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A PROSOPOGRAFIA OU O ESTUDO DAS BIOGRAFIAS

2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

2.4 A PROSOPOGRAFIA OU O ESTUDO DAS BIOGRAFIAS

O estudo da nomenclatura das escolas públicas estaduais de Curitiba nos levou até o momento para uma reflexão que estabeleceu o recorte temporal entre 1985 e 2009; recorte espacial que abarca as escolas com mais de mil matrículas no ano de 2018; análise centrada no conceito de classe dominante tradicional, para avaliar os aspectos elitistas do processo de nomeação dos homenageados; utilização de preceitos teóricos de Pierre Bourdieu, principalmente no que se refere aos conceitos de campo, habitus e capitais. Além disso, entendemos também que, para a condução dos estudos na direção proposta, o trato com a pesquisa empírica é essencial, uma vez que seus resultados é que podem confirmar ou refutar a hipótese previamente levantada.

Nesse sentido, o uso dos estudos de genealogia, para a determinação das redes de parentesco, é um instrumento eficaz por organizar e revelar informações e relações antes quase imperceptíveis18. Quando atentamos para os mecanismos utilizados pela classe dominante tradicional para manter os nomes de sua genealogia ligados aos capitais simbólicos do poder, da cultura, da intelectualidade, da educação, podemos perceber que a nomeação de um homenageado em uma escola tem um aspecto sutil e eficaz na manutenção do domínio daquele grupo.

Uma genealogia se apresenta ao sócio historiador sob um duplo aspecto. De um lado, como os arquivos históricos, ela está organizada de forma cronológica. Dessa maneira, reúne e ordena informações sobre nascimento, morte, casamentos etc., os quais, interpretados, servem de base às análises históricas, sociológicas e políticas. De outro lado, ela contém toda uma dimensão simbólica, resultado de uma maneira própria de conceber o real. Ela dá uma identidade à família, estabelecendo uma origem que rompe com tudo que a precedeu. O traçado regular, cronológico e cumulativo da trajetória familiar garante a continuidade e a coesão da família. A genealogia encerra e modela as práticas individuais e coletivas do presente, mas as mostra como que fazendo parte de um quadro herdado que se projeta num futuro: ela torna presente o passado, pensando-os num futuro imutável (CANEDO, 2011. p. 58).

O estudo das genealogias e o tema da família é objeto de reflexão dos mais importantes na produção intelectual da História e da Sociologia no Brasil. Entretanto, durante uma fase da produção científica do país, especialmente nos estudos políticos, as pesquisas acerca das relações de parentesco foram preteridas por outras propostas, que viam na instituição dos partidos políticos um sintoma de superação das redes familiares arcaicas. Esse foi um processo que ocorreu principalmente entre os anos 1950 e 1990. Contudo, a partir de trabalhos desenvolvidos a partir da última década do século XX, os estudos sobre genealogia, família e redes de parentesco, apontaram para novas perspectivas, tendo na pesquisa empírica das genealogias e biografias coletivas um instrumento capaz de captar permanências dessa estrutura de poder tradicional, que não é mais aquela estrutura somente do patriarcado, mas que carrega as características mais recentes da sociedade brasileira. (OLIVEIRA et al, 2017).

Nesse sentido, o uso das técnicas prosopográficas se apresenta como fio condutor metodológico no presente estudo. Ao trabalharmos com o levantamento das genealogias e biografias coletivas, pretendemos evidenciar como a nomeação dos homenageados para

18 Referimo-nos aqui à imbrincada rede de parentesco que existe dentro da classe dominante tradicional

brasileira, mas que nem sempre é evidenciada, pois os membros dessa classe normalmente disfarçam suas ligações de parentela por meio do uso de sobrenomes diversos, que na verdade remetem a um mesmo tronco familiar.

as escolas públicas de Curitiba pode (ou não) ser identificado como mecanismo de dominação e manutenção de capitais simbólicos. Esse viés metodológico remete a uma discussão acerca da própria natureza da prosopografia: seria ela uma técnica auxiliar ou uma metodologia de pesquisa? Segundo estudos mais recentes, pautados nas interpretações das Ciências Sociais, sobretudo de Pierre Bourdieu, a prosopografia pode ser classificada como metodologia de pesquisa, desde que ancorada em pressupostos teóricos que garantam interpretações para além da descrição factual.

Nas Ciências Sociais a prosopografia não é vista apenas com um instrumento de pesquisa, mas como um método associado a um construto teórico de apreensão do mundo social. A análise de biografias coletivas adquiriu status científico nas últimas décadas por meio das investigações empreendidas por Pierre Bourdieu, dentre outros, sobre os grupos dirigentes em distintas esferas de atuação social na França. Portanto, a prosopografia está imbricada, como método, na teoria dos campos sociais de Pierre Bourdieu (MONTEIRO, 2014, p. 12).

