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3. O GLOBAL E O LOCAL: DESENVOLVIMENTO E AGRICULTURA NO

3.3 O GLOBAL E O LOCAL: IMPULSOS PARA A AGRICULTURA

Como mencionado há pouco, a partir dos anos 1980 cresce na sociedade catarinense a resistência contra as tendências centralizadoras, discriminadoras e prejudiciais para o meio ambiente, difundidas pelo modelo de desenvolvimento hegemônico. Este movimento se insere na dinâmica global descrita no último tópico do segundo capítulo; diferentes organizações começam a surgir no Estado, interagindo ativamente com a rede mundial empenhada na construção de um mundo mais vivível para todos.

Falando especificamente da realidade do desenvolvimento rural em Santa Catarina, um ator de fundamental importância na busca e construção de um modelo de desenvolvimento rural alternativo foi, desde a sua fundação em 1990, o CEPAGRO (Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo)45. O CEPAGRO é uma ONG que agrupa diferentes

organizações de pequenos agricultores em Santa Catarina e se insere, por sua vez, na rede global Via Campesina46.

Cabe abrir um parêntese para esclarecer que para os setores catarinenses envolvidos na busca de um modelo rural mais sustentável, a agricultura familiar, como descrito, predominante em Santa Catarina, era e é considerada o grande potencial de mudança (Veiga

apud Schmidt et. al., 2003, p. 289). Contrariamente ao que defende o modelo urbano /

industrial, de fato, diferentes estudos mostram a surpreendente capacidade de inovação e dinamização do meio rural a partir da pequena agricultura familiar (Abramovay, 2002; Schmidt et. al., 2003, op. cit.). O grande número de pessoas no campo, esquecidas pela abordagem dominante, pode, nesta perspectiva, virar o motor de mudança no Estado, em um movimento de mão dupla: melhoram as suas condições de vida, ao mesmo tempo em que melhoram a preservação do meio ambiente e a qualidade dos produtos agrícolas para o consumidor. A esperança é chegar, assim, a uma sociedade mais justa e harmoniosa. A agroecologia, por suas características acima descritas, é vista por muitos como a prática que pode realizar este propósito.

Voltando a falar do CEPAGRO, o seu exemplo é particularmente apto para ilustrar no nível concreto as tendências em rede, descritas no final do segundo capítulo. Para ter maior abrangência do tema, foi realizada uma entrevista com Dr. Fábio Búrigo, secretário executivo do CEPAGRO entre 1999 e 2002, cujo conteúdo será aqui transcrito.

45 www.cepagro.org.br

46 www.viacampesina.org, é uma organização que coordena organizações campesinas de pequenos e médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres rurais, comunidades indígenas e negras da Ásia, África, das Américas e da Europa.

Afirma o entrevistado que, desde a sua fundação, o Centro operava dentro de um contexto fértil de trocas internacionais, graças a um intenso movimento de intercâmbio, principalmente com a França. Quem iniciou o Centro, segundo Búrigo, foi um funcionário da ACARESC que teve contato direto, durante um período de estudo na França, com a experiência de uma ONG que naquele país trabalhava com a Agricultura de Grupo. Retornando ao Brasil, ele chamou as forças sociais que batalhavam para uma mudança no meio rural de Santa Catarina, para que se juntassem e trabalhassem em grupo. A inserção internacional do Centro se institucionalizou pouco depois, quando ele foi incorporado no Centro de Ciências Agrárias (CCA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde até hoje está inserido. O contexto da Universidade favoreceu a efervescência das idéias inovadoras no seio do Centro, e, principalmente, o diálogo intenso entre a teoria e a prática. Ele reuniu, naquele estágio, alguns professores e estudantes marginalizados, por terem convicções alternativas à abordagem hegemônica no campo, junto com diferentes técnicos da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), e os pequenos agricultores. Relata Búrigo que muitos programas que o Centro iniciou estavam diretamente inspirados por exemplos da França, graças ao contato direto de acadêmicos, de ONGs, e também de agricultores com os seus homólogos deste país, durante períodos de intercâmbios mais ou menos extensos. Dessa forma, esses catarinenses tiveram contato direto com diferentes experiências, também institucionais, e viviam o clima dos processos de mudança social. Ao mesmo tempo, tinham acesso a uma ampla literatura, considerada, naquela época, de vanguarda no Brasil. De volta no país de origem, procuravam formas para adaptar o aprendido à realidade específica de Santa Catarina. Os projetos assim elaborados, foram financiados, em forte medida, por ONGs e instituições dos países avançados economicamente, que compartilhavam as convicções do CEPAGRO. Recursos vieram, desse modo, da Alemanha, da Bélgica, da Holanda, mas também dos Estados Unidos e do Canadá.

Afirma Búrigo que, num primeiro momento, o CEPAGRO trabalhava com idéias muito novas, e várias delas, nos anos posteriores, foram incorporadas pelo poder público. Desse modo, o Centro iniciou a profissionalização do agricultor através da chamada “casa família rural” e a pedagogia alternada; trabalhava com micro-crédito e com pequenas agroindústrias. A agroecologia, no começo, não fazia parte dos objetivos do CEPAGRO. Isso foi mudando durante os anos sucessivos, segundo o entrevistado, graças aos impulsos da Rede de Projetos de Tecnologias Alternativas (Rede PTA) que reunia diferentes ONGs com o intuito de difundir a agroecologia no Brasil. Em Santa Catarina já existiam experiências isoladas com agroecologia, mas foi naquela época que começou a atuar a Associação dos Agricultores Ecológicos das Encostas da Serra Geral (AGRECO), que constitui, hoje, provavelmente o exemplo mais conhecido de agroecologia no Estado. A AGRECO, que é objeto de estudo do próximo tópico foi, segundo o professor Armando Lisboa, “incubada pelo CEPAGRO”, e se beneficiou, em larga escala, dos diferentes impulsos, nacionais e internacionais do Centro.

3.4 A ASSOCIAÇÃO DOS AGRICULTORES ECOLÓGICOS DAS ENCOSTAS DA