• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I Direito do consumidor

5. A proteção do consumidor no direito comparado e pátrio: enfoque na

O resguardo jurídico do consumidor não é tema exclusivo de um único país. Longe disso, é tema supranacional abrangendo a totalidade dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento. É de Newton De Lucca a apresentação de quadro sintético desta proteção70 no Direito Comparado (antecedentes legislativos) e no Direito Internacional (positivo). No direito comparado tem-se, segundo o autor:

- Discurso do presidente Kennedy ao Congresso Americano (março/62); - Lei sobre documentos contratuais uniformes de Israel (1964);

- Lei fundamental de proteção aos consumidores no Japão (1968);

- Numerosos textos legais, a partir da década de 60, nos EUA: Consumer Credit Protection Act, Uniform Consumer Credit Code, Uniform Consumer Sales Act, Safety Act, Truth in Lending Act, Fair Credit Reporting Act e Fair Debt Collection Act;

- Lei de caráter geral ou específica no seguintes países: Inglaterra, Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Bélgica, França, México, Portugal e Espanha.

Já no direito positivo, sintetiza-se da seguinte maneira:

- A iniciativa de cinco países (Estados Unidos, Alemanha, França, Bélgica e Holanda), em 1969, no sentido de criar, no âmbito da Organização para a Cooperação e

69Idem. P. 164.

Desenvolvimento Econômico – OCDE, uma “Comissão para a política dos consumidores”;

- A comissão das Nações Unidas sobre Direitos do Homem, considerou serem quatro os direitos de todo o consumidor: direito à segurança; direito de ser adequadamente informado sobre os produtos e os serviços, bem como sobre as condições de venda; direito de escolher sobre bens alternativos de qualidade satisfatória a preços razoáveis; direito de ser ouvido no processo de decisão governamental.

- A aprovação de vários documentos pela Assembléia do Conselho da Europa – Diretiva 85/374, de 24.7.85, no tocante aos países membros do CEE;

- No Âmbito da ONU – Resolução 39/248, de 9.4.85, apontada como a verdadeira origem dos direitos básicos do consumidor.

Conforme denota-se, os EUA foram o grande propulsor da mensagem protecionista do consumidor, de modo a influenciar grandemente diversos países com esta doutrina. Destaca-se, também, que o mesmo tema fora debatido em praticamente todos os países da Europa.

Na lição de Fernando Rodrigues Martins71 a transformação social homogeneizada e o papel da coletividade no direito privado tiveram influência na elaboração da legislação consumerista.

O findar da segunda grande guerra trouxe diversas transformações mundiais. No campo jurídico, verifica-se o retorno da noção de justiça além da regra, face às atrocidades outrora vivificadas no regime do Estado orgânico do nacional-socialismo: 'o umbral da justiça', nos termos colocados por Gustav Radbruch, continua que as leis, mesmo injustas, ainda são válidas e somente perderão essa qualidade se esse grau de injustiça for tão intolerável que a regra tornar-se-á, na verdade, ausência de direito. Na seara política há a chegada dos Estados Democráticos de Direito. No terreno sociológico, a análise sujeito-objeto e causa-efeito, de cunho estrutural, dá lugar à lógica

comunicacional de conteúdo aberto ao conflito de cariz sistêmico-funcional, conforme preconizado por Luhmann72.

O autor continua afirmando que “é na produção e no exaurimento que se experimenta revolução silenciosa no globo terrestre. Impõe-se modelo novo nas comunidades nacionais e internacionais através do critério de sociedade de massa, caracterizada pela estandardização recrudescente, pelos mercados homogêneos, pelas economias de escala, pelo 'convite excessivo às compras', forçando certa unidade cultural e de valores. A infinidade de informação soltas no mercado traduz a complexidade do sistema econômico e social, evidenciando o consumidor como protagonista da sociedade de consumo” 73.

