a outorgar auxílios financeiros sob condições favoráveis para o Terceiro Mundo. Os principais aspectos e as conseqüências deste financiamento do desenvolvimento serão tratados no tópico sobre a crise da dívida que se encontra neste capítulo.

Como exposto na primeira sessão, a industrialização era considerada fundamental para se atingir o crescimento econômico, por sua vez visto como receita milagrosa para tirar “mais da metade dos povos da terra das suas condições que confinam na miséria12” (Truman

em Rostow apud idem, p. 24, tradução nossa). Em realidade, a destruição das tradições e

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« Plus de la moité des peuples de l aterre vivent dans des conditions qui confinent à misère » (Truman em Rostow apud Gélinas, 1994, p. 24)

economias de subsistência locais que havia começado durante a colonização ainda continua, agora de forma unificada e organizada. (Shiva, 1995, op. cit., 2006, op. cit., passim).

De fato, a ideologia do discurso dominante, que contrapõe as máximas: “industrialização / crescimento / progresso / modernidade”, versus “subsistência / estagnação / atrasado / tradicional”, espalha-se com uma força esmagadora pelos países do Terceiro Mundo, que estão destruindo seus próprios fundamentos, oriundos da existência de culturas tradicionais.

Sobre o sucesso que obteve o modelo ocidental na sua difusão pelo mundo, opina W. Sachs (1993c, op. cit., p. 109-112) que o universalismo ocidental, regido pelo trinômio “Mercado, Ciência e Estado” não se liga a nenhuma cultura e a nenhum lugar em especial. De fato, onde outras culturas estão ligadas a uma identidade específica que se origina na profundidade de um lugar específico, o Ocidentalismo trabalha no espaço, em linha horizontal. Um exemplo disso é a cartografia: o mundo é plano, um conjunto estéril de pontos de encontro de diferentes linhas de longitude e de latitude. Assim, o colonialismo europeu se empenhou, por onde esteve, a acabar com as culturas ligadas ao lugar, para impor valores centrados no espaço. A mesma tendência continua na Era do Desenvolvimento depois da Segunda Guerra Mundial.

Os três aspectos que regem o modelo ocidental são, como mencionado acima, Ciência, Mercado e Estado. Juntos, eles têm a vocação de, antes, reduzir a riqueza das culturas humanas para estéreis esquemas de avaliação do que tem valor ou não, para, depois, implementar a sua fria lógica de produtividade. Um exemplo esclarecedor a este respeito é ilustrado por Shiva (1995, op. cit., p. 26-34). A autora explica como a lógica ocidental de apropriação da natureza na Índia acabou com muitas comunidades tradicionais, subtraindo delas o seu próprio fundamento de subsistência.

Tradicionalmente, muitas comunidades locais na Índia têm nas florestas a sua fonte de subsistência. Elas fornecem alimentação, vestiário e refúgio, além de inputs

imprescindíveis para a pequena agricultura, como fertilizante orgânico, forragem para o gado e conservação do solo e da água. Na concepção ocidental, contudo, as florestas tropicais são consideradas “anormais”, “caóticas”, que devem ser substituídas, através da silvicultura “científica” por um modelo mais uniforme, que possa trazer lucro comercial. Em nome do crescimento industrial, então, as florestas tropicais distinguidas pela sua riquíssima biodiversidade são destruídas, para deixar lugar a grandes extensões de árvores de crescimento rápido e que forneçam as matérias primas para as indústrias, tão vitais para a riqueza do país. As populações que tinham na diversidade o seu fundamento de subsistência, são obrigadas a ceder o espaço, a desistir das suas tradicionais formas de viver. Ao mesmo tempo, as novas monoculturas têm graves repercussões sobre os ecossistemas onde são implantadas, alterando o delicado equilíbrio dos recursos renováveis.

Este é somente um exemplo de como as estratégias do desenvolvimento contribuíram para criar o mundo em que estamos vivendo atualmente, com bilhões de pessoas tiradas das suas subsistências, e com a perspectiva de ficarem em posições muito piores no que se refere à situação de pobreza. Ao mesmo tempo, tem-se um meio ambiente superexplorado, que cada vez mais mostra as conseqüências dos abusos do desenvolvimento.

De fato, muitas das culturas tradicionais de subsistência tinham na sustentabilidade um dos seus fatores principais. A natureza era considerada sagrada, cheia de magia, a generosa “Mãe Terra” que deveria ser reverenciada e respeitada. Já na visão científica ocidental, com uma significativa contribuição de Francis Bacon (Shiva, 1993, p. 209), a natureza virou meio ambiente, o conceito de mãe não servia mais, pois uma mãe não pode ser explorada e mutilada para servir os interesses econômicos dos seus filhos. Agora, portanto, a magia da natureza é transformada na fria lógica de fornecedora de recursos naturais, que, para dar frutos precisam da ação humana. Em outras palavras, a natureza precisa ser desenvolvida por humanos, por isto, os mesmos humanos devem se desenvolver para sair das suas condições primitivas e servir a produção.

No item sobre desenvolvimento sustentável, que se encontra neste capítulo, será aprofundada a questão da sustentabilidade no modelo ocidental. A questão da ligação entre agricultura e indústria será aprofundada nos capítulos a seguir.

Considerando que os lucros imediatos produzidos com a difusão do modelo ocidental beneficiam muito poucas pessoas, mas principalmente os países mais avançados (Gélinas, 1994, op. cit.; Shiva, 1995, op. cit.; W. Sachs, 1993a, op. cit.), as belas palavras do Presidente Truman no seu discurso inaugural em 1949, onde ele frisa que “quanto ao velho imperialismo fundado na exploração e no lucro, ele não tem seu espaço nos nossos planos13” (Rostow apud

Gélinas 1994, op. cit., p. 24, tradução nossa), deixam então um sabor amargo.