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CAPÍTULO I Direito do consumidor

7. A proteção do consumidor

A menção à Política Nacional de Consumo89 e ao Sistema Nacional de Defesa do Consumidor90 está assentada nos princípios reitores da transparência, boa fé objetiva, eqüidade e confiança, que pretendem regular e resguardar de forma integral as relações de consumo e o consumidor, tanto que cuidam até mesmo de situações que antecedem a qualquer relacionamento entre fornecedor e consumidor, passando pela contratação, e, posteriormente, chegando à execução.

A idéia de proteção integral fica bastante evidenciada na análise dos diversos dispositivos contidos ao longo do Código de Defesa do Consumidor, mas especialmente dos artigos 4º e 6º, que inserem uma nova concepção frente à realidade normativa até então existente, sendo de salientar a mudança de paradigma no que se refere à divinização do contrato como fonte obrigacional por excelência.

A Política Nacional de Consumo estabelece diretrizes a serem seguidas por toda a sociedade, mas vincula, com a mesma finalidade protetiva, os Poderes Públicos, com normas cogentes e de interesse público, fixa premissas para a atuação frente ao consumidor e constrói uma teia obrigacional, porém ao mesmo tempo estabelece as formas pelos quais podem ser operacionalizados seus ideais; o que pretende o Código de Defesa do Consumidor é proporcionar equilíbrio, harmonia e respeito nas relações de consumo, com a marca da dignidade, afastando a vilania e a supremacia que afeta não só o consumidor ante a sua vulnerabilidade91, de forma individual, mas a toda a sociedade.

O Art. 4º antes citado contém de forma bastante evidenciada o ideário que se pretende seja efetivado e propõe: (i) a proteção à dignidade, saúde, segurança, visando à melhoria da qualidade de vida; (ii) a proteção aos interesses econômicos92; (iii) a convocação dos Poderes Públicos93 para a proteção efetiva, com ações diretas marcando sua presença no mercado de consumo, incentivando a criação e desenvolvimento de

89 V. Arts. 4º e 6º do CDC.

90 V. Arts. 105 e 106 do CDC.

91 EFING, A. C., Fundamento do Direito das Relações de Consumo, p. 105/106.

92 O Código de Defesa do Consumidor busca conciliar os interesses do consumidor com o desenvolvimento

econômico e tecnológico.

associações representativas94, zelando pelas garantias estatuídas e pelos serviços públicos, coibindo e reprimindo os abusos praticados no mercado de consumo; (iv) a imposição dos princípios da transparência, da boa fé, eqüidade e confiança.

Apesar de esse dispositivo ter explicitado de forma bastante evidente os propósitos de proteção do consumidor e das relações de consumo, no decorrer de todo o Código de Defesa do Consumidor encontram-se dispositivos que esmiúçam a Política Nacional de Consumo.

O microssistema está planificado de forma principiológica95 impondo os princípios antes aludidos96 – transparência, boa fé objetiva, eqüidade e confiança – não como uma forma de favoritismo ao consumidor, mas como um novo paradigma a proporcionar uma educação para os atores da relação de consumo97.

Dentre os princípios aludidos, o da boa fé objetiva é que faz verdadeiramente uma revolução e espraia seus efeitos, muito além do âmbito contratual e passa a ser indicado como regra de conduta98 para a sociedade de consumo, embora não se possa ignorar que o foco principal decorre da análise do comportamento do sujeito contratante 99, e deve ser inerente à atuação humana, especialmente nas relações do consumidor100, mas não só a elas limitada, conforme se identifica no Código Civil de 2002101.

94 O Art. 5º do CDC outorga para tanto diversos instrumentos dos quais pode o Poder Público valer-s e. 95 Merece destaque o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), criado em 1987, e que

atualmente está ligado a 250 outras associações, inclusive ao Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor. Este Instituto propôs quatro ações no Caso Schering do Brasil em favor de 10 mulheres carentes, que receberão indenizações e pensão até que seus filhos completem 21 anos de idade (Informações disponíveis em: <<http://www.idec.org.br>> Acesso em: 04.05.2010).

96 Cf. NERY JUNIOR, N., NERY, R. M. A., Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, p. 906. 97 Sobre o ideário educativo: V. EFING, A. C., op. cit., p. 102/103; SIDOU, J. M. O., Proteção ao

Consumidor: quadro jurídico universal, responsabilidade do produtor no direito convencional, cláusulas contratuais abusivas, problemática brasileira, p. 6.

98 MARTINS-COSTA, J., BRANCO, G. L. C. B., Diretrizes teóricas do Novo Código Civil Brasileiro, p.

134/135.

99 NALIN, P., op. cit., p. 126

Em verdade, a boa fé sai do campo da subjetividade, como anteriormente estabelecido, vislumbrando, agora, uma esfera objetiva consagrada pela exteriorização efetiva da vontade ou de um comportamento, permeando todo o microssistema das relações de consumo, e, obviamente, deverá estar presente em todos os atores dessas relações; acaso se pretendesse indicar os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor por ela informados estar-se-ia sujeito a transcrever toda a Lei 8.078/90. A boa fé está presente na busca do equilíbrio e da harmonia nas relações de consumo, e informa todos os âmbitos do Código de Defesa do Consumidor e os demais princípios são corolários seus.