Nos Estados Unidos, já em 1962, Kennedy proclamava o direito do consumidor como direito à informação, o que compreendia: i)o direito do consumidor conhecer o custo dos créditos (transparência nas operações de crédito); ii) o custo do produto vendido singularmente e sob concorrência (preço do produto); iii) os ingredientes essenciais do produto (indicação da composição); iv) a qualidade dos nutrientes dos produtos alimentícios; e v) a validade do produto74.

Na Europa, o Tratado de Roma de 1957, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico em 1969, a Comissão das Nações Unidas sobre os Direitos do Homem, com a edição da Resolução 39/248, em 1985 pela ONU, são referência da nitidez constitucional que estas questões tomaram.

Este último édito internacional, segundo o autor, é posto como marco de fixação dos direitos fundamentais nas relações de consumo, a partir do reconhecimento da vulnerabilidade como característica ôntica do consumidor. Teve o mérito de traçar as seguintes diretrizes aos países signatários: i) promoção aos consumidores frente aos riscos e prejuízos à sua saúde e segurança; ii) promoção e proteção dos interesses econômicos dos consumidores; iii) acesso à informação adequada para escolha; iv)

72 MARTINS, Fernando Rodrigues. Op. Cit. P. 165. 73 Idem. P. 165.

educação para o consumidor; v) reparação e compensação do consumidor; vi) liberdade de constituição de grupos e organizações para defesa coletiva75.

Não há dúvidas que internamente a geração de conflitos de ordem jurídico econômica impulsionava incertezas tanto no que respeita às possibilidades do Poder Judiciário na solução do caso concreto quanto na letargia da atualização normativa por parte dos legisladores, considerando que à luz da legislação de antanho as saídas jurídicas eram estreitas e sem adequação ao fato social de massa. A somar a essa insegurança e descompasso normativo, no plano internacional abria-se a perspectiva, como visto, de organização sistêmica mediante vetores essenciais na defesa do consumidor76.

A assimetria entre as fórmulas legais de solução de conflitos (conjuntamente à baixa racionalidade nas decisões institucionais) e os vícios e defeitos sofridos por indivíduos (utentes ou exaurientes de produtos e serviços) em larga escala, certamente foi vetor às reivindicações da coletividade (especialmente após a formatação de associações, sociedades, grêmios, entre outras universitas personarum) que buscavam a defesa do consumidor na sociedade mercadológica77.

Segundo Cláudia Lima Marques, “se o eixo-central do novo direito privado é a Constituição e a sua axiologia, que inclui a proteção dos consumidores, é possível explicar o direito do consumidor também pela evolução e relativização dos dogmas do próprio direito privado, tais como a autonomia da vontade, o contrato, os poderes do crédito e o pacta sunt servanda. Este segundo caminho, filosoficamente, baseia-se na evolução das idéias básicas da Revolução Francesa para uma sociedade burguesa e capitalista ou de mercado, como a sociedade de consumo, ideais de liberdade, igualdade e fraternidade” 78.

O princípio em favor da liberdade do mais fraco (favor libertatis) tem origem no direito penal e traz a idéia de que a liberdade que deve ser preservada e protegida pelo direito é sempre a do mais fraco. Já o favor debilis é a superação da ideia de que basta a

75 MARTINS, Fernando Rodrigues. Op. Cit. P. 166. 76 Idem. P. 167.

77 Idem Ibidem. P. 168.

igualdade formal para que todos sejam iguais na sociedade. É o recohecimento, ou presunção de vulnerabilidade, de que o consumidor é mais fraco que o fornecedor, que detém posições jurídica, técnica e econômica mais forte.

Assim, a máxima favor debilis foi o início desta evolução em direção à identificação de grupos de sujeitos de direitos ou pessoas consideradas e presumidas como vulneráveis, incluindo nestes os consumidores, que receberam normas especiais, assegurando direitos de ordem pública, logo indisponíveis (cf. art. 1° do CDC), em face do interesse social naquela relação privada79