O campo de estudos da História se utiliza das técnicas prosopográficas desde meados do século XX, principalmente nos trabalhos que analisam períodos de longa duração da Antiguidade. Laurence Stone é um dos grandes referenciais na utilização da prosopografia, propondo sua aplicação em análises de outras disciplinas além da História. Para Stone, a prosopografia teria a capacidade de identificar as estratégias de ação política e a mobilidade social presente nesses processos (MONTEIRO, 2015).

A prosopografia é a investigação das características comuns do passado de um grupo de atores na história através do estudo coletivo de suas vidas. O método empregado é o de estabelecer o universo a ser estudado e formular um conjunto uniforme de questões- sobre nascimento e morte, casamento e família, origens sociais e posições econômicas herdadas, lugar de residência, educação, tamanho e origem das fortunas pessoais, ocupação, religião, experiência profissional, etc. Os vários tipos de informação sobre indivíduos de um dado universo são então justapostas e combinadas e, em seguida, examinadas por uso de variáveis significativas. Estas são testadas a partir de suas correlações internas e correlacionadas com outras formas de comportamento e ação (STONE, 2011, p.115).

Contudo, Stone não explicita em suas considerações, a necessidade da técnica prosopográfica se aliar a instrumentais teóricos capazes de interpretar os dados levantados dessas biografias coletivas. Em outras palavras, as correlações internas e externas mencionadas pelo autor precisam ser construídas por meio de modelos e referenciais teóricos, que tem na prosopografia um instrumento de levantamento de dados empíricos, mas não necessariamente uma metodologia de pesquisa completa.

A partir dos estudos de Pierre Bourdieu, especialmente na década de 1970, a prosopografia passa a ser utilizada como método dentro de pressupostos sociológicos. Quando levanta os dados das biografias coletivas, o sociólogo francês estabelece a relação entre essas informações empíricas e a teoria dos campos por ele desenvolvida. Nesse sentido, as análises estruturalistas dão lugar a um novo olhar, onde os agentes passam a ser visualizados como sujeitos dessa estrutura, que seguem suas regras de existência, mas também que interferem em seu funcionamento, numa dinâmica mais ampla, onde diversos campos estão em constante disputa.

Os agentes identificados por meio das biografias coletivas, portanto, são representantes de uma classe social, que reproduzem em suas trajetórias políticas, sociais, culturais, educacionais, os interesses e o padrão de comportamento dessa classe, ou seja, seu habitus de classe. Dessa forma, ao levantar os dados prosopográficos de um universo microssocial, é possível identificar aspectos de agentes que representam a estrutura ou o universo macrossocial, e essa interpretação mais refinada, que vai além do mero levantamento empírico, é a própria análise do habitus de classe, incorporado e reproduzido pelos agentes, nos espaços de disputa dos diversos campos. (MONTEIRO, 2014.).

Em artigo publicado sobre a atuação da Operação Lava-Jato e o primeiro Ministério do Presidente Michel Temer no Brasil (OLIVEIRA et al, 2017) podemos encontrar um exemplo muito bem construído acerca da utilização das técnicas prosopográficas dentro da dessa proposta de Bourdieu:

Mapear a que família, genealogia, rede social e política pertencem os operadores da operação Lava-Jato e os ministros do primeiro Ministério Temer, as profissões, os currículos e atuação política dos agentes, pais e familiares e identificar a escolaridade/formação, lugar de formação, trajetórias da vida profissional, lugares que frequentam, círculos de sociabilidades, padrões de matrimônios, cultura política, dentre outros elementos, permitem compreender a constituição das matrizes de percepções e valores, as formas pelas quais estes agentes classificam o mundo e que, muitas vezes, orientam suas escolhas e decisões. Os valores construídos desde a infância e reforçados nos espaços escolares, nos espaços de sociabilidades, em que frequentam também se transformam em objetos valiosos de análises para a compreensão de grupos seletos de indivíduos e sua relação com a condição de classe na qual ocupam posições no espaço da estrutura social (OLIVEIRA et al, 2017, p. 352).

A utilização da prosopografia como metodologia de pesquisa para o levantamento das biografias dos homenageados nas escolas públicas de Curitiba, segundo os recortes já mencionados, segue essa proposta de análise. Não significa, portanto, o mero levantamento dos dados biográficos daqueles que nomeiam nossas instituições escolares,

mas a interpretação desses dados no sentido de apreender qual seria o habitus de classe presente nesse processo de disputa do campo da educação, dentro do subcampo das instituições escolares. Verificar o processo que permeia a escolha dos homenageados, analisando esses ritos, observando a influência das redes de parentesco nessas escolhas, levantando os dados biográficos dos escolhidos, bem como estabelecendo as conexões com os detentores do poder nos momentos de definição (ou redefinição) das nomenclaturas, é o estudo aqui proposto, tendo no método prosopográfico o alicerce de pesquisa empírica.