O princípio da transparência que, enfatiza as fases antecedentes à realização do contrato, aparece, todavia como o princípio reitor da sociedade de consumo, mesmo que não se pretenda a realização de qualquer negócio, tanto que planifica dentro do Código de Defesa do Consumidor um novo conceito de oferta.

A disposição do Código de Defesa do Consumidor no que se refere à oferta merece ser salientada, quanto à vinculação que se apresentará como efeito imediato e decorrente da veiculação pública, conforme se infere da clara redação do Art. 30 do CDC. Ainda, o Código de Defesa do Consumidor preocupou-se não só com a publicidade102, mas também com a informação prestada pelo fornecedor atribuindo o mesmo efeito vinculante103.

NALIN, P., op. cit., p. 127.

101 “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua

execução, os princípios da probidade e boa-fé.”

102 NUNES, L. A. R., Curso de Direito do Consumidor, p. 389 et. seq., sobre a diferença entre informação e

publicidade explica que “a norma propositalmente não fala apenas em „publicidade‟, mas também em „informação‟. Isso significa dizer que uma é diversa da outra, ou, mais precisamente, pode-se dizer que toda publicidade veicula alguma (algum tipo de) informação, mas nem toda informação é publicidade. (...) Pode-se, então, dizer que a oferta é um veículo, que transmite uma mensagem, que inclui informação e publicidade. O fornecedor é o emissor da mensagem e o consumidor é seu receptor”. Sobre os aspectos penais da publicidade, em dimensão diversa, porém, ao caso brasileiro, vide por todos: PUENTA ABA, L. Mª, Delitos Económicos contra los consumidores y delito publicitário.

O legislador, ainda, cuidou de estabelecer no Art. 31, de forma exemplificativa, o que deve estar contido na oferta e apresentação de produtos e serviços, tudo com o objetivo de fazer valer os princípios104 da Política Nacional de Relações de Consumo informadores da oferta.

O dever de informação, que é o corolário da transparência, é imposto ao fornecedor em relação ao consumidor (Art. 6º, III, CDC), pelo qual devem ser fornecidas com fidedignidade ao consumidor todas as informações relativas ao produto ou ao serviço que pretende adquirir, sejam elas relativas a aspectos técnicos, ou sobre a quantidade e qualidade, preços, prazos, datas de validade, enfim, todas aquelas que possibilitem ao consumidor que realize um negócio conhecendo-o em sua inteireza. A transparência, assim, regerá a publicidade de ofertas (Art. 31, CDC), o dever de informação sobre o produto ou serviço (Art. 31, CDC), o dever de oportunizar a informação sobre o conteúdo do contrato e o dever de redigi-los105 claramente (Art. 46, CDC), e outras cláusulas gerais de contratação, a vedação às práticas comerciais abusivas, publicidade106 abusiva e enganosa, os cuidados na manutenção dos bancos de dados e cadastros de consumidores.

O princípio da confiança, mais presente na formação e acontecimento do negócio, embora possa ser vislumbrado em outros momentos, cuida da regularidade e segurança do produto ou serviço objeto da relação de consumo, a fim de garantir ao consumidor que

104 MONTE, M. F., Da Proteção penal do consumidor – O problema da (des)criminalização no incitamento

ao consumo, p. 99, cita, ainda, três princípios específicos que, no caso português, teriam relação com o tema: licitude da publicidade, da inofensividade ou da preservação da segurança e saúde do consumidor e o princípio da veracidade.

105 MARQUES, C. L., Contratos no Código de Defesa do Consumidor – O novo regime das relações de

consumo, p. 599 et. seq

106 V. Apelação Cível 2002.04.01.000610-0 e 2002.04.01.000611-1, ambas da 3ª Turma, Rel. Des. Federal

Marga Barth Tessler, TRF 4ª Região que, embora, estejam pendentes de julgamento os Recursos especial e Extraordinário, houve a condenação das empresas que comercializam bebidas alcoólicas a fim de inserirem em suas embalagens advertências sobre os efeitos do álcool. Os Acórdãos foram publicados, respectivamente, no Diário da Justiça da União (DJU) de 04.06.2003, p. 522, e de 30.04.2003, p. 279.

haverá respaldo para eventuais vícios que o produto ou serviço apresentem, que será fornecida garantia ao produto, que o produto ofertado é seguro, etc.

No âmbito da relação de consumo, com o pressuposto da vulnerabilidade e a busca pelo equilíbrio, está a proibição de cláusulas abusivas (Art. 51, CDC), o estabelecimento do controle judicial, sobre os aspectos formal e material dos contratos, individual e coletivo, concreto e abstrato, com a possibilidade de direito de revisão e modificação de cláusulas excessivamente onerosas107, estabelece responsabilidades108 no âmbito civil, administrativo e penal pelos produtos e serviços a fim de garantir as legítimas expectativas existentes à época da contratação, assim, previstas as garantias para preservar a dignidade e a integridade física, psíquica e moral do consumidor, os conceitos de decadência e prescrição.

O princípio da integridade das relações de consumo já assinala para uma proteção total do consumidor em diversas esferas do sistema jurídico, dentre elas, a do Direito penal, pois visa assegurar a integridade, importância e retidão das relações de consumo109.